A plus size de São José do Rio Preto (SP) Evelise Nascimento, de 24 anos, encarou o trabalho como modelo de lingerie com naturalidade. Trabalhando na área há quase dois anos, já venceu concursos de beleza GG e faz diversos trabalhos de moda. O que não poderia prever é que, ao postar na internet as fotos de um desses ensaios, no início deste mês, seria alvo de ciberbullying e comentários gordofóbicos.
Segundo ela, tudo começou com um recado anônimo. Nele, a mulher dizia: “me diga, se você visse fotos de meninas de calcinha e sutiã acharia normal? Não acho legal meus filhos vendo fotos de meninas magrinhas, também não os quero vendo de cheinhas. A sociedade é assim, por mais que você tente mudá-la é quase uma luta perdida". As fotos citadas eram de bastidores de um ensaio fotográfico para um catálogo de cunho comercial, sem nenhum apelo sexual. O comentário gerou revolta ao ser compartilhado por ela em seu perfil na internet, como forma de protesto.
Quando leu o comentário, Evelise não se importou, mas ao perceber o preconceito disfarçado, logo copiou o comentário e postou em sua página para “declarar guerra” ao preconceito. “Uma pessoa anônima dizendo que ver fotos de mulheres cheinhas de calcinha e sutiã não é normal? Ela nunca viu um catálogo de lingeries por acaso? Não são sensuais, apenas são fotos de roupas de baixo. Mas depois percebi que era o preconceito disfarçado de "cuidado com os filhos". A frase que ela escreveu no final me fez pensar nessa tal sociedade preconceituosa que ela faz parte. Estou fora do "padrão Gisele de ser", represento as mulheres que sofrem diariamente preconceito por se aceitarem ser gordinhas”, comenta a modelo.
Para Evelise, esta foi uma forma de manifestar a gordofobia, termo usado para indicar pessoas que tem preconceitos com pessoas acima do peso. “Fotografar com lingerie mesmo tendo um corpo avantajado é o que realmente muitos acham loucura, mas digo que fotografar só de calcinha e sutiã ė uma arte, exige muito do profissional, para buscar o melhor ângulo e também da modelo, para ter o equilíbrio entre o sensual e o vulgar. Nunca fui vulgar. Se alguém julgar assim, está sendo preconceituoso”, diz Evelise.
Outro comentário veio de um rapaz que disse: “desfiles de mulheres plus size nada mais é do que celulites ambulantes". “Quando eu namorava, já ouvi dizerem "o que será que esse cara tá fazendo com essa gorda?”. Outra enviou um recado a um ex dizendo “tá namorando uma plus size, é?”, mas falando de maneira grosseira. Não entendo como pode existir tanta gente preconceituosa", conta a modelo, que aproveitou o manifesto #lingerieday, na última quinta-feira (31), para reforçar a campanha de aceitação. "Temos que aceitar o corpo que temos e se preocupar mais com saúde do que com beleza. Se somos gordinhas, mas somos saudáveis, não tem porque recebermos tantas ofensas", finaliza.
Gordofobia
"Você tem um rosto tão lindo, nunca pensou em emagrecer?", "Você não pensa futuramente, pode problemas devido seu tamanho?". Para pessoas acima do peso, essas são frases típicas de gordofobia, mascarada como “preocupação com a saúde”. O incomodo das pessoas é causado pela aceitação do corpo das consideradas plus size. “Hoje essas críticas preconceituosas não me abalam. Recebo mensagens de carinho, de jovens que estão ou saíram de depressões por não aceitaram o corpo e que quando se deparam com alguma foto minha e percebem que podem ser bonitas apesar de gordinhas. Temos que vencer o preconceito externo e aceitarmos nossos corpos”, explica Evelise.
Para a psicóloga Etienne Janiake, a gordofobia é consequência da “ditadura da beleza” que vivemos atualmente. “Ela associa o belo a um ideal de magreza muitas vezes inatingível e não necessariamente saudável. Para atingir esse padrão imposto, muitas vezes os jovens se submetem a sacrifícios em prol do “corpo ideal” e o fato de ter pessoas que, por opção ou por imposições circunstanciais, não seguem esse padrão e estão acima do peso aceitável, incomoda”.
Para a especialista, a gordofobia se deve tanto a não aceitação do diferente, quanto à dificuldade de conceber que é possível optar por não seguir os padrões socialmente valorizados de corpo e de beleza. “É necessário que a pessoa compreenda que existe um padrão de beleza culturalmente construído, que se modifica conforme a época e local. Esse padrão, idealizado e distante da maioria das pessoas, desconsidera a diversidade natural da beleza humana, impondo certas características que não se adéquam a todas as pessoas. Viver se comparando e procurando atingir esse ideal de beleza imposto, muitas vezes acaba funcionando no sentido contrário, abafando a real beleza que vem do estar bem consigo mesmo, de ter uma boa auto-estima, e da valorização e livre expressão das diferenças individuais que faz de cada ser humano único, especial e belo”, orienta Etienne.
Ciberbulliyng
O cyberbullying é uma prática que envolve o uso de tecnologias de informação e comunicação para dar apoio a comportamentos deliberados, repetidos e hostis praticados por um indivíduo ou grupo com a intenção de prejudicar o outro. Para lidar com esse fenômeno de forma preventiva, especialista indicam orientar e informar as crianças e adolescentes sobre os cuidados na exposição à mídia ou a importância de ter critério naquilo que publicam na rede.
Se o cyberbullying ocorre, é necessário avaliar o caso para fazer os encaminhamentos necessários. De forma geral são necessárias ações judiciais, para identificar e interromper o compartilhamento das mensagens prejudiciais, e por outro lado é importante contar com um apoio psicológico para a vítima, para que ela consiga lidar melhor com as conseqüências desestruturantes que essa exposição negativa pode acarretar.
Para psicóloga, é muito comum os jovens vítimas de cyberbullying terem como conseqüência problemas psicológicos sérios como depressão, síndrome do pânico e até ideias e comportamentos suicidas. “É importante quem estiver à volta estar atento aos seguintes sinais que podem ser indicativos de cyberbullying: isolamento, queda no rendimento escolar ou excesso repentino de dedicação aos estudos no caso de crianças e jovens, não querer estar com amigos ou não querer sair de casa”, explica Etienne.
Ainda segundo a especialista, as agressões feitas pela internet podem ter um efeito ainda mais prejudicial do que aquelas feitas pessoalmente, devido à dimensão de exposição que ela pode alcançar. “Uma agressão verbal feita de forma presencial fica restrita ao conhecimento das pessoas presentes, já uma ofensa publicada no meio virtual rapidamente pode se espalhar para um grande número de pessoas, comprometendo a imagem da pessoa agredida”, diz.