As qualidades ainda superam as deficiências trazidas pela idade. Juan admite que em dezembro, encerrada a temporada, fará um balanço das condições físicas, das perdas e dos ganhos de uma vida dedicada ao futebol, parte dela ao Flamengo, seu time de coração. O zagueiro já sente as limitações de quem no passado, mesmo em desvantagem no posicionamento, tinha a agilidade como arma. Mas se vangloria por não ter perdido a leitura do jogo. E também não perdeu a motivação. Juan quer ser Campeão da Copa do Brasil.
— Seria realizar um sonho — diz o zagueiro.
Foram 14 anos fora do Flamengo. O quanto acha que o clube mudou?
Em estrutura e nas finanças, é totalmente diferente. Para o padrão brasileiro, é um clube rico. Mas a paixão do torcedor, a pressão, isso não muda. Isso é do tamanho do clube.
Ter dinheiro ampliou a cobrança no clube?
Sem dúvida. Estamos vivendo o outro lado da moeda. Tem grandes jogadores, parece que é obrigação vencer todos os jogos e dar espetáculo. Por um momento a gente se colocou esta pressão. Na Libertadores, fomos eliminados por não pontuar fora de casa. Mas não sofremos, nunca jogamos muito mal. Talvez, se a gente jogasse pelo empate, teria os dez pontos necessários. Talvez tenha mudado com o Rueda, e não é crítica ao Zé Ricardo, que merece ser valorizado. Rueda chegou num momento em que se pedia isso (mais cuidados). Talvez sem ser tão brilhantes quanto antes, estamos sendo efetivos.
O que falta para o clube ser de novo vencedor?
É tudo muito novo. Talvez seja o primeiro ano que o Flamengo extrapola no investimento em elenco. Claro que a exigência é de resposta rápida, mas a longo prazo vai ser inevitável.
Há quem fale em recuperar ambição...
Talvez reaprender a ter paciência para ser vencedor. A pressão no Brasil é por ganhar tudo.
É possível o torcedor aceitar um time mais pragmático?
No fim das contas, o torcedor quer ganhar. Quem entende de futebol sabe que a forma mais fácil é jogar bem. Mas no Brasil é difícil jogar bem sempre, o equilíbrio é grande. Temos um campeonato em que os times que têm a bola não ganham. Na Europa, há seleções dentro dos clubes, um abismo entre grandes e pequenos. Então os números se tornam falsos. No Brasil, também falta tempo de trabalho, time para jogar assim tem que se conhecer muito bem.
Com Zé Ricardo, o time jogava mais adiantado. Isto prejudicava você?
Não, havia formas de evitar o contra-ataque e fizemos, até comigo em campo. Mas quando você perde e toma gols de contra-ataque, associam à idade.
O futebol brasileiro lida mal com jogadores mais velhos?
O problema é o pré-julgamento: tomou gol, é porque está velho. Perdeu gol, é porque é novo.
Como a idade impactou o seu jogo?
O que tenho de bom, e nunca deixei de ter, é a parte tática e leitura de jogo. Impactou o meu jogo pessoal: arrancar para o ataque, me dar ao luxo de estar mal posicionado e recuperar na velocidade, infelizmente não posso mais.
A defesa mais composta com Rueda facilita?
Para mim e para todos os zagueiros do Brasil. Lembro que num Fla-Flu, corri com o Richarlison e disseram: “Perdeu na corrida, tá velho”. Mas o Richarlison ganha de 70% a 80% dos zagueiros. Se todo mundo que perder na corrida para ele tiver que parar, não tem mais zagueiro. E têm se destacado os defensores que jogam protegidos. Mas tem que ser eficiente. Não pode jogar no Flamengo, ficar todo mundo atrás protegendo o zagueiro e não fazer gol.
A Copa do Brasil é suficiente para coroar o novo momento do clube?
Pode abrir as portas. Este grupo precisa de uma vitória para ter mais tranquilidade e buscar mais coisas, tirar o peso de investir e ter que vencer. E seria realizar um sonho. Eu não imaginava estar no Flamengo aos 38 anos.
Qual sua ligação com o Flamengo?
O Flamengo é o meu time, sempre foi e sempre vai ser. Eu era torcedor fanático. Mesmo se eu não voltasse, nada mudaria.
O que define a identidade do clube?
A grandeza, a torcida e o fato de que, na hora difícil, o Flamengo dificilmente recua. Antes do primeiro jogo com o Botafogo, tivemos uma reunião. Eu tinha lido algo dizendo que o Flamengo era o clube de momentos como aquele. Eu parei para pensar e vi que sempre foi assim mesmo, na dificuldade o Flamengo cresce, na decisão... Eu disse aos jogadores: “Este clube é assim. Na hora de decidir, a gente aparece. Porque temos torcida, então temos tudo”.
Mas o Flamengo vinha falhando nos grandes jogos...
Talvez pela pressão de ganhar, convencer, jogar bem.
Preocupam os valores e o julgamento em torno do Vinícius Junior?
Os números hoje são altos, era inevitável que um jovem fosse vendido por esse valor. Ele tem muito talento e me deixa tranquilo ver o dia a dia dele de trabalho, a vontade de brilhar no Flamengo. Outros poderiam ter a cabeça em Madrid. Quando a gente conversa com ele, fala que não precisa, a cada jogada, justificar por que ele é o Vinícius Júnior e foi para o Real Madrid. Ele tem que jogar como nos juniores. Tem a hora de tocar para o lado e a hora do lance de efeito.
Quando você para?
Não tenho na cabeça. Em dezembro, avalio minhas condições, ouço o que o clube pensa de mim. Ainda convivo bem com sacrificar o dia a dia e a família. O jogo me dá prazer e o fato de jogar no Flamengo. Em outro clube, talvez não jogasse mais.
Vai se manter no futebol?
Venho usando uma marca minha nas redes sociais. A intenção é usá-la para me voltar para projetos sociais. Já faço um trabalho com a casa Ronald McDonal’s. Quero retribuir o que o futebol me deu. Se puder associar ao Flamengo, ver o clube ser pioneiro neste campo, seria um sonho. Acho difícil sair do futebol, mas ainda não encontrei a função.
Por que é tão difícil ver você sorrindo?
Não sei. Todo mundo fala isso pra mim. Às vezes, em rede social, coloco uma foto rindo e todo mundo comenta. Acho que sou sério no trabalho e, como sou reservado fora de campo, quase ninguém me vê em momentos de lazer.
Se ganhar a Copa do Brasil, vai ter sorriso?
Aí sim, com certeza.