Aos 63 anos, Joel Santana começa nesta quarta-feira, às 22h, mais uma disputa de Libertadores, diante do Lanús. Na sua quinta passagem pelo Flamengo, o treinador exibe fios brancos na cabeça, mas ainda não é de preocupação. Segundo ele, que admite pintar os cabelos, é charme.
Simples, de palavras fáceis e sempre com boas tiradas, Joel bateu um papo com o GLOBOESPORTE.COM. No começo da entrevista, é possível perceber um treinador com declarações mais sérias. Ele promete que será a última vez que comenta a eliminação para o América do México, em 2008, e destaca Ronaldinho Gaúcho como um futuro amigo.
- É um cara do bem, como muitos outros com que trabalhei que falavam que não eram do bem: o Baixinho é do bem, o Edmundo, o Renato Gaúcho... Nunca tive problemas com os caras. Não ia ter problema agora com o Ronaldo.
Aos poucos, porém, Joel passa a ser o Joel de sempre. Primeiro, ao dar uma cutucada nos argentinos na comparação entre Pelé e Maradona.
- Eles se acham donos do mundo. Eles querem comparar Maradona com Pelé, quer coisa mais absurda do que isso? Não dá, né!
Depois, o carioca nascido na Rua Bariri, em Olaria, subúrbio do Rio, se diz feliz por voltar a andar pela cidade com seu chinelo de dedo e tomar café na padaria.
Em Salvador, Joel ficou impressionado com ensopado de ostras, peixe e camarão. Mas nada que possa roubar o posto do seu prato preferido:
- Macarrão com salsicha é o titular porque é o prato que sei fazer quando estou sozinho. Está de bom tamanho. Se frita um ovo, aí vira banquete. Vou fazer o que, chorar da vida?
Não, ele sorri. Muitas vezes, o jeito Joel de ser rendeu ironias. Como no episódio quando comandava a África do Sul. Ao dar uma entrevista num inglês suspeito, o treinador virou alvo de sátiras. Na época, ficou magoado. Hoje, faz piada consigo mesmo e ganha dinheiro num comercial de refrigerante.
- Pode ser? Pode ser. Pode to be? Pode to be. Tudo pode, a vida é assim. Aproveitei uma sátira que fizeram, que até ultrapassou os limites, arrumou-se um jeito e transformamos numa propaganda que deu certo, que marcou, que está bombando. E vai sair outra - anunciou o treinador.
O próximo slogan ele não revela. Mas na marca de Joel está escrito: simplicidade e felicidade de viver. E também de rir. E fazer rir.
GLOBOESPORTE.COM: Como é voltar a disputar uma Libertadores, um campeonato diferente?
JOEL: Hoje, o futebol brasileiro tem dado mais credibilidade a essa competição, se prepara melhor. Antigamente, no Brasil, não davam muita atenção. Mas ainda temos muitos erros. Em outros países como Argentina e Uruguai, eles trabalham primeiro em cima da Libertadores, depois outros campeonatos em termos de tabela e regulamento. Nós temos um sofrimento muito grande. Vou dar um exemplo: vou jogar contra uma equipe que atuou na sexta-feira (contra o San Lorenzo). Nós jogamos no domingo, em Macaé, chegamos de madrugada, viajamos na segunda para jogar na quarta. Olha a disparidade. Voltaremos para o Brasil na quinta e no sábado de Carnaval já estaremos em campo. Temos que rever tabelas de campeonatos para entrarmos mais preparados, principalmente nos aspectos psicológico, técnico e físico. Libertadores, fora o Mundial no fim do ano, é o campeonato mais importante.
Como você costuma dizer, 2008 (quando Joel comandava o time que foi eliminado pelo América do México, na derrota por 3 a 0, no Maracanã, vídeo abaixo) já passou, mas ficou algum trauma, a dor foi grande?
Engraçado que só botam na minha conta aquele jogo, rapaz. Teve um monte de coisa que envolveu aquela partida, até questão emocional. Jogamos no domingo, tivemos a festa da Federação na segunda-feira e fomos jogar na quarta. Todo mundo achou que o jogo estava ganho, mas futebol só se ganha quando termina. E eu com a missão de sair... (para assumir a seleção da África do Sul). Você sabe, estou te respondendo essa pergunta, acho que será pela última vez. É muito tempo para eu ficar curando essa ferida. Essa ferida está totalmente fechada, vamos partir para frente. Aconteceu, são coisas que acontecem de cem em cem anos, de mil em mil anos. Agora temos que pensar em jogar a atual Libertadores.
Qual a diferença de se trabalhar no Flamengo em relação a outros clubes do Brasil? Nesta terça-feira, você chegou a usar a frase de Ronaldinho de que Flamengo é Flamengo...
Não quero fazer comparação, pois às vezes levam para outro lado e não fica bem, já que trabalhei em outros clubes e gozo de carinho de torcidas e dirigentes. Coloquei isso (Flamengo é Flamengo) porque o cara me fez uma pergunta achando que nós viemos aqui, com todo respeito ao time deles, recuados, com medo ou coisa parecida. Argentino tem disso, eles se acham bons de tudo, mas quando se fala do Flamengo ? assim como Corinthians e outros clubes grandes brasileiros ? eles têm que parar para ouvir. Nós ainda somos os melhores do mundo. Com essa coisa do Barcelona, parece que nosso futebol acabou, que eles são os donos do mundo. Não é bem por aí. Temos cinco campeonatos mundiais, os maiores talentos que surgiram foram brasileiros. Quando eles (jornalistas argentinos) falam, têm que pensar e encher a boca, pois não estão falando de um clube qualquer, mas sim de uma paixão, de uma nação. Nós brasileiros temos que dar valor ao que somos e representamos, principalmente no esporte que ainda dominamos, queiram ou não queiram, com todas as dificuldades. Eles têm que respeitar, mas se acham os donos do mundo. Eles querem comparar Maradona com Pelé, quer coisa mais absurda do que isso? Não dá, né! (Joel solta um riso de canto de boca).
Não tem comparação entre Pelé e Maradona?
Não faz isso... O Pelé é o atleta do século, o cara é rei, né? Tem coisa na vida que não dá. Tem que saber o seu lugar. O outro (Maradona) foi um grande jogador, mas não resta dúvida, Pelé foi maravilhoso, um showman sobre todos os aspectos. Pelé é Pelé, acabou.
Por falar em grande jogador, o que você pode dizer desses poucos dias de convivência com Ronaldo?
Não tem problema, tudo que foi programado ele cumpriu como profissional que é, o que representa em termos de grupo. Ele é estrela, o exemplo, os garotos se miram nele. Graças a Deus as coisas estão correndo maravilhosamente bem. É um cara tranquilo, na dele, sem ser arrogante, com humildade, pergunta as coisas quando não sabe. Estou achando muito bom trabalhar com ele, foi mais um aprendizado que eu tive. O pessoal falou tanta coisa e não é nada disso. É um cara do bem, como muitos outros com quem trabalhei e que falavam que não eram do bem: o Baixinho é do bem, o Edmundo é do bem, Renato Gaúcho é do bem. Nunca tive problemas com os caras. Não ia ter problema agora com o Ronaldo. Jamais.
Na sua apresentação no Flamengo, você contou de um caso de um jogador que te procurou e você ficou emocionado...Poderia falar mais?
Tem um garoto que estava fora, e ele já tinha sido titular comigo, infelizmente machucou o joelho quando estava num bom momento. Dali para cá ele veio numa queda assustadora. Ele estava afastado e a primeira coisa que eu fiz foi reintegrá-lo em respeito a ele. (Joel pergunta a um dos seus auxiliares: ?qual o nome dele, aquele grandão??) É o Rômulo. Assim que eu cheguei ele estava muito feliz e veio me falar que eu não sabia a gratidão que ele tem por mim. Um garoto, um jogador sempre fiel que conheci nos juniores do Flamengo. Ele ficou muito emocionado (Nota: o volante Rômulo foi lançado por Joel em 2007 e se firmou como titular na campanha que levou o clube da zona de rebaixamento à vaga na Libertadores. Entretanto, machucou-se no fim daquele mesmo ano e jamais voltou a render como antes. Foi emprestado a diversos clubes e, agora, está de volta ao Flamengo).
Você tem falado da sua felicidade com a vida. Que fase é essa, de onde vem essa alegria? Voltar ao Rio também te faz bem?
É minha cidade. Eu caminho, coloco meu chinelo de dedo e vou na esquina comprar meu jornal, vou tomar café na padaria, eu gosto de bater papo, as pessoas que me envolvem, de cumprimentar, dar bom dia, boa tarde e boa noite. Pegar minha cadeira e ir à praia ler meu jornal. Você se sente mais à vontade. Isso não quer dizer que em outros estados que passei eu não tenha gostado. Na Bahia, estava morando num lugar muito bom, de frente para a praia. E a Bahia também me atende muito bem. Mas em casa é diferente, você tem mais facilidade para fazer as coisas. Você imagina um treinador como eu, de 25, 30 anos de profissão, vivendo com viagens, concentrações, cobranças. Tem gente que te chama de incompetente, mas estou aí, sobrevivendo. Em 81 comecei nos juniores, subi para o profissional em 86, vim trabalhando nas maiores equipes desse país, nos grandes times do Rio, cinco vezes no Flamengo, cinco no Vasco, três no Fluminense, três no Botafogo. Isso não é para qualquer um, não. Você ainda ter força para voltar num clube como esse, uma casa como essa, onde todo mundo te abraça, quer dar um beijo, pegar autógrafo, fotografia.
É difícil a vida de treinador?
Até me emociono quando falo sobre isso. A vida do treinador só ele sabe como é, o que sente, sofre, o momento de angústia. A gente dorme mal, tudo que passa pela nossa cabeça, as decisões que precisa tomar, que às vezes são erradas, mas você faz pensando em acertar. Escalar o time é fácil, problema é quem vai para o banco e quem você corta. Estou cheio de garotos no Flamengo, e deixo cada um mais à vontade que o outro. Para se ter respeito não precisa bater nem maltratar. Não estou aqui para ensinar nada, mas sim para passar experiência. A vida me ensinou. O futebol me ensinou. Não estou aqui por acaso, mas por merecimento. A torcida do Flamengo me respeita, no domingo (diante do Nova Iguaçu) ela gritou meu nome. Isso não acontece todo dia. Até bandeira com meu rosto tem. A vida do treinador é uma das coisas mais sofridas do mundo. Não é mole, não. Tem que ter coração de leão.
Você acha que seu jeito simples faz com que tenha essa grande identificação com a torcida do Flamengo?
Com certeza. Às vezes, as pessoas não chegam até o treinador com medo de serem recebidas mal. A primeira coisa que faço é brincar para dar uma relaxada, dou um beijo na criança primeiro, falo que tem que pagar pedágio para dar um abraço. Quem faz o treinador é a torcida. O cara bate uma fotografia e fala: ?pô, esse cara é legal, simples pra caramba?. Não interessa andar amargurado, dizer que não vou tirar uma fotografia, pedir um autógrafo e eu não assinar. Sou representante do clube, que faço propaganda para o clube, ajudo a angariar torcedores. O torcedor é o maior patrimônio que temos. Sou assim porque sou assim mesmo. Gosto de usar um tênis, uma calça jeans, uma camisa mais solta. Às vezes, quando vou numa festa, boto uma coisinha mais aqui, mais ali. Cada um tem sua maneira de ser. Mas não faço isso para agradar, eu nasci assim. Faz parte da minha vida.
Pela sua simplicidade, na sua passagem pela Bahia, você trocou seu prato preferido, que sempre disse que é macarrão com salsicha, pelo acarajé?
Acarajé eu não gosto, mas gosto de um ensopado de peixe, ostra, camarão, com pouco azeite de dendê, senão maltrata o menino (risos). Mas o ensopado lá é bom, cara.
Mas o ensopado tomou o lugar do macarrão com salsicha?
Não, macarrão com salsicha é o titular porque é o prato que sei fazer quando estou sozinho. Está de bom tamanho. Se frita um ovo, aí vira banquete. Vou fazer o que, chorar da vida? Aí convida os amigos...
Mas os amigos vão?
Têm um bocão danado.
Você sendo muito acessível aos torcedores, o pessoal aproveita para cornetar. No voo do Brasil para Buenos Aires, o comandante cobrou no alto-falante que você deveria escalar a garotada...
Você viu o comandante, rapaz? Pernudo, hein! Já estava quase na hora de descer, já vínhamos traumatizados do voo em Macaé (quando a delegação enfrentou forte turbulência), eu vim sentadinho na janela, um céu de brigadeiro, tudo bonito, o avião desfilando, Argentina, aí ele soltou aquela lá de dentro... Falei: ?comanda o teu avião aí?. Quando ia descer falei com ele: ?Pô, até tu Brutus?!. Vou tomar teu lugar aí você vai ver se é legal?. Mas é o torcedor, ele falou numa boa, descontraiu, jamais levaria a mal. Quando é uma brincadeira sadia a gente participa. Quando é feia, debochada, que mexe com teu íntimo, aí não temos mais idade para isso. Lidando com público, depende da maneira como o cara chega, como aconteceu na entrevista de forma debochada (quando um jornalista argentino ironizou Joel ao questionar a escalação do time). Mas a vida é assim, temos que saber medir as palavras.
Até por conta da sua resposta, quando você assumiu a África do Sul muito foi alvo de brincadeiras e ironias pelo seu inglês. Na época, você ficou chateado, magoado, mas acabou usando isso a seu favor, saiu por cima, fez comercial de refrigerante e ganhou dinheiro. Como foi isso?
Pode ser? Pode ser. Pode to be? Pode to be. Tudo pode, a vida é assim. Aproveitei uma sátira que fizeram, que até ultrapassou os limites, arrumou-se um jeito e transformamos numa propaganda que deu certo, que marcou, que tá bombando. E vai sair outra.
Qual o slogan da próxima?
Você já quer saber na frente do meu patrocinador, pô?! Deixa ele bancar para depois dizer. Ainda nem pingou o dindim, mas vem outra legal. Da sátira fizemos uma coisa profissional sem agredir ninguém. E foi bem recebido por todos. Estava no Festival de Verão, em Salvador, e entre uma atração e outra, quando passava o comercial, era uma sensação. Está tudo bem. Se todo mundo chegar na minha idade como eu...Trabalho nessa potência do Flamengo, minha filha está em Londres fazendo doutorado, meu filho está quase passando numa prova da OAB que é muito difícil, tenho grandes amigos, não posso reclamar de nada, só agradecer. Mas também não vou dar motivos para acontecerem problemas. Sou pessoa pública, qualquer estalinho vira uma cabeça de nego, não sei se você é do tempo da cabeça de nego. Gosto de grandes desafios e espero que as coisas deem certo como eu imagino.
Posso fazer um último comentário, você não fica chateado?
Depende.
Percebi que você ganhou alguns cabelos brancos...
Eu pinto o cabelo mesmo, isso é xampu, não escondo de ninguém, não...
Mas do lado está branco...
É porque estou dando um trato para dar mais um charme. Quando você tiver na minha idade vai pintar também. Ou vai implantar.