Maior tenista brasileiro em todos os tempos, Gustavo Kuerten viveu momentos de emoção no fim da semana. Em Nova York, foi homenageado pela ATP num evento em que a associação celebrou no seu aniversário de 40 anos os 25 jogadores que foram líderes do ranking mundial por pelo menos uma semana - Guga ficou um total de 43 semanas no topo, sendo o melhor do planeta em 2000. Mas a felicidade por estar num rol de estrelas como Pete Sampras, Andre Agassi, Rafael Nadal e Roger Federer, entre outros, tem contraste no atual momento do tênis no Brasil.
Segundo o ídolo, a preparação para as Olimpíadas do Rio de Janeiro está na contramão para que novos vencedores sejam criados. A preparação não é das melhores, e o objetivo não é investir na base, mas sim apenas ganhar medalhas. E não apenas no tênis.
- O Brasil tem tudo para ser transformador, e o brasileiro vive esporte. O vôlei e o judô têm estrutudas avantajadas, mas na média a preocupação é quando o atleta ganha. Ele vira meu amigo e apaga o incêncio que está por trás. Tenho receio pelo que vejo. É muita preocupação com medalha e esquecimento do trabalho de base, que é fundamental. Deveria ser o início para uma transformação nacional do esporte, e estou vendo que a ideia é alcançar o máximo de medalhas, mas sem continuidade. Esse tipo de plano não faz sentido. É questionável. Até que ponto vai ser bom? - questiona.
Guga não poupa palavras para apontar o que está errado, e a educação é para ele a saída para que haja uma melhora.
- É hora de mostrar as feridas, não pode ficar escondendo para baixo. O volume da sujeira é muito grande e engole todo mundo. O Brasil não precisa mais passar por isso. Na condição atual, nosso país precisa reivindicar coisas melhores. Esse sistema arcaico existe, um depende do outro, e ninguém vai francamente à TV entender por que os atletas brasileiros não têm condições decente. Essa é a nossa realidade, a a solução é a educação. O Brasil precisa urgentemente de um banho de educação em todo o país.
A vida de Gustavo Kuerten mudou. E muito. Aquela correria das viagens pelo mundo deu lugar à possibilidade de cuidar dos filhos. O convívio com os melhores jogadores de tênis do planeta foi substituído pelos projetos com jovens que sonham ser como ele um dia. E a saudade dos jogos ele consegue matar com alguns jogos amistosos. As dores no quadril o tiraram das quadras em 2008, quando tinha apenas 31 anos, e parece que faltou completar algo na carreira, como um duelo contra Rafael Nadal, maior campeão da história de Roland Garros, mesma competição que Guga venceu três vezes. O espanhol tem oito títulos do Grand Slam francês.
- O grande jogo que não tive na carreira é este, e teria pelo menos uns dez. É natural que tivesse jogado algumas finais de Roland Garros contra ele. Teria tirado uns títulos do Nadal, que iria me forçar a jogar muito melhor, porque eu iria melhorar muito, não iria dormir direito. Essa é a grande beleza do tênis para mim. Contra o Federer foi 2 a 1 para mim, e agora não tem mais, por isso escolhi o Djokovic para jogar (numa exibição no Brasil). Com o Nadal foi 0 a 0, e é um jogo que está só no plano das ideias.
Guga não sabe como seria a carreira se as dores no quadril não o tivessem feito abandonar profissionalmente o tênis. Quando não suportou mais a luta contra a lesão, ele resolveu mudar de vida. Adaptou-se bem à mudança e agora toca dois projetos em Florianópolis. Tem uma escolinha de tênis e um projeto social que atende a 700 crianças, algumas até com deficiência. Além disso, é um pai presente, fato que dificilmente consegueria se ainda estivesse jogando em alto nível.
- É difícil imaginar qual seria a sensação se não fosse o meu quadril. Estaria jogando ou não? Hoje, a chance de estar jogando seria muito pequena, estou com 36 anos. E no masters, pode ser que eu quisesse um tempo maior para descolar do tênis. O que sinto é uma necessidade ainda de estar na quadra, mas não tenho grandes intenções de voltar a jogar em competições. Até mesmo porque os jogos de exibição que fiz foram muito bacanas, e são suficientes para me nutrir. Hoje posso cuidar dos meus filhos e viver algo que sempre desejei. Sou um cara totalmente ligado à família, então imaginava um dia ter as crianças. No circuito, viajava muito e pensava: "Como montar uma equação que funcione?" E acho que acabou acontecendo num momento em que posso me dedicar a isso - explicou.
É natural que tivesse jogado algumas finais de Roland Garros contra o Nadal. Teria tirado uns títulos dele"
Gustavo Kuerten
Guga ainda deixa saudades. E sobre o atual momento do tênis mundial, ele vê três grandes nomes: Nadal, Federer e Djovokic. Na cabeça de todo brasileiro é inevitável não pensar que esse trio poderia ser, na verdade, um quarteto com Guga entre os grandes nomes.
- Acho que os três fazem um triângulo bem interessante. Um é sereno, o outro, gerreiro, e o outro é o meio termo, brincalhão. Quem é o melhor de todos os tempos? O Federer? Jogou 30 contra o Nadal e perdeu 20. Acho que não é justo o melhor daqui ou o melhor dali. Pelo emblema de títulos, todos vão ter recordes para todo lado. Nós temos o privilégio de ver jogos espetaculares.