Desde que a F1 se tornou um esporte de penetração mundial, principalmente a partir de 1970, com a transmissão das corridas, ao vivo, para nações no mundo dos cinco continentes, seus pilotos ganharam fama de heróis ainda maior do que já tinham. E suas conquistas ou despedidas da F1 foram marcadas por cerimônias que acabavam por revelar o respeito do meio e dos fãs a seus feitos.
Mas o que aconteceu desde que Felipe Massa anunciou, em Monza, que deixaria a competição, após 15 anos de atividade, criou um novo padrão de referência para as despedidas de seus profissionais. Nunca na história da F1 um piloto recebeu tanta demonstração de apreço e admiração como Massa nas últimas duas semanas, em Interlagos e no Circuito Yas Marina, seus GPs de número 240 e 250, os últimos.
Há um exemplo vivo ainda este ano. Jenson Button, inglês de 36 anos, campeão do mundo de 2009, piloto muito respeitado e cidadão sem desafetos na F1. Sua despedida seguiu o padrão normal de ações destinadas a homenageá-lo. Como Massa, encerra a carreira no GP de Abu Dhabi.
Button não teve equipes inteiras, durante uma corrida, aplaudindo-o, como fizeram com Massa em Interlagos. E tampouco a McLaren se mobilizou como a Williams para agradecer Massa por sua “inestimável contribuição” para o ressurgimento da escuderia a partir de 2014, a ponto de lhe oferecer o carro com que disputou o GP do Brasil este ano.
Quando receber a bandeirada neste domingo, ao final das 55 voltas da corrida, no caso de terminar a disputa, Massa talvez se lembre, nesse instante do adeus à F1, do momento em que começou a realizar o sonho de estar no grid da expressão máxima do automobilismo.
Nesse caso viria à sua mente o início de 2000, adolescente, ainda, 18 anos, época da mudança de São Paulo para Viareggio, na Itália, a fim de disputar a F Renault 2.0, com dinheiro para as seis primeiras etapas dos campeonatos italiano e europeu da categoria. E como já de cara mostrou ser talentoso, ganhou novos investidores e venceu os dois campeonatos. Ascendeu à F3000 europeia na temporada seguinte sendo, de novo, campeão, sempre no primeiro ano nesses eventos.
Jean Todt, diretor da Ferrari, ficou tão impressionado com sua velocidade que lhe ofereceu um contrato, o que o levou a estrear na F1 pela equipe Sauber já em 2002. Não sem antes, claro, aos 20 anos, fazer um teste no seletivo Circuito de Mugello, em setembro de 2001, e ratificar os dotes demonstrados nas competições anteriores. O hoje repórter do GloboEsporte.com estava lá.
Massa mostrou ter grande controle do carro, mesmo sendo bem mais rápido que o da F3000 que estava acostumado. O engenheiro do seu carro, o experiente Gianpaolo Dall'Ara, comentou ter ficado impressionado com a sensibilidade do piloto ao lhe repassar as reações do modelo C20-Ferrari, dos titulares Kimi Raikkonen e Nick Heidfeld. “Rodei algumas vezes no teste, mas é normal, estava descobrindo os limites. Não bati".
Peter Sauber havia feito o mesmo no ano anterior, realizar um teste, com um jovem finlandês egresso da F Renault 2.0, Kimi Raikkonen, e deu certo. Ao final do primeiro ano na Sauber, Raikkonen passou uma imagem tão positiva que a McLaren o contratou, garantindo a Peter Sauber a importante soma de US$ 20 milhões.
Massa parecia que seguiria o mesmo caminho, pois já na sua segunda corrida na F1, na Malásia, marcou seu primeiro ponto na F1 ao terminar a prova de Sepang na sexta colocação. Mas não foi bem isso o que aconteceu. No fim do ano Peter Sauber o dispensou. “Eu disputei um bom ano, era o meu primeiro, eu não tinha experiência alguma. Marquei pontos em outras duas ocasiões. Sempre fui rápido, mas bati o carro algumas vezes e Peter Sauber detestava isso”, disse Massa ao GloboEsporte.com.
Há males que vêm para bem. “Em 2003 trabalhei como piloto de testes da Ferrari numa época em que treinávamos muito. Estava ao lado de Michael Schumacher e Rubens Barrichello, dois excelentes pilotos em todos os sentidos. E numa equipe que te dá condições de aprender, crescer tecnicamente”, disse Massa.
O estágio valeu a pena. Peter Sauber o aceitou de volta nos dois anos seguintes, 2004 e 2005, onde amadureceu ainda mais para encarar o maior desafio da carreira até então, na temporada seguinte, 2006, quando Todt o chamou para substituir Barrichello como companheiro de Schumacher.
“Foi nesse ano que tive uma das maiores satisfações da minha vida. Eu venci o GP da Turquia, largando da pole, sem que nada de errado tivesse acontecido com Schumacher, uma referência máxima de performance para todos nós”, comenta Massa. “Ele próprio veio me cumprimentar e perguntou de onde vinha tanta velocidade”, lembra o piloto. “A primeira vitória não esquecemos nunca, assim como as duas que consegui em Interlagos, 2006 e 2008, eternamente no meu coração”.
No fim do ano Schumacher se despediu das pistas, e a Ferrari contratou Raikkonen. Apesar da sensível evolução de Massa no quesito regularidade, uma das áreas que mais precisava crescer, o finlandês se deu melhor ao marcar 110 pontos, diante de 94 de Massa, e conquistou o título. “Ele veio me agradecer, em Interlagos (última etapa), por eu deixá-lo me ultrapassar, quando eu era líder, a fim de ganhar a corrida e o campeonato.”
A melhor temporada de Massa na F1 foi a de 2008. O mais curioso é que seu início de ano chegou a sugerir que a Ferrari poderia até mesmo dispensá-lo depois de encerrada a disputa. Na segunda etapa, na Malásia, errou sozinho depois de largar na pole position. Mas aquele GP parece ter sido um divisor de águas. Massa estabeleceu mais cinco pole positions, ganhou seis corridas e tornou-se sério candidato ao título.
“Não veio por causa do que aconteceu em Cingapura, um resultado artificial”, lembra Massa, até hoje inconformado com o ocorrido. Nelsinho Piquet, da Renault, bateu de propósito para o safety car entrar na pista e favorecer a estratégia de Fernando Alonso, seu companheiro, o vencedor. Massa era o líder àquela altura da corrida e, no pit stop durante o safety car, os mecânicos erraram e liberaram Massa antes de o reabastecimento haver terminado. Deixou os boxes com a mangueira conectada ao bocal do tanque e terminou fora dos pontos.
No GP do Brasil, com a emocionante vitória, Massa atingiu 97 pontos. Hamilton, porém, na última curva, Junção, na última volta, 71ª, ultrapassou o alemão Timo Glock, da Toyota, e com o quinto lugar somou, no total, 98 pontos, garantindo o título por um ponto.
“Quando eu penso que sem aquela sacanagem do acidente mentiroso eu teria provavelmente feito pontos e vencido o campeonato, ainda hoje não compreendo muito bem”, diz o piloto.
Em 2009, todas as equipes que optaram por projetar seus carros com o sistema de recuperação de energia cinética, novidade na F1, a Ferrari de Massa, Renault, McLaren e BMW-Sauber, não foram bem. Além disso, Massa sofreu o mais sério acidente da carreira, ao ser atingido por uma mola do Brawn GP de Barrichello na classificação do GP da Hungria, impossibilitando-o de terminar a temporada. “Felizmente não tive sequelas".
De 2010 a 2013 Massa viveu o período mais difícil na F1, apesar de seguir na Ferrari. O motivo foi a chegada de Fernando Alonso. Antes Massa era o líder do grupo, dava as diretrizes, sua autoconfiança estava bastante elevada, todos o ouviam. Alonso desembarcou e impôs seu estilo, com a anuência da Ferrari: tudo teria de gravitar ao seu redor.
O moral de Massa caiu bastante; desprestigiado, deixou de produzir como antes. “Talvez eu não devesse ter sido tão bom com as pessoas como fui”, diz. No fim de 2013 sabia que não seguiria na Ferrari, de uma maneira ou de outra. “Eu não aguentava mais, perdi o interesse, estava desestimulado".
O convite da Williams veio no melhor momento. “Voltei a ser ouvido, respeitado e os resultados reapareceram. E foi bom para a Williams também. Havia marcado 5 pontos em 2013 e no seguinte, o meu primeiro lá, eu e o Valtteri (Bottas) somamos 320. A Williams subiu de nona para o terceiro lugar. Meu prazer estava de volta. Posso dizer que tive três anos maravilhosos na Williams, apesar de ter chegado apenas perto da vitória e não ter vencido.”
Do GP da Austrália de 2002 ao do Brasil de 2016, Massa disputou 249 GPs. Venceu 11, largou na pole 16 vezes e chegou no pódio em 41 ocasiões. No Mundial foi vice-campeão em 2008, terceiro em 2006 e quarto em 2007.
“Agora ainda não sei o que farei. O certo é que irei disputar algum campeonato, mas numa categoria que me permita ter vida familiar e sobrar um tempo para cuidar dos meus negócios”, explicou o piloto.