Dunga chegou à sala de imprensa do CT do Internacional para conceder a entrevista e passou cerca de dois minutos atento a mensagens em seu telefone celular. Sentou-se ao lado do repórter sem cumprimentá-lo e, nas primeiras respostas, nem sequer olhava em seus olhos. Depois de 40 minutos, mais do que o prazo que havia estipulado, estava mais relaxado na cadeira, sorridente e batendo papo.
Isso revela uma das características de Dunga: ele é desconfiado. Principalmente com jornalistas. Outros traços de sua personalidade são facilmente identificados em frases e palavras-chave usadas durante a conversa: regras, postura, conduta, moral, ética, trabalho, respeito, hierarquia... Ele também é certinho. Quase militar.
A imagem de homem bravo não é totalmente verdadeira. É o que garante o treinador colorado. O rótulo rendeu uma hilária sequência de vídeos na época da Copa do Mundo de 2010, na África do Sul, quando comandava a seleção brasileira. As inúmeras e ríspidas discussões com jornalistas inspiraram uma sátira do filme ?Um dia de fúria?, em que o ator Michael Douglas, dublado como se fosse Dunga, destilava sua ira contra imprensa e adversários. Até o atacante Robinho virou personagem. Engana-se quem pensa que a brincadeira deixou o técnico irritado.
- Passei os vídeos para os jogadores na Copa. Achei graça, foi muito bem montado, bem feito. Foi o momento de dar uma relaxada, todo mundo deu risada, e também para mostrar como as pessoas enxergam de fora, sem conviverem diretamente comigo. Criaram essa imagem que estou sempre invocado, não é assim.
A verdade é que Dunga não se preocupa em fazer agrado aos que não trabalham com ele. Por outro lado, defende seus parceiros com unhas e dentes, sem medir esforços. Ao lado deles, joga futebol, se diverte e até conta piadas, embora diga que não possui tanto talento para fazer as pessoas rirem. A explicação para o comportamento tão distinto é simples:
- Quem trabalha comigo resolve meus problemas. Os outros só vão me criar mais.
É dessa forma que o capitão do tetracampeonato da seleção brasileira, em 1994 nos Estados Unidos, tenta conquistar a todos no Inter. Com transparência e ?regras de convívio?. Após dois meses de trabalho, Dunga está na fase inicial: entender como pensa cada jogador, e como deve lidar com cada um deles. Em seus times, cobrança vai existir sempre, mas de maneiras diferentes.
Alguns são pressionados com mais ênfase, voz dura. Com outros, o técnico acha que funciona melhor uma ironia fina, quase em tom de brincadeira. Mas de uma coisa ele não abre mão: falar a verdade, por mais incômoda que seja.
- As pessoas têm de aprender a confiar em ti. Elas vão ouvir coisas de que não gostam, mas saberão que você está falando a verdade.
Entre as ?regras de convívio? estipuladas por Dunga no Colorado estão: fazer com que todos se sintam importantes e promover momentos de união. As refeições, por exemplo. Algo que ele carrega desde os oito anos de idade, quando limpava e lustrava a casa, arrumava as camas, comprava comida... O pai trabalhava, a irmã estudava, e a mãe fazia as duas coisas. O almoço e o jantar eram os únicos instantes de família reunida.
Nos dois anos e meio em que ficou sem trabalhar no futebol, depois da derrota para a Holanda nas quartas de final da Copa de 2010, Dunga se dedicou à família, aos investimentos e a obras sociais. Ele está prestes a finalizar uma casa para pessoas com síndrome de Down e tem projetos destinados a crianças, idosos e moradores de rua. Nesse período, recebeu convites sedutores. No primeiro ano, clubes europeus lhe ofereceram um bom dinheiro, mas não estava em seus planos largar a família. Depois, outros brasileiros, como o São Paulo, o procuraram. E Dunga usa uma comparação inusitada para explicar por que não aceitou.
- Eu queria ter convicção de que o clube queria aquilo, que não estava me chamando porque a torcida ou a imprensa falavam. Tinham de querer um técnico com o meu perfil de atacar logo e resolver os problemas, tomar atitudes. É como o alcoólatra, que sabe que precisa de ajuda, mas no fundo não quer. Será que os clubes realmente queriam aquelas mudanças?
Outra lembrança que o comandante traz da infância é o momento sagrado de hastear a bandeira e cantar o hino nacional, às segundas-feiras, na escola. Desde os berros e a taça do mundo erguida com a camisa 8 na Copa de 1994 até o discurso nacionalista, em que pregava o amor à Seleção, quando se tornou técnico, Dunga sempre fortaleceu a imagem de patriota nato. Se quiser irritá-lo, basta menosprezar um símbolo do Brasil.
O gaúcho acha uma bobagem, por exemplo, a lei que determina a execução do hino antes de cada jogo de futebol. Para ele, é marketing, e seria mais importante investir no patriotismo das crianças. Apesar da postura quase militar, Dunga não serviu o exército, mas lamenta a banalização da instituição.
- Já vou ser polêmico, né, mas antigamente os jovens com uma conduta errada iam para o exército e voltavam diferentes. Depois de alguns episódios, marcamos o exército como se fosse todo ruim, mas deve ter coisas boas: disciplina, hierarquia, conduta. Hoje em dia, o cara ter moral e caráter é exceção.
Dunga é um homem de opiniões firmes. Mano Menezes e os ?craques? da atualidade que o digam. Num camarote do carnaval no Rio de Janeiro, o ex-comandante disse que a Seleção não tinha definições, e agora, com Felipão, tem um rumo. Durante a entrevista, ele reforçou a crítica a Mano:
- Em uma seleção com 12 goleiros e dez atacantes, não pode ter uma definição. Todos pensam isso, mas têm medo de falar. Se tu vai concordar com o Felipão é outra coisa, mas ele tem convicção.
A banalização do termo ?craque? também o enlouquece. Ele acha que a geração atual de atletas, coberta de mimos e cuidados, não é capaz de enfrentar grandes dificuldades, reflexo do que ocorre com a juventude na sociedade. Para receber de Dunga o rótulo de craque, é preciso ostentar currículo invejável. Currículo que Neymar, por exemplo, ainda não tem.
- Tem de jogar bem por três ou quatro anos no Campeonato Brasileiro, depois jogar bem na Seleção e ganhar. Tem de ter o nome formado e ganhar. Tem que ganhar!
Inspirado em técnicos como Jair Pereira, Sebastião Lazaroni, Parreira, Zagallo, Jair Picerni, Felipão e Sven-Goran Eriksson, Dunga garante ter sido muito feliz na Seleção. Ele só não era feliz quando se sentava na cadeira para dar entrevistas. Sua maior bronca é com jornalistas que não aceitavam opiniões contrárias, e com os que, à distância, palpitavam sobre o time.
O confronto era tão aberto que o técnico passou a fazer pesquisas e se informar para, se fosse preciso, contestar os repórteres com fatos. Foi o que ocorreu quando foi questionado sobre a ausência do atacante Nilmar da convocação, e, sem muito tato, respondeu que o jogador havia passado por uma cirurgia na véspera. O que é um bom jornalista para Dunga?
- É aquele que dá notícia. Muitos fomentam, inventam, dão a notícia do amigo, dão a notícia contrária porque não ganharam uma entrevista, criam a todo instante, sabem a verdade, mas não escrevem porque não vende. Na Seleção tem muito disso.
Muito mais simpático do que em sua chegada à sala, Dunga avisou que precisava trabalhar. Soa esquisito, mas esse é o primeiro clube de futebol que ele treina. Ao contrário da seleção brasileira, em que tinha tempo para avaliar decisões e ter uma margem de erro menor, no Internacional o desgaste é ampliado. Dunga cuida de tudo para garantir que, no campo, nada atrapalhe seu grupo. E domingo tem Gre-Nal, às 16h em Caxias do Sul, válido pelas quartas de final da Taça Piratini.
Sempre se dizendo apoiado em regras, postura, conduta, moral, ética, trabalho, respeito, hierarquia... Esse será o roteiro do Colorado em 2013.