Censura: uso de poder por estado ou grupo no sentido de controlar ou impedir a liberdade de expressão. No caso de Diguinho, a censura é própria, pautada em um silêncio que por vezes dura meses diante dos microfones. Sem limites em campo na busca pelas vitórias, fora dele as palavras são escassas e pensadas, fruto de pancadas recebidas por seu estilo espontâneo de viver. Defesa da qual o volante se despiu na última terça-feira, quando encarou o gravador e câmera fotográfica para falar da proximidade do primeiro título nacional com a camisa do Fluminense. Mas, acima de tudo, para falar de Rodrigo Oliveira de Bittencourt: um ?cariúcho?, como se definiu, que deixou Canoas (RS) para se sentir em casa no Rio de Janeiro.
Incansável nas quatro linhas, o camisa 8 tricolor tem papel fundamental na equipe de Muricy Ramalho, que decide o título do Brasileirão no próximo domingo, às 17h (de Brasília), no Engenhão. Tão fundamental que desde que retornou de uma torção no tornozelo esquerdo só viu o Flu deixar o campo ?derrotado? após um tempo: os 45 minutos iniciais do empate por 1 a 1 com o Goiás, pela 35ª rodada ? entrou em campo no intervalo.
A regularidade apresentada com a bola nos pés desde os tempos de Botafogo, porém, são deixadas de lado por quem prefere falar da maneira com a qual Diguinho vive no Rio de Janeiro. Aos 27 anos, vira e mexe é apontado como um jogador que gosta da vida noturna. Fama que ele não nega, mas rebate com firmeza e argumentos:
- Todo mundo tem o direito de ir e vir. Preciso também dispersar a cabeça, porque a batida é grande de concentração, treinos. Dou a vida em campo. Se quero sair, tenho que me garantir. Vão dizer que viram o Diguinho na rua, bebendo uma cerveja, mas podem ir no treino seguinte que vão me ver correndo e trabalhando como os que não saem.
E realmente, em quase dois anos de Laranjeiras, o volante não tem nem um ?X? no livro de faltas. Como um skatista e surfistinha, como o próprio define, Diguinho bate o ponto na hora marcada por Muricy Ramalho, desfilando o estilo despojado que o transformou em um dos mais extrovertidos do elenco. Ao lado de Fernando Henrique e Marquinho, é responsável pelos apelidos e brincadeiras em viagens e concentrações. Perfil que contrasta com uma história que inclui agressão de torcedor, uma tuberculose que quase o fez abandonar o futebol e um episódio que até hoje é capaz de abalar sua estrutura: a morte do irmão Vagner, em acidente de moto, em 2007.
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Com seis tatuagens, brincos nas duas orelhas, piercing na língua e estilo próprio, Diguinho se soltou, chorou, sorriu, explicou a própria vaidade, admitiu sonhar com a Seleção Brasileira e falou da ansiedade de levantar no próximo domingo o troféu do campeonato mais importante do país: com vocês, Diguinho. Sem censura.
Você é um cara que está há algum tempo no Rio e criou uma identificação grande nos tempos de Botafogo, onde sua passagem ficou marcada também por alguns vices, frustrações... Agora, no Flu, você está prestes a ser campeão do maior campeonato do país. Como está a ansiedade por, enfim, deixar o ?quase? para trás?
A ansiedade existe, não tem como esconder. Todo mundo que acompanha e torce sente isso. Além de tudo há a motivação para sair do quase, parar de bater na trave. Mas é bom viver isso tudo, o dia a dia, esse momento. Até por tudo que vivemos no ano passado. Devemos aproveitar cada minuto, sugar o máximo de energia boa. Já sofremos bastante e esperamos concretizar esse momento bom. Temos trabalhado muito e a expectativa é a melhor possível.
Nessa semana que antecede a decisão, você tem pensado muito em todos os títulos que já deixou escapar?
Procuro esquecer as coisas negativas, as vezes em que tentei e não deu. Deixo de lado. São coisas que não vão me fortalecer. Penso na família, nas pessoas que estão comigo, no quanto trabalhei... Só coisas boas. Esse é o foco. O que passou, passou.
Você tem ideia de que o Diguinho, que por muito tempo foi o ?Diguinho do Botafogo?, pode passar a ser o ?Diguinho do Fluminense? definitivamente com esse título? Já pensou no quão histórica será essa conquista para o clube?
Desde que cheguei sempre falei isso. Na minha apresentação, disse que não seria mais um e que tinha chegado para fazer história. O Fluminense fez muita força para me contratar e isso me marcou. Foi um clube que demonstrou mais interesse, mostrou vontade e não cheguei para defender as cores só por defender. Quero fazer ainda mais história nesse clube de tradição, camisa e com uma torcida gigante. Espero cumprir meus próximos dois anos de contrato e sempre com coisas boas.
Fala-se muito na arrancada do time que saiu de 99% de risco de rebaixamento para a situação atual, próximo de um título. Mas você diria que sua arrancada começou até antes, no episódio em que teve que superar uma tuberculose para continuar jogando? Como você recebeu a notícia da doença no ano passado?
No primeiro instante, fique bem chocado. Via as pessoas conversando baixo, sem querer falar sobre o assunto na minha frente, e vi que era sério mesmo, que podia até ter que parar de jogar. Via a preocupação de pai, mãe, amigos, e pensava comigo mesmo: ?Sou muito novo ainda, tenho uma família, pessoas que dependem de mim, e não posso me entregar?. Segui a regra tudo que o médico falou, que se fizesse tais coisas voltaria ou, não se fizesse, teria que parar e poderia até morrer. Levei a sério, fiz tudo certinho e pude provar para mim e para quem duvidada que era capaz. Tive que ser uma cara regrado, eram oito remédios por dia. Foi bem complicado. Para caminhar até a frente de casa já sentia falta de ar. Foi f...! Mas pude voltar no topo, em jogos fundamentais no fim do ano passado, naquela arrancadinha. Teve o dedo de Papai do Céu. Voltei bem, salvamos o rebaixamento e ganhei o ano. Agora, tudo o que está acontecendo é fruto do que plantamos. Estamos conseguindo algo histórico. E só nós mesmos acreditamos desde o início. Esse é o momento da glória.
Outro episódio que não tem como não lembrar foi o da agressão de que você recebeu de um torcedor no ano passado. Sabemos que futebol envolve muito fanatismo, até que ponto você ficou com medo depois daquilo e de que forma superou a desconfiança para ser aplaudido por quem o agrediu?
Conheço o meu potencial, sei até onde posso chegar. Eu sabia que aquilo ali era resultado de uma cobrança imediata. Cheguei como reforço de peso após ir bem no Botafogo e não rendi o esperado no começo. É preciso um tempo para se adaptar. Tudo muda. Torcida, diretoria, ambiente... Faltou tempo. No dia da briga, estava voltando de doença e rolou muita pressão. Mas soube suportar e dar a volta por cima. Hoje torcedores me encontram na rua e falam que sempre acreditaram em mim, dizem que o cara me agredir foi um erro. Mas também já fui torcedor e sei como é a paixão. Não tenho mágoa nem o que falar. Atualmente, gritam meu nome, aceno... É um episódio passado, que procuro deixar de lado.
Gostaria que você falasse um pouco desse seu estilo. Se você visse o Diguinho caminhando pelo calçadão, de bermuda, cabelo grande e loiro, tatuado. O que diria?
Diria que era um modelo, né? (gargalhadas). Sou um cara simples. As pessoas às vezes confundem. Quem me conhece sabe que sou puro. Até fico meio assim de falar, mas sou assim. Não gosto de puxar muita conversa, mas quando conheço a pessoa falo bastante. Sei ser amigo, um cara de coração aberto. Me vendo na rua até podem achar também que sou um surfista (risos). Sou mais humilde do que marrento.
Por falar em surfista, você já se arriscou no mar?
Já me arrisquei, mas não dá para mim, não. É melhor deixar para quem tem o talento. Meu lugar é mais dentro de campo mesmo. Até porque não temos tido tempo para isso. Quem sabe depois, nas folgas, tento de novo. Mas prefiro mesmo jogar um futevôlei, tomar um solzinho, olhar outras coisas boas que existem na praia... (risos).
E como você lida com a vaidade? Dá para perceber que você gosta de ser vestir bem, cuida do cabelo...
Sou um cara vaidoso, que se cuida. Cuido do cabelo, do corpo, uso perfumes, cremes, relógios, acessórios, anéis, brincos, correntes... Gosto de combinar camisa com bermuda, tênis maneiro, bonezinho para dar uma diferenciada. É uma maneira de se cuidar. Vamos envelhecendo e acabando. Tem que se manter.
É ligado em moda também?
Procuro fazer mais a minha moda. Tipo skatista, surfistinha... Estou sempre de bermuda, com um tênis baixinho, algo mais leve. Não gosto de usar calça. Quando eu uso, é porque é forçado. Gosto de ficar à vontade.
Mas se for para colocar aquele terno no dia 6 de dezembro (no Prêmio Craque do Brasileirão) para buscar o troféu de campeão vale a pena...
Aí, sim. Se tiver que ir, com certeza. Coloco até dois (risos). Vai ser bom demais. Essa é a melhor ocasião. Aí, não ligo se estou de terno, sapato apertado... Para comemorar, tiramos de letra.
E estilo musical: qual o gosto do Diguinho?
Curto de tudo. Pagode, funk por estar no Rio e também sertanejo. É bom para ouvir em casa com os amigos. Gosto da cultura brasileira.
Há alguma música ou estilo que você ouça no vestiário, na concentração...
Depende muito do dia. Concentro muito com o Marquinho e quem acorda primeiro coloca o som. O outro respeita, escuta. Tem dia que é bom colocar algo mais leve para dar uma acalmada. Já nesta reta final, é bom algo mais agitado, tipo um rap, para entrar no clima do jogo mesmo. Em decisões, com muita torcida, é bom para dar energia, colocar no embalo.
Você falou do Marquinho e é nítido que vocês têm uma amizade muito forte, o que é marca desse grupo. Diria que essa boa relação que começou lá atrás, na arrancada, é o grande diferencial do elenco atual?
Do ano passado para cá, não tivemos diferenças, problemas. Desde quando estávamos na beira do poço para ser rebaixado e agora para ser campeão. Não há vaidade, não falamos um do outro, sobre um que comprou carro ou que ganha mais. Isso não existe. Independentemente de ter Fred, Deco, Belletti, que ganham acima e são consagrados, todos são tratados da mesma maneira. Não só pelos jogadores como pela rouparia, comissão técnica. Já trabalhei em outros lugares e há tratamentos diferentes, cada um tem seu jeito de ser, mas dentro do grupo, dentro do vestiário, não há deslealdade. Isso faz a diferença. A relação é muito boa. Até mesmo de folga, sinto falta deles. Ligamos um para o outro para sair para jantar, ir para praia, estar junto. No futebol, fazemos muitos colegas e poucas amizades. Com esse grupo conquistei muitos amigos. Marcou.
Você tem muitas tatuagens. Quantas são? Conte a história de cada uma delas?
Tenho seis tatuagens. Todas com explicação. A primeira foi um agradecimento (Deus é fiel). A segunda foi meio na moda, fiz um peixe por conta do meu signo. Fiz outras em homenagem ao meu pai e outra para minha mãe. Há também uma que é o símbolo da amizade que tenho com todas as pessoas que andam comigo. Mais uns 10, 15 usam, como pessoas que moravam comigo na época do Botafogo: o Thiago Marin, o Nélio e o Julio Cesar, goleiro. Marcamos essa nossa amizade. E uma outra que é em homenagem ao meu irmão, que fiz quando ele faleceu. Fiz uma lua, pois o apelido dele era Da Lua, e o capacete, pois aconteceu em um acidente de moto. Vem mais por aí, minha filha está para nascer.
Você falou do seu irmão e na época em que ele sofreu o acidente você ficou bastante abalado, deixou transparecer bastante esse sentimento. De que forma encara a perda dele hoje? É uma inspiração para tudo que você faz?
É difícil até de falar...(Diguinho para e chora bastante). A lembrança que vem é de uma pessoa que estava sempre comigo, incentivando. Era um ídolo, assim como é o nosso pai. É um cara do dia a dia, que estava sempre do meu lado. Tudo que um fazia, o outro estava junto. Sempre me apoiou nas dificuldades da minha trajetória, me ajudou. Cada vez que abaixo a cabeça para rezar, para agradecer, peço a proteção dele. As lembranças são sempre boas. Não tem como esquecer.
E sobre Seleção Brasileira? Quais seus planos? Desde os tempos do Botafogo cogita-se seu nome, mas nunca aconteceu. Acha que agora, com o time prestes a ser campeão e a renovação do Mano, chegou a hora?
Eu acredito nisso. Acredito porque venho em uma crescente boa e acredito na oportunidade. Meu nome é citado não de hoje, mas desde os tempos de Botafogo. Ano passado realizamos aquela campanha, agora brigamos pelo título, e é questão de trabalho. Tenho que confiar. Não depende só de mim, mas não posso desistir. Não penso que não dá. Nem cogito as coisas que não podem acontecer. Tenho que pensar positivo. Sei da renovação e vou continuar fazendo meu trabalho. O sonho é esse, desde a infância. Seria o auge da minha carreira.
Quais dificuldades você enfrentou no início da carreira? Como foi sua caminhada do Rio Grande do Sul até o Botafogo?
No Sul não têm muito a cultura de contratar, gostam de investir no garoto desde jovem. Por ser pequeno, fraquinho, eu batia nos clubes e voltava. Meu pai era gremista doente, me levava ao Olímpico e me mandavam para casa, diziam que eu ia me machucar. Foi algo que doeu muito em mim por causa do meu pai. Ele nunca me deixou desistir. Até que voltei para escolinha da minha cidade, passei pelo Inter e conheci meu empresário (Jorge Machado), que me levou para o Cruzeirinho de Porto Alegre. Lá joguei com o (Rafael) Sóbis, o Michel Bastos... Depois passei pela Ulbra, da minha cidade, no juniores, e fui para o Mogi. Foi de onde fui para o Botafogo. Hoje fico feliz por lembrar isso e ver que, antes de vir para o Flu, Grêmio e Inter me queriam. Meu pai até brinca com essa situação. É uma motivação a mais.
Isso tudo fez com que você compensasse a falta de estrutura física com a disposição e fôlego que tem em campo?
Eu sabia que precisava ter um diferencial. Sou pequeno, não sou forte e pensei: vou ter que correr e ser habilidoso. Treinava bastante em casa e isso me ajudou. Sei que é difícil ter um cara que marca e joga na minha posição, e quem faz isso se destaca. Foi onde procurei me especializar.
Você falou sobre a cultura gaúcha, mas é muito identificado com o Rio. Diria que hoje é mais gaúcho ou carioca?
Um pouco de cada. Sou de lá, mas tenho muitos amigos aqui. Sou um ?cariúcho? para te falar a verdade. Ainda vou bastante para minha cidade, pois gosto muito de lá, vou visitar meus amigos, mas já estou acostumado com o Rio, com o calor. E trouxe todo mundo do Sul para viver esse momento agora. São pessoas que estão comigo nas horas boas e ruins.
Por fim, sempre te acusaram muito de ser um jogador envolvido com a noite, de ser um cara que gosta de curtir, que bebe. Como você encara isso tudo? O que tem de verdade?
As críticas, eu encaro dentro de campo. Às vezes, as pessoas falam demais. A verdade é que saí do Mogi-Mirim ganhando R$ 1 mil, R$ 2 mil, e cheguei ao Rio ganhando bem mais. A pessoa acaba conversando com um e outro, e procura ter a cabeça no lugar. Sempre fiz muitas coisas, mas sempre bem pensado. Vou sair hoje? Vou. Mas amanhã vou estar no treino correndo. No jogo, não interessa se saí, se estou cansado, dane-se, vou correr, dar a vida. Ali é o meu ganha pão, a minha vida. Então, eu saio mesmo quando tem que sair, me divirto, sou novo, estou aproveitando a vida. Não sou ligado em bens materiais, isso a pessoa vai morrer e deixar tudo. Quando tem que aproveitar, aproveito mesmo, mas me garanto em campo. Não tenho histórico de machucar, faltar treino, pedir para sair por estar cansado... Nunca vou deixar que isso aconteça. Se quero sair, tenho que me garantir. Vão dizer que viram o Diguinho na rua, bebendo uma cerveja, mas podem ir no treino seguinte que vão me ver correndo e trabalhando como os que não saem. Não é algo indevido, não há mal nenhum. Todo mundo tem o direito de ir e vir. Preciso também dispersar a cabeça, porque a batida é grande de concentração, treinos. É tudo bem pensado. Dou a vida em campo.