Dez anos depois, o cenário é o mesmo. Na véspera do jogo que pode determinar a queda do Palmeiras para a Série B, neste domingo, contra o Flamengo, em Volta Redonda, o clube alviverde completa uma década do capítulo mais triste de sua história. Foi em um 17 de novembro, mas em 2002. A campanha ruim no Campeonato Brasileiro daquele ano teve um fim melancólico após a derrota por 4 a 3 para o Vitória, em Salvador. Choro, vergonha e indignação que podem se repetir dez anos e um dia depois, caso os resultados não ajudem o Verdão.
Desta vez, o Palmeiras teve (e ainda tem) aquilo que os principais envolvidos no primeiro rebaixamento lamentam: tempo para tentar se organizar e sair do buraco. Foram apenas 27 rodadas de competição, contra as 38 atuais ? foi a última edição antes da adoção dos pontos corridos. A queda foi decretada com seis vitórias, nove empates e dez derrotas. Muito pouco, ainda mais para um time que não se achava tão ruim assim.
No papel, não era mesmo. É só ter atenção à escalação daquele fatídico jogo contra o Vitória: Sergio, Arce, Alexandre, César e Rubens Cardoso; Paulo Assunção, Flávio, Zinho e Juninho; Muñoz e Itamar. Sem contar Léo Moura, Lopes e Nenê, que entraram no segundo tempo. No entanto, problemas ao longo da campanha minaram a capacidade do elenco.
Logo após o primeiro jogo da campanha, o time perdeu o técnico Vanderlei Luxemburgo, que aceitou proposta maior do Cruzeiro ? onde seria campeão brasileiro no ano seguinte.
Paulo César Gusmão comandou o time por uma rodada, e depois a diretoria contratou Flávio Teixeira, o Murtosa, mais conhecido por ser auxiliar do técnico Luiz Felipe Scolari.
Foram apenas quatro jogos de experiência, com uma vitória e três derrotas. A passagem sem brilho terminou com um 5 a 1 diante do Paraná Clube, em Curitiba. Karmino Colombini comandou um jogo de forma interina, e Levir Culpi encerrou a campanha com 18 jogos: cinco vitórias, seis empates e sete derrotas.
A reportagem entrou em contato com quatro jogadores daquela campanha, que detectaram no time atual os mesmos erros do passado. Apenas o atacante Nenê não quis se pronunciar sobre o período difícil no Palmeiras. O lateral-direito Léo Moura acredita que o time de dez anos atrás tinha mais chances de se salvar. O ex-goleiro Sergio e o ex-zagueiro César criticaram o relaxamento pós-conquista da Copa do Brasil.
? O principal erro que cometemos daquela vez é o mesmo de hoje. Empurramos com a barriga, deixamos acontecer, e fomos nos preocupar só no fim. Quando fomos jogar contra o Vitória, a situação já estava muito difícil. Mesmo assim, dependíamos só de nós. Mas a queda foi culpa do que fizemos durante o campeonato todo ? relembrou César, hoje dirigente no Monte Azul, do interior de São Paulo.
A situação daquele Palmeiras era mais ?confortável?, se é que é possível utilizar um adjetivo tão leve. O time chegou à última rodada na 17ª colocação, com os mesmos 27 pontos de Paraná, Bahia e Portuguesa ? sendo que os dois últimos se enfrentavam na rodada final. Uma vitória simples livraria a equipe então treinada por Levir Culpi. Léo Moura reconhece que o time de hoje terá dificuldades bem maiores.
? O clima não era de tranquilidade, mas ao menos era uma situação que dependia mais do próprio Palmeiras que dos outros. Quando você joga dependendo de outras equipes, não é fácil ? ressaltou o lateral, hoje no Flamengo.
O drama
Em campo, porém, o Palmeiras ficou nervoso desde o início, ainda mais quando sofreu gol de Allan Dellon, aos três minutos. Flávio empatou na sequência, mas Aristizábal deixou o Vitória à frente no primeiro tempo: 2 a 1. Os alviverdes foram preocupados para o vestiário.
? Estávamos jogando bem, lembro que o Levir falou que devíamos atacar sem medo. Voltamos muito confiantes para o segundo tempo ? disse César.
Não deu outra. Logo no início, Nenê empatou novamente para o Palmeiras. O problema é que, a essa altura, o resultado não resolvia a vida de ninguém. O desespero tomou conta, e aí a tragédia tomou forma. Zé Roberto e André Neles abriram vantagem de dois gols para o Vitória, já aos 40 da segunda etapa. Na arquibancada, pequenos palmeirenses já choravam, consolados pelos mais velhos. Arce, de pênalti, ainda diminuiu o placar. Nada que mudasse o fim da triste história.
Em campo, lágrimas generalizadas. César escondeu o rosto com a camisa, Alexandre, perplexo, dizia não ter dimensão real do que estava acontecendo. Cabisbaixos, Muñoz e Rubens Cardoso deram entrevistas que pouco esclareceram. Levir Culpi assumiu total responsabilidade pela queda, mesmo sendo o quinto técnico da campanha. E Sergio, um dos mais identificados com o clube, não conseguiu dormir.
? Foi triste para mim, como se eu tivesse perdido um ente querido. Eu tinha 17 anos de clube e fiquei marcado em uma situação negativa dessas. Fui dormir às 3h, 4h da manhã, pensando no jogo, na torcida... Me coloco no lugar dos jogadores de hoje, sei o que eles estão passando. Tem de tirar lições, aquele rebaixamento serviu como exemplo. Depois daquilo, conseguimos muitas vitórias e conquistas ? afirmou Sergio, hoje aposentado.
Quem estava no jogo tem a sensação de que pouca coisa mudou até hoje, principalmente fora de campo. Pressão de diretores, brigas entre conselheiros e a efervescente política alviverde respingaram no futebol. As derrotas começaram a aparecer, e o elenco só foi se preocupar no final.
? Aquele time era melhor que o de hoje, mas não tivemos a oportunidade de poder jogar um segundo turno, foi o rebaixamento direto. Se tivessemos mais um turno para pensar e reestruturar, teríamos saído dessa situação. Hoje o Palmeiras teve isso, mas não aproveitou. Acho que não aprenderam com o erro. Agora só resta torcer ? lamentou Sergio.
Torcer é a palavra certa. Não só pelo Palmeiras, que precisa vencer os três jogos restantes do Campeonato Brasileiro se quiser ter alguma esperança de fuga da degola, mas também pelos rivais Sport, Portuguesa e Bahia. Só com os tropeços dos adversários é que o Verdão terá uma mínima chance de repetir o mau momento de dez anos atrás.