Como era de se esperar, foi suado, sofrido, dramático. De todo mundo que entrou em quadra nesta terça-feira, só dois não arredaram o pé em nenhum momento: o equilíbrio e a tensão. De branco, a Argentina tentava deixar para trás as oitavas de final e avançar numa estrada que conhece tão bem. De verde, o Brasil agarrou a esperança à unha e encarou o gigante em pé de igualdade. Quando a última sirene tocou, no entanto, ficamos no quase. Mais uma vez, o final feliz foi cortado do filme. A derrota por 93 a 89 no ginásio Sinan Erdem, em Istambul, manda a seleção de Rubén Magnano de volta para casa e encerra o sonho de ficar entre os oito melhores do mundo.
Após os abraços efusivos no canto da quadra e a vibração intensa com os torcedores, os argentinos avançam para enfrentar nas quartas de final a Lituânia, que eliminou a China no primeiro jogo de terça-feira. Quem vencer o confronto encara Estados Unidos ou Rússia nas semis. Os outros duelos das quartas são Espanha x Sérvia e Turquia x Eslovênia.
O que todos temiam aconteceu: Luis Scola teve sua melhor atuação no Mundial e, com 37 pontos, derrubou os vizinhos sem piedade. Carlos Delfino cumpriu seu papel de escudeiro, com 20. Os torcedores argentinos, em maior número no ginásio, saíram festejando, cantando, vibrando, orgulhosos de uma seleção acostumada aos triunfos.
- O Brasil tem um timaço. Foi uma das minhas melhores partidas, e foi muito boa para os torcedores, mas não para os jogadores (risos). Sempre encaramos o jogo desta maneira. Gosto do Brasil e da equipe que eles têm. Respeito muito os jogadores, que fizeram um grande torneio e uma grande partida. Gostaria de ter jogado contra eles mais adiante, nas semifinais ? afirmou em entrevista ao SporTV o ala-pivô Scola, herói da Argentina no jogo e no Mundial até agora.
Pelo lado brasileiro, Marcelinho Huertas teve uma das melhores performances de sua carreira, com 32. Deixou a quadra chorando, com uma toalha no rosto. Leandrinho ainda fez 20, mas errou bolas importantes no quarto período e não conseguiu evitar a eliminação. Tiago Splitter, que começou no banco e fez apenas 10 pontos, lamentou a eliminação e tentou ver o lado positivo:
- Hoje não tive uma boa atuação, acontece. A gente perdeu jogos muito apertados contra Estados Unidos, Eslovênia e Argentina. O que a gente pode tirar de positivo? Que o grupo está no caminho certo, falta muito pouco. A gente espera dar a volta por cima ? disse Tiago Splitter, já pensando no Pré-Olímpico de 2011, na casa dos argentinos, em Mar Del Plata, valendo duas vagas para Londres-2012.
No último Mundial, o Brasil sequer se classificou para a segunda fase e terminou em 17º. Desta vez, a classificação veio, mas a derrota para a Eslovênia na primeira fase antecipou o cruzamento com a Argentina. E aí sofremos a quarta derrota para eles em cinco confrontos de Mundial.
Splitter começa no banco
Rubén Magnano não deixou de olhar para sua bandeira, não deixou de dar um abraço fraterno nos compatriotas da comissão técnica e ainda foi surpreendido ao ganhar um beijo de Román González. As gentilezas terminariam por ali. Dentro de quadra, o jogo era equilibrado, rápido, brigado. Splitter, que tanto preocupava os hermanos, começou no banco. Via, sentado no chão, o titular Guilherme Giovannoni tentando frear o ímpeto de Scola. Teve dificuldades no início. O pivô foi responsável pelos sete primeiros pontos argentinos. Do outro lado, Huertas e Leandrinho eram os motores brasileiros. Se Scola já não conseguia chegar com tanta facilidade à cesta, Prigioni encontrava um Delfino preciso na linha dos três. Com ele, a Argentina conseguiu fugir quatro pontos (19 a 15).
Atento nas antecipações, o Brasil roubava bolas e armava os contra-ataques. Leandrinho acertava os arremessos longos. A 2m51s do fim do primeiro quarto, Splitter foi para o jogo, depois que Guilherme cometeu sua segunda falta. Ajudava Varejão a fechar a porta do garrafão. Lá na frente, Cequeira saiu do banco para dificultar a vida de Huertas, mas ainda assim a seleção achava outras opções. Ao fim do primeiro quarto, tudo igual: 25 a 25.
A retomada do comando do marcador no segundo período viria com um chute de três de Leandrinho. A resposta era na mesma moeda, com Prigioni. O jogo se mantinha equilibrado até mesmo na linha lateral. Sergio Hernández repetia a posição de Magnano: agachado, observando cada movimentação. Tentava encontrar um marcador para frear Marcelinho Machado no perímetro. E comemorava ao ver que Leo Gutiérrez também mostrava a mão calibrada do mesmo lugar.
A torcida dos hermanos acreditava que ali, restando 1min17s para o intervalo e com 46 a 40, seria a arrancada. Mas não houve mais o que comemorar antes do intervalo. A equipe parou, e do outro lado Marcelinho puxou a reação. Huertas, mesmo desequilibrado, encontrou um arremesso incrível de três e ainda sofreu falta. Levantou o ginásio, que viu Marcelinho roubar uma bola de Scola, Huertas ir para a linha de lance livre logo e encerrar assim o primeiro tempo com vantagem do Brasil: 48 a 46.
A testa franzida de Scola dizia muito na saída para o vestiário. Os argentinos voltaram rápido para a quadra. Tinham pressa de mudar aquele placar. Ouviam um grupo de torcedores, vestindo suas cores, cantar "We are the champions", do Queen, no desafio do karaokê. Era uma brincadeira, mas soava como um lembrete, um recado.
Alheios a isso, Anderson Varejão e Alex faziam 53 a 46 para o Brasil. Mas Delfino jogava um balde de água fria no rival ao anotar cinco pontos seguidos e cortando para 55 a 53. Alex mostrava raça, mas o time precisava contar de novo com as mãos de Huertas, que fez 18 no primeiro tempo e estava zerado até então. Com dois lances livres, ele retomou a contagem. E Splitter evitou que Delfino fizesse o mesmo com um lindo toco. Só que Scola ? sempre ele ? reapareceu para empatar (63 a 63). Encarava a marcação dupla de Varejão e Splitter e passava pelo meio dos dois, na marra. Resultado: 66 a 66 na virada para os últimos dez minutos.
Abraçados durante a orientação de Hernández, os hermanos tentavam unir forças. Mas tudo seguia igual. Duas bolas de três para Leandrinho e duas para Jasen. Lances livres para Huertas e para Scola. Quarta falta de Varejão e um chute forçado de Leandrinho, no entanto, foram suficientes para Magnano pedir tempo. E foi o rival que voltou melhor. Desperdiçava menos os ataques e tirava Guilherme do jogo, com a quinta falta, abrindo quatro pontos.
Os rostos tensos na arquibancada eram o reflexo do confronto. Restando 1m28s para o fim, a Argentina lamentou a eliminação de Jasen após falta em Marcelinho. O Brasil se aproximou, cortou para um ponto, mas não passou. Enquanto Scola fazia a sua parte, Leandrinho perdia a oportunidade da virada com erros no ataque. Coube justamente ao craque argentino matar a última cesta e o sonho do adversário.
Com um ouro olímpico e um vice-mundial no currículo recente, a Argentina gastou experiência e controlou o jogo até o fim. Segurou a vitória com unhas e dentes e fez o roteiro se repetir: eles avançam, nós voltamos para casa.