São 19 horas de uma terça-feira de maio na sede do Botafogo, em General Severiano, zona Sul do Rio de Janeiro. Enquanto a maioria dos jogadores se dirigem ao estacionamento, entram em seus carros importados e vão para suas casas após mais um dia de treinamento, Cortês, arrastando os chinelos, sobe as escadas para um dos quarto no CT do clube carioca. Liga o videogame e escolhe a seleção brasileira para uma partida de um jogo de futebol. Tenta as principais jogadas com Ronaldinho Gaúcho. ?Ele joga demais, né? Ninguém tira a bola dele?, comenta com o volante Lucas Zen, que acompanha a partida.
Quatro meses depois, quase com a mesma facilidade da partida de videogame, Cortês realiza lances similares ao lado do atacante do Flamengo. Desarma, ataca, dribla e corre sem parar. Desta vez, porém, ao invés de Lucas Zen, são mais de 40 mil pessoas que observam o garoto de Campo Grande no estádio Mangueirão, em Belém. O real supera o virtual e o tiete se torna tão protagonista quando o ídolo dentuço. Ao ser substituído no segundo tempo, já com câimbras, é ovacionado e tem o nome gritado pela torcida paraense.
Destaque da vitória de 2 a 0 do Brasil sobre a Argentina, no Superclássico das Américas, na noite da última quarta-feira, o estreante com a camisa da seleção brasileira completou parte de um ciclo meteórico na carreira. Em menos de um ano foi eleito melhor lateral-esquerdo do Campeonato Carioca pelo Nova Iguaçu, foi contratado pelo Botafogo, se firmou como titular e peça importante da equipe e ganhou a primeira oportunidade com Mano Menezes na seleção.
?É uma felicidade muito grande para mim poder representar a seleção. Fiquei bem à vontade, todos os companheiros me deram muito apoio, o professor Mano também me apoiou bastante. Acho que estou bem solto, tranquilo. A rapaziada tem me deixado bem à vontade. No início fiquei um pouco nervoso, mas depois ajudei a equipe a sair com um bom resultado?, disse Cortês após a partida, com o jeito humilde que já é característico.
Mas antes de ter uma noite de heroi e realizar o sonho de defender o país, Cortês enfrentou inúmeras dificuldades para alcançar o sucesso. A história de superação é parecida com a de tantos outros jogadores do futebol brasileiro, mas poucos conseguiram vencer de maneira tão rápida e com bom humor os obstáculos da vida. Começando pelo falecimento prematuro da mãe, Raquel, quando o garoto tinha apenas 12 anos. Sem conhecer o pai, se dividiu entre a casa de tias maternas e de vizinhos da família Constermani, que praticamente o adotaram.
Início no futebol e Catar
Aos 19 anos, depois de desistir do sonho de ser bombeiro ou militar, Cortês foi descoberto por olheiros quando atuava na escolinha do Arturzinho (ex-jogador do Botafogo e Bangu). Atuando como meia ou ponta, o jogador foi defender o Al Shahaniya, do Catar. A esperança da independência financeira e mudança de vida acabou durando apenas quatro meses, mesmo com o jogador adaptado ao país do oriente médio.
"Queriam que eu assinasse um contrato de três anos, mas acabou não acontecendo o acerto. Eu estava adaptado, queria dar conforto para a família e foi duro. Fiquei triste de voltar, mas entendi que não era para ser. Isso me deu mais força para buscar meus objetivos. Treinei firme sempre e hoje tenho a recompensa", disse Cortês, que voltou para o Rio para defender o Castelo Branco e o Quissamã, da segunda divisão do Campeonato Carioca, até chegar ao Nova Iguaçu em 2011.
Sucesso rápido no Botafogo
As boas atuações do jogador no Carioca, contra Vasco e Flamengo, logo despertaram a atenção dos grandes clubes. O time da Gávea chegou a sondar o jogador, durante reunião entre o técnico Vanderlei Luxemburgo e o presidente do Nova Iguaçu, Janio Morais, mas o Botafogo foi mais rápido, ofereceu uma proposta e conseguiu o empréstimo com opção de compra do lateral-esquerdo.
A estreia como titular aconteceu no empate de 1 a 1 contra o Avaí, pela Copa do Brasil, na partida marcada pela confusão entre jogadores após o apito final. Já começou o Campeonato Brasileiro como titular e só deixou a equipe quando sofreu um edema ósseo, ficando mais de um mês parado.
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De volta ao time, foi o destaque na goleada sobre o Vasco, por 4 a 0. Menos de um mês depois veio a primeira convocação. Ao saber do chamado do técnico Mano Menezes para enfrentar a Argentina na primeira partida do confronto do Superclássico das Américas, o jogador se ajoelhou e chorou, relembrando das dificuldades do começo da carreira.
?Passei por muita dificuldade, jogava em campos ruins, a alimentação era difícil. Joguei num clube que a gente tinha que levar o uniforme para casa para lavar, não tinha almoço lá, então de vez em quando a gente ficava duas ou três horas para chegar em casa e se alimentar. Isso tudo faz uma diferença muito grande, por isso agradeço muito e trabalho para continuar crescendo cada vez mais", disse Cortês quando foi chamado pela primeira vez para a seleção.
Casamento em rede de fast-food
Além do futebol, Cortês também chamou a atenção de torcedores de outras equipes pela festa de seu casamento, realizada no dia 5 de agosto, em uma filial da rede de fast-food Habib?s, em Campo Grande. Cerca de 60 pessoas compareceram. Do Botafogo, apenas o volante Lucas Zen foi convidado para a "boca livre".
?Foi lá no Habib"s porque foi muito rápido, não deu tempo de planejar nada. A gente só ia casar no cartório, no civil, pela maratona de jogos. Disse para minha noiva que depois a gente faria uma festinha maior. Meu empresário foi e conversou com o gerente de lá e ele me convidou. Fiquei feliz, foi simples, mas todo mundo gostou. Não deu para chamar todo mundo, mas vou fazer outra festinha, estou devendo para o pessoal?, disse Cortês.
A festa é apenas mais um dos exemplos de humildade do jogador. Para o técnico Caio Júnior, esse é o motivo do sucesso do lateral, que em 20 jogos com a camisa do Botafogo, soma 10 vitórias, seis empates e quatro derrotas.
?Isso é muito legal, essa subida rápida dele, um crescimento profissional tão grande em pouco tempo. Nós temos que ajudar muito, porque não é fácil estar na pele do Cortês. É muita coisa na cabeça dele, muita coisa nova acontecendo, gente em volta, mas ele assimila bem, responde bem. É um menino muito humilde e por isso acho que vai ter sucesso na carreira?, declarou o treinador do Botafogo.