Carrasco do Fla, Edmundo sonha com título e lembra: “Confronto era pessoal”

A vontade de estar em São Januário em meio à preparação para a final do Campeonato Carioca o domina dos pés à cabeça

|
Siga-nos no Seguir MeioNews no Google News

Como um autêntico torcedor, Edmundo conta as horas para o jogo decisivo de domingo. E não só pela possibilidade de ver o Vasco erguer mais uma taça. Para ele, a excitação é multiplicada quando o Flamengo está do outro lado. Contra o arquirrival, o Animal coleciona boas memórias. Foram 20 clássicos com a camisa cruz-maltina recheados de alegrias, eventuais tristezas, polêmicas, provocações, rusgas e gols. Muitos gols. No total, balançou a rede rubro-negra 18 vezes por três clubes diferentes. A vontade de estar em São Januário em meio à preparação para a final do Campeonato Carioca o domina dos pés à cabeça, principalmente porque o ex-atacante faz questão de admitir: a semana antes do duelo era especial e exigia uma concentração acima do normal.

Em entrevista por telefone ao GloboEsporte.com, o ídolo da torcida vascaína falou sobre diversos assuntos: o rótulo de carrasco do Flamengo, o arrependimento por sua passagem frustrada pela Gávea e o histórico negativo recente no confronto. Afirmou que, de tão esperado, o fim do jejum de 11 anos no estadual serviria até para apagar o último rebaixamento. Recordou também os gols mais saborosos que fez sobre o Rubro-Negro (veja todos eles no vídeo acima).

Para Edmundo, os principais jogadores precisam saber lidar com a implacável pressão em um clássico como este, e talvez isso tenha faltado em derrotas anteriores para o adversário.

- Isso é muito individual, mas é claro que o que nós podíamos fazer para motivar o grupo e mostrar o tamanho daquele momento era feito. Sempre tive um grande amor pelo Vasco. E desde moleque o Flamengo era o grande rival. Aprendi que tinha que ganhar e levei isso para a minha vida. Era um sentimento forte. Mexia comigo ver a cidade parada para assistir. Então, a semana era diferente, de uma dedicação fora do normal. Eu ficava agitado. Tem pessoas que sentem mais a responsabilidade, outras ficam mais preparadas e gostam disso. Tudo porque é um jogo marcante e pode ser único na sua vida - ressaltou.

Além destes ingredientes, o ex-camisa 10 não perdia a chance de criar comemorações irreverentes e tripudiar sobre o Flamengo quando possível. Além, é claro, de a torcida rival jamais tê-lo perdoado pelo fracasso no clube no ano do centenário, ao lado de Sávio e Romário.

- Não teve outro time em que fiz tantos gols como sobre o Flamengo. A torcida deles sempre pegou no meu pé, me xingava, hostilizava, e isso me enchia de força. Era um confronto pessoal mesmo - explicou.

Confira abaixo os outros trechos do bate-papo:

GloboEsporte.com: Qual o seu sentimento quando Vasco x Flamengo vem à cabeça?

Edmundo: É uma lenda, uma história como poucas no futebol. É uma oportunidades para esses jogadores entrarem para essa seleta história. A conquista, se vier, apaga o rebaixamento de 2013 pelo peso que é voltar a ganhar do Flamengo numa decisão. Tem um peso enorme essa rivalidade, maior do que qualquer um que entrar em campo. Vi o time forte até aqui, cada vez mais bem armado e acho o Vasco favorito.

O peso é ainda maior dessa vez pelo estigma de ser vice para o Flamengo recentemente?

As histórias são contadas da maneira que interessa a quem as cria. Historicamente, o Flamengo é mais vice que o Vasco. Mas foi criado esse estigma de que é ao contrário. Tem que saber mais da história para falar. Estamos aqui discutindo um clássico de quase um século, que não começou outro dia. Aí a torcida, os jogadores, todos são envolvidos, e isso é levado para o campo em forma confiança para o adversário. O cara tem medo de errar e acaba que a torcida do Flamengo vai em número maior e empurra o time. Tem um time inferior e vence. Tem que ser uma mobilização em bloco para acreditar. O clube deve fazer sua parte, e os vascaínos irem em igualdade para cantar e empurrar o tempo inteiro no Maracanã.

O Edmílson ainda não representa para a torcida a mesma confiança que você oferecia, mas provou que é artilheiro e já caiu nas graças da galera. Ele te surpreendeu? Como você avalia a evolução dele?

É um atacante competente e muito capaz. Vive do trabalho dos outros companheiros para ele, apesar de saber jogar com a bola no pé. Se ele estiver inspirado, acredito que possa ser o fator para decidir a nosso favor. Está com muita moral. É a hora dele.

Em termos gerais para o Vasco, que vem de temporadas complicadas, o que esse título diria fora de campo?

O Vasco acabou se apequenando desde 2008. Nada melhor do que uma vitória maiúscula agora para mexer com isso. Têm sido épocas muito difíceis, mas que vão passar. É uma questão de estímulo, porque ninguém constrói uma história como a desse clube e consegue apagar. Conheço o Adilson, e na carreira dele as vitórias foram um fator preponderante. Eles têm que saber que a torcida sofre, cara. Isso é o que dói mais. Têm que encarar como se fosse o jogo mais importante da vida. Se tiverem esse espírito, acho que pode ser o diferencial.

Você citou o Adilson, seu contemporâneo nos campos. O estilo pilhado dele é positivo em época de final ou o jogador precisa de tranquilidade?

Sem dúvida é bom. Você ter a confiança do seu treinador e poder ir para campo desempenhar seu papel com ele falando, lado a lado... Esse espírito vencedor do Adilson é importante, e ele joga junto com o time na beira do gramado. É essencial para executar o planejado e não deixar o ritmo cair num jogo desse nível, o que é fatal. Trabalhei com alguns assim e me dei bem.

Voltando no tempo, sua estreia contra o Flamengo, em 1992, foi com gol. Do que lembra daquela partida pelo Carioca, em que você ainda era coadjuvante?

As atenções eram voltadas para os outros. Eu fui uma surpresa, substituindo o Bismarck, que estava na Seleção, e já ganhei o carinho do torcedor por ter feito logo o gol e ter comemorado muito. Quando o Bismarck voltou, o Nelsinho (Rosa, técnico) preferiu tirar o Sorato, e eu permaneci. Naquele time, tinha que estar sempre jogando bem para ser titular.

Depois, na volta quatro anos mais tarde, a primeira vez dos três gols num duelo pelo Brasileirão de 1996. Se não valeu muito dentro do contexto, para você...

Nosso time não era bom. Não era dos melhores mesmo. Mas aquele resultado ajudou a dar uma reviravolta e foi mais fácil montar o time de 1997. É aquela vitória que dá confiança a qualquer time. Há um campeonato à parte, isso é verdade. E ganhamos alguns seguidos (risos). Aqueles 4 a 1 nos encheram de expectativa para o ano seguinte, quando fomos campeões brasileiros com alguns reforços que se encaixaram bem, como Mauro Galvão, Evair, Odvan, o Felipe e o Pedrinho se firmando no profissional...

E então, vieram provavelmente os gols mais importantes que você marcou contra o Flamengo, no quadrangular do Brasileirão de 1997. Foi seu grande momento?

Valia vaga na grande final. Foi decisivo, um dos mais importantes Vasco x Flamengo, se for pegar a lista. Como na final foram dois 0 a 0 com o Palmeiras, ficou marcado como se fosse a vitória do título. Maracanã cheio, torcida do Vasco em peso... E aí 96 causou um impacto legal, assim como causa para o Flamengo hoje em dia em decisões. Naquela semana se falou e se lembrou muito da goleada e dos meus três gols antes. Trabalhei bastante para correr e me dedicar ao máximo. Mas nunca prometi gols. Isso é uma coisa que ninguém pode falar de mim. Eu achava difícil repetir, fazer três gols num grande clássico. E não é para qualquer um. Mas a sorte estava ao meu lado, tive uma noite iluminada mais uma vez e bati o recorde (de gols numa edição do Brasileirão. Marcou 29 naquele ano) que já estava com o Reinaldo há muito tempo.

Na terceira passagem, ainda no auge da forma, você decidiu a Taça Rio de 1999 com dois gols, com direito a homenagem ao Molejo. Como foi?

Foi um jogo marcante também. Muita chuva, muito brigado. Representou bastante também, apesar de a gente ter ficado sem o título estadual depois. Eu não joguei a última partida, mas me lembro com carinho daquela vitória com a comemoração do Molejo, que sempre é lembrada (a torcida do Vasco canta até hoje o Samba Rock do Molejão).

Para alguns torcedores é uma mancha você ter jogado pelo Flamengo. Arrepende-se da escolha, principalmente diante de tudo o que aconteceu?

Se eu soubesse do desfecho, não iria, claro. É difícil lidar com isso. Não gostaria de ter feito, mas às vezes esquecemos de falar do que as pessoas fazem. Minha primeira passagem no Vasco foi com o título de 1992. Não me valorizaram, fui para o Palmeiras. Aí, hipervalorizado, pintou a proposta do Flamengo para um projeto que todos lembram. Eu estava magoado e ainda era jovem, não medi as coisas. O Vasco, então, resolve me comprar em 96 e me dá a valorização. Por que não fez antes, sabe? Os garotos hoje sofrem com o mesmo problema e deixam o clube. Talvez por isso eu tenha ido (para o Flamengo). Não tinha a expectativa de voltar para o Vasco.

Qual foi sua primeira reação quando recebeu a proposta do Vasco? Alegria ou resignação?

Quando o Eurico veio com a proposta para me tirar do Corinthians, eu larguei o contrato lá e não pensei duas vezes. Foi a melhor decisão que eu tomei na vida. Tinha acontecido o acidente (em que morreram três pessoas, em 96), e eu estava carente, precisando de colo e de voltar para casa. O carinho me fez voltar a ser o atacante da época do Palmeiras.

Além de perda do título da Copa do Mundo de 1998, ficaram frustrações na sua carreira?

Eu poderia ter ficado mais tempo na Europa. Sempre fui muito levado pelo sentimento e isso atrapalhou um pouco meu foco lá. Tinha a vaidade de um jogador que se destacou no seu país e aproveitei pouco a Itália (jogou por Fiorentina, entre 98 e 99, e Napoli, em 2001). Dava até para ter disputado o prêmio de melhor do mundo pelo menos uma vez.

Veja Também
Tópicos
SEÇÕES