O Brasileiro-2019 atinge um valor inédito em direitos de TV. A cifra beira os R$ 2 bilhões. Terá ainda a estreia do árbitro de vídeo e houve concorrência pelos direitos internacionais do torneio. Ao mesmo tempo, começa após oito trocas de técnico na Série A nos três meses que o antecederam, seus times estão longe de apresentar um futebol atraente e seu calendário está espremido entre Estaduais e Copa América, com rodadas coincidentes com as dos jogos da seleção brasileira.
Avança em direção às principais ligas ao implantar o VAR e estabelecer um crescimento de receitas com a concorrência nos direitos de TV. Ao mesmo tempo, fica preso às práticas atrasadas que travam a melhoria da qualidade do que se vê em campo.
Um outro aspecto aproxima o Brasileiro das ligas europeias: o aumento da distância financeira entre seus participantes, o que alija times antes tradicionais da disputa pelo título. Vasco e Botafogo são os maiores exemplos. Flamengo e Palmeiras seguem puxando a fila da turma dos cofres cheios, mas há clubes capazes de ameaçar os dois "novos ricos". Grêmio e Cruzeiro são exemplos disso, com boa gestão de seus departamentos de futebol e, não por acaso, apostando em técnicos mais longevos. Algo raro em um país que preza tão pouco pela continuidade da formação de um time sobre um comando estável.
É justamente esse caos na gestão de boa parte dos clubes que torna o futebol brasileiro tão equilibrado (e limitado) - visto que não se formam supertimes em seis meses. Onde há estabilidade é na fórmula do Brasileiro, repetida há 13 anos. Isso torna a competição mais compreensível para o estrangeiro e, talvez por isso, tenha havido propostas pelos direitos internacionais do Nacional - separadamente da Globo. Ainda há pendência para fechar o acordo definitivo, que renderá R$ 160 milhões por ano. Agora, resta melhorar o futebol que se mostrará aos outros países.
Após uma série de edições com controvérsias de arbitragem, o Brasileiro enfim terá o árbitro de vídeo em todas as suas rodadas. O mecanismo, no entanto, terá de superar os questionamentos gerados pelo seu mau uso recente, nas fases decisivas dos Estaduais. Houve saldo positivo, mas falta aos árbitros aprenderem a usar o VAR primeiro só em casos objetivos e, segundo, com maior celeridade. A utilização do árbitro de vídeo foi protelada até 2019 por conta da questão financeira. Após relutância no ano passado, que levou a veto do mecanismo, a CBF decidiu bancar a maior parte do custo: R$ 12 milhões saem dos cofres da entidade, enquanto os clubes pagam R$ 7 milhões.
Haverá instalação de VAR em 20 estádios inicialmente, o que pode se estender a outros. O custo total foi reduzido após uma concorrência. A CBF também decidiu que as telas de VAR, que os árbitros consultarão durante os jogos, ficarão prioritariamente no meio do campo. A instalação em São Januário, por exemplo, será próxima à torcida. Ou seja, os árbitros terão de se isolar com fones na hora de tomar decisões.
Agora, a questão é como os árbitros vão proceder em relação ao protocolo da Fifa. Com base nas orientações da federação internacional, a CBF estabelece que o árbitro de vídeo deveria ser usado para lances objetivos, como impedimento, agressões não vistas, erros claros em marcação de pênaltis. Durante os Estaduais, no entanto, o que se viu foram árbitros usando o VAR como muleta para interpretar lances que deveriam ser decididos pelo juiz do campo. A ponto de um dos árbitros ter sido flagrado analisando uma imagem congelada antes de marcar um pênalti sobre Cortez no Grenal decisivo - as orientações da CBF falam que as imagens devem ser analisadas apenas em velocidade normal ou câmera lenta, sem citar frames congelados.
O impacto na fluência do jogo é outra preocupação. Até agora, decisões de árbitros baseadas no vídeo têm demorado quatro ou cinco minutos. Isso ocorre até em lances simples de impedimento. Fato é que o VAR torna-se uma atração à parte no Brasileiro. A torcida terá de segurar seu fôlego antes de festejar (o que gera críticas) e a lógica do jogo deve ser alterada.
Ao descrever o ambiente do futebol brasileiro, o técnico santista Jorge Sampaoli disse que há muito estresse e pouco divertimento. Falava sobre o excesso de pressão sofrido por jogadores e técnicos pela torcida e imprensa. Era uma palestra com objetivo de ajudar na "evolução" do futebol brasileiro em seminário promovido pela CBF. Na ocasião em que o técnico argentino tratava do tema, oito dos 20 técnicos da Série A já tinham sido demitidos nos três meses e meio iniciais da temporada. Isto é: antes do início do principal campeonato da temporada. A CBF apresentou proposta para limitar a apenas uma a troca de técnico durante o Nacional, mas isso foi rejeitado pelos clubes no Conselho Técnico. Alegaram interferência em suas gestões.
Uma tendência dos últimos nacionais explica essa postura. Desde 2015, nenhum time foi campeão com o treinador que o comandou na temporada anterior. Fábio Carille e Tite, campeões em 2015 e 2017 pelo Corinthians, assumiram seus times em janeiro. Já Cuca e Luiz Felipe Scolari, vencedores em 2016 e 2018 pelo Palmeiras, entraram no meio da temporada - Cuca ainda no Paulista, Felipão já no meio do Brasileiro. Marcelo Oliveira, do Cruzeiro campeão de 2014, foi o último a conseguir o feito - ele foi campeão em 2013 com o clube. Exceção de Tite e Marcelo Oliveira, esses treinadores basearam seus jogos na construção de defesas fortes, privilegiando um futebol mais armado para contra-atacar os rivais em vez de dominar jogos.
O jogo de Cuca não era bem defensivo, mas privilegiava um estilo direto, sem muito toque ou posse de bola. Talvez o Grêmio de Renato Gaúcho, no cargo desde 2016, seja o único projeto de longo prazo em um time que atua no chamado "jogo de posição", em que se propõe o domínio do jogo tomando os espaços do campo e se impondo com toque de bola ao adversário. Tentativas de fazer o mesmo no Flamengo esbarraram em demissões de técnicos.
Agora, Fernando Diniz, do Fluminense, e Sampaoli, do Santos, voltam a tentar, além de alguns trabalhos que evoluíram tecnicamente, como o do Athletico-PR, com Tiago Nunes, e do Cruzeiro, com Mano Menezes, comandante da equipe desde 2016. Resta saber se esses projetos de times serão capazes de furar a mesmice que predomina em gramados nacionais por conta do medo de demissão. O estresse tira a vontade de ganhar, parafraseando Vanderlei Luxemburgo.
Um novo cenário na negociação de televisões gerou um incremento considerável na receita de televisão do Brasileiro. Pela primeira vez, a cifra vai atingir em torno de R$ 2 bilhões. Há dois fatores que elevaram os valores: a concorrência entre a Turner e a TV Globo, e a compra por outra empresa dos direitos internacionais da competição (que ainda está em fase final de negociação).
A força econômica de alguns clubes criou favoritos constantes no Brasileiro, como o Flamengo e Palmeiras. Do outro lado, a consolidação técnica de times como Grêmio e Cruzeiro os torna também postulantes ao título. Neste aspecto, o futebol brasileiro se aproxima do europeu. Poderio financeiro e trabalhos longos no departamento de futebol contam nas metas para a temporada - ressalte-se que o Cruzeiro vive uma crise econômica que deve afeta-lo no futuro. O cenário do esporte nacional, no entanto, ainda abre brechas para outros concorrentes. Times com um patamar de investimento próximo dos líderes, como Corinthians e São Paulo, também gastaram para montar elencos recheados - o São Paulo, por exemplo, contratou Pablo, destaque do Athletico-PR na temporada passada.
Lembre-se que, mesmo com Flamengo e Palmeiras como favoritos, o time de Fábio Carille levantou a taça em 2017 com um futebol defensivo eficiente. Da mesma forma, há no segundo andar do Brasileiro da Série A times que podem fazer como o Corinthians de Carille e, apostado em fórmulas criativas e possivelmente eficientes, surpreender. É o caso do Athletico-PR, que manteve o técnico Tiago Nunes e a maior parte de seu elenco, com acréscimos como o do argentino Marco Ruben, e faz boa campanha na Libertadores.
Já o Santos tem na fórmula singular de jogo de Sampaoli (pelo menos nos campos nacionais) a possibilidade de superar rivais mais ricos. Não é possível esperar o mesmo de times antes tradicionais como Vasco e Botafogo. Suas dificuldades financeiras, e trabalhos técnicos vacilantes nos três primeiros meses, devem significar um ano de batalhar para evitar o descenso.