O que deveria ser apenas mais um jogo da Série D do Campeonato Brasileiro acabou marcado por um triste episódio de racismo. Aos 23 minutos do segundo tempo do jogo entre Parnahyba e Imperatriz, no estádio Pedro Alelaf, em Parnaíba, o árbitro assistente Raimundo David dos Reis Alves denunciou ter sido alvo de injúria racial por parte de um torcedor. Segundo a súmula da partida, o xingamento foi claro: “sai daí, seu macaco”.
Um jogo interrompido pelo preconceito
A ofensa partiu da arquibancada destinada à torcida do Parnahyba. De imediato, Raimundo David interrompeu a cobrança de escanteio e comunicou o ocorrido ao delegado da partida, Daniel Araújo, que também é vice-presidente da Federação de Futebol do Piauí (FFP). O árbitro principal, Alciney Santos de Araújo, do Rio Grande do Norte, registrou o caso oficialmente.
O torcedor foi identificado e retirado do estádio com apoio da polícia. No entanto, a condução do caso gerou revolta: o autor da injúria não foi preso. O assistente lamentou o desfecho e afirmou que formalizou a denúncia por meio de um Boletim de Ocorrência.
"Este torcedor foi retirado, mas infelizmente não foi preso. Talvez tenha sido uma falha de comunicação. Ao fim da partida, fomos informados de que ele havia sido liberado, mas que a documentação foi registrada, o que me permitiu fazer o boletim", declarou Raimundo David.
"Não é a primeira vez"
O desabafo do assistente escancara um problema recorrente no futebol piauiense. Segundo ele, casos como esse não são isolados:
"Não é fácil falar sobre isso. Outros colegas já passaram por situações parecidas e sabem da cicatriz que fica. Graças a Deus temos apoio psicológico na Federação, mas enquanto não houver penalidades severas, infelizmente, sempre vamos conviver com esses casos."
O delegado da partida também confirmou o registro do boletim de ocorrência e destacou que o torcedor estava identificado, mas não chegou a ser conduzido à delegacia.
Já o Tenente Carvalho, da Força Tática de Parnaíba, relatou que a ausência da "segunda parte", ou seja, do próprio Raimundo David, no momento da condução policial resultou na liberação do torcedor. Como a partida foi retomada rapidamente, não houve tempo hábil para encaminhamentos mais firmes.
Histórico no mesmo estádio
O estádio Pedro Alelaf já foi palco de outro episódio de injúria racial. Em dezembro de 2024, o zagueiro Emílio, do Parnahyba, afirmou ter sido chamado de "urubu" por um torcedor durante amistoso contra o Fluminense-PI. O autor da ofensa não foi identificado.
Esse histórico levanta questionamentos sobre a eficácia das medidas de prevenção e punição aplicadas pelas autoridades e pelas instituições esportivas.
Entenda o crime de injúria racial
A injúria racial é tipificada no artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal Brasileiro, e consiste em ofender a dignidade ou o decoro de alguém utilizando elementos ligados à raça, cor, etnia, religião ou origem. A pena prevista é de um a três anos de reclusão, além de multa. Se o crime ocorrer em local público, como estádios, a pena pode ser aumentada.
Em 2023, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a injúria racial também é imprescritível, assim como o crime de racismo. Isso significa que a vítima pode denunciar o ato a qualquer tempo.
“Espero que a sociedade não se cale”
Apesar da dor, Raimundo David encerrou seu depoimento com um apelo à consciência coletiva:
Eu não fui o primeiro e espero que não aconteça mais. Que a nossa sociedade não se cale perante isso.
Parnahyba emite nota de repúdio
Em nota publicada nas redes sociais, o Parnahyba Sport Club repudiou o episódio de injúria racial ocorrido durante a partida. A diretoria da equipe reiterou que não compactua com qualquer tipo de manifestação racista e reafirmou seu compromisso com o respeito e a inclusão no ambiente esportivo. Confira a nota:
Casos como esse escancaram a necessidade urgente de medidas mais firmes, não apenas dentro do campo, mas fora dele, nas arquibancadas, nas instituições, e sobretudo na cultura esportiva que ainda precisa aprender a jogar limpo também contra o preconceito.