Tinga recebeu o repórter Régis Rösing e o produtor Fábio Juppa segurando nas mãos um telegrama do ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal que, negro como ele, mostrou seu apoio ao volante cruzeirense. Essa foi apenas mais uma das inúmeras manifestações de solidariedade que o gaúcho Paulo César Nascimento recebeu após o episódio da partida contra o Real Garcilaso, quando foi alvo de insultos racistas a cada vez que pegava na bola. Triste e tendo que explicar aos dois filhos o que aconteceu, Tinga disse que não foi a primeira vez que foi alvo de insultos. E aproveitou a oportunidade para ensinar aos filhos como é errado ter qualquer tipo de preconceito.
A cada vez que tocava na bola, imitações de macaco ressoavam no estádio. Tinga não as esquece.
- Tento até hoje, passei a noite toda praticamente sem dormir, tentando entender aquela situação. A preocupação maior era com o meu filho, depois do jogo eu liguei para casa e minha esposa disse que ele estava chorando e depois no outro dia, no Peru mesmo, ela me falou que ele não quis ir para a escola.
Pai de dois filhos, Davis de onze anos e Dani de seis, Tinga teve dificuldades para explicar o que aconteceu, mas aproveitou a oportunidade para ensinar uma lição ao mais velho.
- O Davis na verdade não entendeu nada, a minha casa já é uma mistura. A minha esposa é branca, descendente de italianos, criamos uma família e tivemos filhos. O pai negro, a mãe branca, eles mais para peruanos, os meus filhos, pela mistura deles, tem aquela cor típica de sul-americanos, bonita, bronzeada. Expliquei para ele: "tu vai lá no colégio, todo mundo gosta de ti e que isso sirva de lição para que tu não tenha qualquer preconceito, qualquer outro preconceito racial, social, opção sexual, qualquer outra situação, que tu se lembre o que aconteceu com o seu pai e que isso vai ser muito importante para o seu crescimento".
Para o mais novo, Tinga se viu obrigado a omitir a explicação.
- Aí eu não falei nada, disse que era coisa do futebol. Quando eu cheguei na beira do campo para entrar já começou o som né. Era imitação de macaco. Ninguém falou diretamente macaco talvez por causa da língua. Mas era aquele som. No começo até achei que era uma vaia, mas quando eu cheguei bem perto do campo aumentou e quando eu tocava na bola o som vinha direto.
Ele lembra que não foi o primeiro episódio. Certa vez, defendendo o Grêmio foi alvo do preconceito de parte da torcida do Juventude. Depois ficou ressabiado antes de ir jogar na Alemanha, mas conta que na Europa nada aconteceu.
- Foi em Caxias, quando eu pegava na bola eles faziam som de macaco. Fiquei com receio depois de ir jogar na Alemanha no Borussia Dortmund. As pessoas falavam que eu não ia ficar um ano. Mas lá aprendi muito sobre respeito e educação.
Mesmo fora do campo, o preconceito existe no Brasil. Principalmente para ele, negro, casado com uma mulher branca.
- Sou casado há mais de 15 anos, quando eu chego nos lugares com a minha esposa ninguém conhece a minha história. Não sabem que eu era vizinho dela, ninguém sabe que eu batia na janela dela às seis da manhã para o pai dela, a mãe dela, me darem passagem para eu ir treinar. E no olhar você sente: "lá vai o negão com uma branca, com uma loira". As pessoas falam do que aconteceu lá, mas isso tem todo dia. No nosso país tem muito, não só (preconceito) racial, mas social, que acho que é até maior. Quando você é famoso e conhecido, ninguém diz não. Então eu nunca me empolguei com o futebol, com as vitórias, com as conquistas.
A lição que fica para Tinga é que a educação é a melhor forma de combater o racismo. Mesmo magoado, ele se desarma e diz que só ensina a seus filhos a respeitar todas as pessoas.
- Me machucou como machucou muitas pessoas que sofrem isso. Sei que não vamos mudar o mundo, mas se cada um tentasse mudar dentro de casa já seria um ganho. Eu faço isso com meus filhos para caramba.