Terceiro colocado no Torneio Internacional Città di San Bonifácio, disputado de 27 de abril a 1º de maio, na Itália, por jogadores nascidos em 1997, o Vasco voltou ao Brasil com razões para comemorar o bom desempenho dos garotos na competição, mas também houve motivo para indignação. Na partida de estreia, contra o Juventus, jogadores vascaínos foram vítimas de racismo. Depois de publicar nota oficial de repúdio, assinada pelo presidente Roberto Dinamite, o clube recebeu pedido de desculpas dos organizadores do torneio e do diretor esportivo do Juventus, o ex-jogador Fabio Paratici.
- Entramos em contato com Juventus e recebemos um e-mail com um pedido formal de desculpas. O diretor deles deu a resposta que queríamos. Pediu desculpas em nome do Juventus, lamentou o episódio e disse que aqueles que agiram daquela maneira não eram dignos de participarem de um campeonato nem de representar o Juventus - conta o gerente da base vascaína, Mário Reigota.
Os organizadores do torneio - que contou com a participação de Inter de Milão, Milan, Juventus, Real Madrid, Barcelona, Arsenal e mais cinco equipes - lamentaram o episódio, embora nenhuma punição tenha acontecido. Satisfeita com o pedido de desculpas, a diretoria vascaína proibiu os garotos de falar sobre o assunto.
Ex-funcionário de Pedrinho Vicençote, empresário que aluga o centro de treinamento de Itaguaí ao clube, Mário Reigota foi responsável pela reação mais enérgica do Vasco - além do dirigente vascaíno que procurou o Juventus até conseguir o pedido de desculpas. Fluente em italiano, Reigota estava no momento que o jogador do Vasco foi ofendido. E não foi só dentro de campo. O volante Gabriel Tiné, de 16 anos, foi chamado de macaco, em português, pelos juvenis do Juventus.
Na hora da ofensa racista, os jogadores dos dois times por pouco não brigaram. Mas pior aconteceu momentos depois. O Juventus, que já tinha um atleta expulso, perdeu mais um jogador por cartão vermelho. Junto, saiu um zagueiro do Vasco, também expulso.
- Como os ânimos já estavam exaltados, desci para receber o garoto na saída de campo. Foi quando ouvi o preparador físico deles xingando nossos meninos. Ele falou "moreninho de merda" em italiano, entre outras palavras chulas que não têm tradução para o português, mas que eles costumam usar para se referir pejorativamente a sul-americanos. Ele levou um susto quando o repreendi, não sabia que eu entendia o que ele estava falando - conta Reigota, que interpelou o profissional do Juventus.
- Como é, o que você está falando? É isso que você ensina para os garotos?
Na bola, o Vasco venceu o Juventus por 1 a 0. Mas o caso deixou os garotos indignados. Em seguida ao fato, os dirigentes foram até a mesa da direção, aos organizadores e até os responsáveis pelo Juventus. Exigiram um pedido de desculpas. O Vasco não abandonou o torneio. Curiosamente, um dos jogadores, Douglas Cipriano, escreveu antes de viajar no Twitter: "Deus criou vidas, não criou raças."
- A gente sempre orienta os garotos a não reagirem, porque a gente vai resolver isso na mesma hora fora de campo. Mas o que mais deixou eles humilhados foi que na última partida do grupo a gente poderia tê-los eliminados. O Juventus perdeu para o Vasco e depois empatou com o Sambonifacese, que ia nos enfrentar. Podíamos até perder e, antes do jogo, vieram os caras do Milan, do Inter, queriam saber como a gente ia reagir. E fomos lá e vencemos por 4 a 1, classificando o Juventus - conta Reigota.
Coordenador do sub-17, Alexandre Teixeira, que não estava na Itália, lembra que não é a primeira vez que seus jogadores passam por situação parecida.
- Lá fora, infelizmente, muitos deles ainda tratam os sul-americanos assim. Europeu acha que africano, sul-americano, brasileiro, são todos selvagens. Eles têm pretos também, mas se acham no direito de ofenderem os nossos garotos - comenta Teixeira.
O técnico do time, Cássio Barros, ex-lateral-esquerdo do Vasco, lembra que passou por situação semelhante quando jogou em 1999 no Stuttgarter Kickers, da Alemanha. Apesar do caso, ele considerou importante a reação do Vasco e o aprendizado dos garotos na viagem.
- Infelizmente aconteceu esse fato, mas acho que foi algo isolado, já superado. Lamentamos que esse tipo de coisa ainda aconteça.
Infelizmente parece que ainda é comum não só lá fora, mas às vezes até no nosso país - diz Cássio, que levou a garotada para passear na cidade de Verona. Eles visitaram um coliseu local e conseguiram esquecer o episódio.
O Vasco fez quatro jogos, venceu três e perdeu apenas na semifinal contra a Inter de Milão, por 2 a 0. O "trem-balinha" terminou como melhor ataque da competição, recebeu o troféu Fair Play e ainda convite para retornar à competição ano que vem, além de convites para outros seis torneios na Europa em 2014.
Para o vice-presidente médico Manoel Moutinho, o episódio de racismo é passado. Ele acha que fundamental era a reação contra o "fato lamentável".
- O Vasco foi um sucesso. Jornais locais entrevistaram nossos garotos, nossa comissão técnica, recebemos novos convites. Agora, esse negócio de racismo é complicado. Toda vez que um time daqui vai para lá, sempre tem isso de "macaco", "crioulo". O Vasco tomou a atitude que devia tomar. Colocou na súmula, entrou em contato com os responsáveis e tenho certeza que o fato chegou até a Fifa, que endossou nosso protesto. É algo que não pode passsar despercebido - lembra Moutinho.
O Vasco foi um dos pioneiros na luta pelas oportunidades aos negros e pobres no futebol brasileiro - o primeiro título estadual, de 1923, gerou o pedido de exclusão de jogadores e a resposta histórica antes do bicampeonato em 1924.