A primeira vez que Eiki Martello ficou em pé não foi no chão, mas em cima de um skate, aos 11 meses de vida. A partir daí, os pais perceberam uma habilidade fora do comum e criaram condições para o filho desenvolver uma capacidade que chamava atenção no esporte. Hoje, o que Eiki e os dois irmãos têm de habilidade ainda não têm de idade. Eiki, 6 anos, Kevin, 5 anos, e Kemily, 3 anos, respiram skate em casa, em São Carlos, interior de São Paulo, onde o pai Fábio Martello construiu uma rampa para diversão e treinamento das crianças. Uma infância que lembra o início da carreira de Victoria Bassi, com 11 anos e já integrante da seleção brasileira de skate, na modalidade Park, de olho nos Jogos Olímpicos. E que desperta o questionamento: não seria muito cedo para competir?
- Vai ser normal crianças de 11 até 14 anos se destacando no esporte. A questão é: será que elas estão prontas para serem exigidas perfomance? O que mostra a literatura é que não – explica o médico Gustavo Maglioca.
O Esporte Espetacular foi conhecer, em São Carlos, os irmãos Martello: as crianças que têm, no skate, praticamente uma extensão do próprio corpo. Quando passeiam com os pais, se locomovem em cima de quatro rodinhas, “porque andando normalmente se cansam mais”, segundo a mãe Jéssica.
- Eu já dropei uma rampa grande e até um halfão de quatro metros – contou Eiki.
- Meu pai me ensinou desde bebezinho. E a gente ficou crescendo, aí a gente ficou treinando todo dia até a gente melhorar – explicou Kevin, que quer ser como o irmão.
Eiki, Kevin e Kemily são frequentemente convidados para as grandes competições de skate no país e fazem sucesso. Eiki, o mais velho, chama atenção pelo dread no cabelo que ostenta desde os 3 anos. Kemily, compete desde os 2 aninhos, quando ainda usava chupeta. E Eiki, só no ano passado, participou de dez competições, vencendo oito.
O Brasil, ao lado dos Estados Unidos, é dominante no cenário internacional do skate. E com a inclusão do esporte no programa olímpico, e os riscos de lesão devido aos saltos e quedas, o limite de idade é uma questão. O Comitê Olímpico Internacional não restringe idade para a participação nos Jogos, cabe à federação internacional de cada esporte definir. E o presidente da Federação Internacional de Skate considera que este esporte é diferente das outras modalidades nesta questão.
- Para nós, não há uma idade mínima, porque o nosso esporte é muito espontâneo, surgiu das ruas e não é como os outros esportes em termos de estresse. Você pode ver várias crianças competindo de forma espontânea, sem ninguém pressionando – explicou Sabatino Aracu, presidente da World Skate.
A paulista Victoria Bassi é um exemplo da espontaneidade que evoluiu para uma carreira precoce. Aos 11 anos, já tem uma rotina de atleta profissional. Terminou o ano de 2018 em quarto lugar do ranking nacional na categoria Park e este mês foi convocada pela primeira vez para a seleção brasileira, com foco nos Jogos de Tóquio 2020. O Brasil formou duas seleções das modalidades do skate que vão estrear nas Olimpíadas: Park, onde Victoria compete, e Street, que tem também, entre as cinco atletas convocadas, dois talentos precoces: Rayssa Leal, a Fadinha, de 11 anos, e Virgínia Fortes Águas, de doze.
- Eu prefiro minha filha fazendo esporte do que grudada num computador dentro de casa. E eu levo ela pro pilates, levo para os exames periodicamente. A gente procura também esse lado de não prejudicar. Não sou contra isso – contou Tiago Bassi, pai de Victoria, que, mesmo com dificuldades financeiras, busca apoio da escola, de rifas e amigos para garantir à filha as condições de treino e saúde.
Bob Burnquist , o maior nome do skate brasileiro e ícone internacional, é o presidente da Confederação Brasileira. Também para ele, o skate não deve ter limite de idade, mas a expectativa e pressão devem ser gerenciadas.
- Toda criança tem que andar de skate. Quanto mais cedo, até melhor. Agora se você leva para o lado de que a criança vai ser olímpica, vai sustentar a família, essa pressão precoce não é legal, em nenhuma idade – disse Bob.
Por enquanto, a regra é não ter pressão e não ter limites para sonhar. A pista está aberta para as brincadeiras e os desejos. E quem sabe um grande atleta possa surgir daí.
- O meu maior sonho é ir para as Olimpíadas, e descer a Mega Rampa – disse Victoria.