‘Ela é meio bipolar’. Você já deve ter escutado alguma coisa assim. Ou falou essa frase sobre alguém que você conhece – talvez uma chefe ou uma pessoa que você não gosta muito. Mas, assim como falar que você ‘está meio depressiva hoje’ reforça um tabu sobre falar de depressão, usar o transtorno bipolar dessa maneira tem o mesmo efeito.
Segundo a psicóloga Vanessa Pik Quen Lee, do Hospital Santa Cruz, de São Paulo, o transtorno bipolar (também chamado de transtorno afetivo bipolar) é um distúrbio psiquiátrico que atinge em torno de 30 milhões de pessoas do mundo e é incapacitante – ela afeta a forma como a pessoa vive os seus dias e se relaciona com as demais.
Assim como outras doenças mentais, não é possível determinar apenas uma causa para a bipolaridade, que pode ser desencadeada pelo ambiente em que a pessoa vive, por uma predisposição genética (as chances são maiores se na família já existirem casos de bipolaridade), traumas ou o uso de álcool e drogas.
Todo mundo muda de humor durante o dia: você acorda mais mal-humorada, depois se sente mais alto astral, mas fica irritada e nervosa se acontece alguma coisa no trabalho. A diferença para o transtorno de bipolaridade é que essas mudanças são muito mais bruscas e extremas, além de serem acompanhadas de ações e comportamentos condizentes com essa mudança.
Os estados de espírito da bipolaridade são três:
– Hipomania: segundo a psiquiatra Maria Francisca Mauro, da clínica InspiraSaúde, essa é uma sensação súbita de bem-estar “com aumento da energia e da disposição para realizar tarefas e para o envolvimento em múltiplas atividades”.
– Mania: “Sensação exacerbada de bem-estar, sentimento de ser especial e contar com capacidades extras, podendo apresentar agitação na forma de movimentar o corpo. Falar de forma rápida, sem concluir as frases e pular para diferentes assuntos. As ideias podem ser de poder e grandeza, também podendo ocorrer sintomas psicóticos, como ouvir vozes ou acreditar estar sendo prejudicado ou perseguido”, comenta Maria Francisca.
– Depressão: É o oposto da mania, um humor triste, com ideias de ruína e prejuízo, falta de interesse, alteração de apetite e sono.
Transtorno bipolar vs. Depressão
Uma das maiores questões no diagnóstico do transtorno bipolar é a confusão entre essa doença e a depressão. Isso porque, como Vanessa explicou, as duas condições tem sintomas semelhantes, com exceção dos episódios maníacos ou hipomaníacos.
“Os sintomas maníacos do transtorno bipolar podem só se manifestar após alguns episódios depressivos, sendo o paciente inicialmente diagnosticado com transtorno depressivo. Nesses casos em que o paciente recebe inicialmente o diagnóstico de depressão e é tratado com antidepressivo, pode ocorrer o agravamento dos sintomas. Mas metade dos casos de transtorno bipolar manifestam-se inicialmente com episódio maníaco”, esclarece ela para o Superela.
Os tratamentos também têm suas semelhanças, mas o transtorno bipolar precisa de um acompanhamento muito mais próximo e que dura a vida toda – por causa das chances de recaída e da característica crônica da doença, é preciso um trabalho em conjunto de paciente, psiquiatra e psicólogo para manter uma estabilidade emocional.
O bipolar pode precisar de medicamentos para manter uma estabilidade emocional, mas o mais importante é o desenvolvimento de um relacionamento com profissionais que ajudem na compreensão da doença e estimulem o autoconhecimento, para que a pessoa entenda porque sente essas mudanças de humor tão contrastantes e os efeitos que isso tem e teve na sua vida rotineira.
“A psicoterapia é importante na manutenção dos cuidados, redução dos fatores de risco de recorrência, redução de prejuízos pessoais, sociais e financeiros, assim como na prevenção de suicídio (algo mais comum entre portadores de transtorno bipolar). A psicologia contribui para manter relacionamentos saudáveis, melhorando a vida afetiva e profissional”, completa Vanessa.
É óbvio que esse tratamento exige algum tipo de adaptação no dia a dia . Maria Francisca indica que até para evitar que o paciente esqueça de tomar os remédios, ele precisa manter um estilo de vida mais constante e estável, evitando também a sobrecarga emocional e física – ou seja, nada de ambientes muito estressantes e estimulantes.
“Um dos focos deve ser o horário e a qualidade do sono, pois a alteração desses acaba sendo um fator de risco para se desencadear uma crise. Outro ponto importante é o risco associado de quem apresenta transtorno bipolar para o uso de álcool e substâncias, esse deve ser constantemente enfatizado durante o tratamento”, completa a psiquiatra.