Um novo estudo publicado na revista Science Advances acendeu um sinal de alerta sobre o estado dos oceanos. Segundo a pesquisa, a quantidade de fitoplâncton, microrganismos responsáveis por cerca de metade do oxigênio produzido na Terra, pode estar diminuindo. Esses seres microscópicos, que flutuam nas águas e realizam fotossíntese, são essenciais para o equilíbrio climático e para toda a cadeia alimentar marinha.
O levantamento, conduzido por cientistas das universidades de Tsinghua (China), Bangor (Reino Unido) e Pensilvânia (EUA), analisou dados coletados por satélites e bóias oceânicas entre 2001 e 2023. Os pesquisadores também usaram algoritmos de deep learning para preencher lacunas de informação causadas por nuvens e outras interferências. O resultado foi preocupante: a concentração de clorofila A, pigmento que indica a presença de fitoplâncton, caiu cerca de 1,78% ao ano em águas costeiras.
O impacto do aquecimento global
Os pesquisadores apontam o aquecimento global como um dos principais fatores para essa redução. O fenômeno da estratificação oceânica, quando as águas superficiais, mais quentes e leves, não se misturam com as camadas mais frias e ricas em nutrientes, está se intensificando com o aumento das temperaturas.
Esse bloqueio impede que os nutrientes das profundezas cheguem à superfície, prejudicando o crescimento do fitoplâncton.
“Nas últimas décadas, observou-se uma intensificação da estratificação oceânica, impulsionada por um aquecimento mais rápido da camada superior do oceano”, diz o estudo.
Com menos nutrientes disponíveis, a base da vida marinha perde força, comprometendo desde organismos microscópicos até grandes predadores.
Por que o fitoplâncton é vital
Embora invisível a olho nu, o fitoplâncton tem papel gigantesco na manutenção da vida na Terra. Além de produzir oxigênio, ele absorve grandes quantidades de dióxido de carbono (CO₂), ajudando a conter o aquecimento global. Também é o primeiro elo da cadeia alimentar marinha, servindo de alimento para o zooplâncton, que, por sua vez, é consumido por peixes e outros animais.
“No oceano, uma única célula faz tudo o que uma árvore inteira faz. São microalgas que formam um gramado tridimensional planetário”, explica Frederico Brandini, professor do Instituto Oceanográfico da USP. Ele lembra que, há bilhões de anos, foram organismos como o fitoplâncton que tornaram a Terra habitável, liberando oxigênio na atmosfera pela primeira vez.
Cautela na interpretação dos dados
Apesar do alerta, o professor Brandini pede cautela na interpretação dos resultados. Ele ressalta que o estudo usa a clorofila A como indicador de biomassa, o que pode gerar distorções.
“Existe uma razão carbono-clorofila no fitoplâncton que vai de 20 a 200. Ou seja, 1 de clorofila pode representar 20 ou 200 de carbono. E o carbono é o que interessa”, afirma. “Além disso, o aumento da temperatura também acelera o metabolismo do zooplâncton, que se alimenta mais. Talvez a queda da clorofila esteja ligada a isso, e não apenas ao aquecimento.”
Segundo o oceanógrafo, se o zooplâncton estiver consumindo mais fitoplâncton, o carbono continua circulando no ecossistema, o que diminuiria o impacto negativo da mudança observada.
Um retrato em construção
O novo estudo contrasta com pesquisas anteriores, como uma publicada em 2023 na revista Nature, que indicava aumento na quantidade de fitoplâncton em algumas regiões. Para o cientista Michael Mann, da Universidade da Pensilvânia e coautor da nova pesquisa, a diferença está na metodologia.
“Estou confiante de que nosso resultado está correto, porque ele reflete o que suspeitávamos: os oceanos estão se estratificando cada vez mais”, afirmou Mann.
Mesmo que a queda pareça pequena, os especialistas concordam que o fenômeno merece atenção. O desaparecimento do fitoplâncton afetaria não só a produção de oxigênio, mas também o equilíbrio climático e alimentar global.
“Antes de o ser humano sentir os efeitos da perda do fitoplâncton, ele será afetado por problemas mais imediatos, como a poluição, a sobrepesca e a destruição dos ecossistemas costeiros”, pondera Brandini. “Mas isso não significa que possamos ignorar o que está acontecendo nas profundezas do mar.”