O Quilombo dos Palmares, maior símbolo da resistência negra no Brasil, era refúgio para os povos escravizados no século XVII. Localizado na Serra da Barriga, em União dos Palmares, Alagoas, o local que um dia esteve sob o comando do líder guerreiro Zumbi dos Palmares é hoje patrimônio internacional e destino turístico cada vez mais procurado.
De janeiro a outubro deste ano, 13 mil turistas de 16 países visitaram a Serra da Barriga, a maior parte dos Estados Unidos, Alemanha, França, Argentina e Colômbia. Número expressivo, considerando as restrições por causa da pandemia do coronavírus.
Com a retomada do turismo e as comemorações do Dia Nacional da Consciência Negra, celebrado neste sábado (20), a expectativa é de que dobre o número de visitantes. Somente neste fim de semana a região deve receber cerca de 10 mil pessoas para acompanhar apresentações culturais, religiosas e artísticas.
“De agora até abril o fluxo de visitas aumenta muito. Isso está associado à alta temporada do Estado de Alagoas. No domingo passado nós tivemos 800 pessoas visitando o parque para participar do Pôr do Sol na Serra, um projeto cultural com a apresentação de artistas locais e com uma belíssima vista”, explicou Izabel Gomes, secretária municipal de Turismo de União dos Palmares.
Zumbi e o Quilombo dos Palmares
Zumbi dos Palmares nasceu em 1655, em Alagoas. Foi um dos principais representantes da resistência negra à escravidão na época do Brasil Colonial e líder do Quilombo dos Palmares, a mais significativa comunidade formada por escravizados fugitivos das fazendas.
O Dia Nacional da Consciência Negra é celebrado na data da morte de Zumbi, assassinado em 20 de novembro de 1695, durante uma emboscada ordenada pelo governador e capitão-general da então capitania de Pernambuco, Caetano de Melo e Castro, para erradicar de vez a ameaça dos escravos fugitivos na região. Sem a liderança de Zumbi, por volta de 1710, o quilombo se desfez.
Conheça a história da vida e da morte de Zumbi dos Palmares
Séculos de passaram, até que em 1985 o Quilombo dos Palmares foi tombado pelo Iphan como Patrimônio Histórico, Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico. Um outro título veio em 2017, o de Patrimônio Cultural do Mercosul, concedido pela Comissão de Patrimônio Cultural do bloco econômico formado por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.
Uma das pessoas que participaram do processo de tombamento do Parque Quilombo dos Palmares na década de 1980 foi o professor e pesquisador Zezito Araújo, que é alagoano e quilombola. Em entrevista ao g1, ele destacou a importância do processo para a comunidade negra brasileira, uma vez que o parque foi o segundo espaço negro tombado no Brasil.
“Enquanto isso, já havia milhares de templos religiosos e palácios tombados no Brasil. Ser esse espaço tão importante para o resgate da nossa história como povo ajudou, já naquela época, a trazer essa discussão sobre o que era preciso ser feito para rever o modo de contar a história do povo indígena e do povo negro de Alagoas”, afirma o professor Zezito.
Para Danilo Luiz Marques, professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e diretor do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabi), os processos de tombamentos e as pesquisas sobre a resistência negra fazem aumentar as visitas à Serra da Barriga, que abriga o antigo quilombo.
“O Quilombo dos Palmares é estudado em todo o mundo, recentemente um pesquisador alemão esteve em Alagoas pesquisando sobre o tema para sua tese de doutorado. Outro ponto importante foi o tombamento da Serra da Barriga pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, na década de 1980 e, mais recentemente, pelo Mercosul”, explicou o professor.
Mas não só isso. Os pesquisadores concordam que a morte do americano George Floyd acendeu um debate mundial sobre os espaços de memória, ou seja, a forma como a história sempre é contada pelo viés colonial. Danilo Marques afirma que esse debate reacende a importância das reafirmações das identidades étnicas.
“No Brasil, isso refletiu com os questionamentos sobre os bandeirantes, sobre a figura do Borba Gato, no estado de São Paulo, e de Domingos Jorge Velho, em Alagoas. Isso ainda é somado ao protagonismo negro dentro de espaços importantes do mercado de trabalho, com a presença de profissionais negros ascendendo a cargos importantes e apontando para alguns destinos que contrapõem essas narrativas”, esclarece Marques.
Zezito Araújo reforça essa teoria, destacando o esforço para reverter a forma como figuras de escravocratas e de pessoas que promoveram o genocídio de nações indígenas ainda são vistas como personalidades importantes na história do estado, mas sem o devido olhar crítico.
"Olha, o movimento negro está trazendo novas releituras. Já há em alguns municípios um movimento para contar a história do nosso estado do ponto de vista em que os indígenas e negros são os protagonistas da história. Mas há lugares, como o Município de Atalaia, que dão destaque como heróis para figuras como Domingos Jorge Velho que participou do extermínio de vários aldeamentos”, ressalta Zezito.
O bandeirante Jorge Velho, citado pelos dois pesquisadores, foi o homem contratado pelo governador da capitania de Pernambuco para pôr fim à resistência no Quilombo dos Palmares, que passou a ser atacado com um contingente de 6 mil homens armados. Foi sob pressão do bandeirante que o quilombola Antônio Soares, após ser capturado, entregou Zumbi.