O ser humano é barulhento, e isso ficou evidente quando uma pesquisa, liderada pelo Observatório Real da Bélgica envolvendo seis instituições, conseguiu determinar o quanto o mundo ficou silencioso entre março e maio de 2020: as vibrações emitidas pela vida humana caíram, em média, 50% no período em que o coronavírus forçou um terço da população mundial a se isolar. As informações são do Mega Curioso.
"Esse é o período silencioso mais longo e mais pronunciado do ruído sísmico já registrado desde que começamos a monitorar a Terra via redes de sismômetros. Nosso estudo destaca o quanto as atividades humanas afetam a Terra e pode nos permitir ver o que diferencia o ruído humano do natural", explicou o geógrafo e sismógrafo Stephen Hicks, da Imperial College London, um dos coautores do estudo.
Não somente terremotos sacodem a superfície da Terra como também a água correndo dos rios para o mar ou milhares de torcedores pulando nas arquibancadas de um estádio de futebol — os seres humanos são a terceira maior fonte de ruído captado por sismógrafos, abafando a atividade sísmica natural.
Silêncio para escutar a Terra
Ao se iniciar o período de quarentena em boa parte do mundo, as ruas desertas, o comércio fechado, os estádios vazios e o transporte urbano parado com as cidades silenciadas pela pandemia representaram uma oportunidade única para os pesquisadores ouvirem o ruído sísmico.
Os sons do planeta foram captados não apenas por 268 estações de monitoramento sísmico em 117 países, equipadas com sismógrafos alojados em instituições acadêmicas e responsáveis por 60% dos dados coletados, como também pelos chamados "cientistas cidadãos", usando Raspberry Shakes, que são sismógrafos pessoais construídos e usados por entusiastas. Vieram deles os 40% restantes das informações para a pesquisa, que reuniu quase uma centena de cientistas.
Os dados sísmicos consolidados pela análise das amostras de 185 estações indicaram reduções significativas de ruído em comparação ao período antes das medidas de isolamento social. A queda se mostrou como uma onda, começando na China, em janeiro, e rumando primeiro em direção à Europa e depois para o restante do mundo, seguindo o avanço do Sars-CoV-2.
Metrópoles desertas
Grandes centros urbanos, como Singapura e Nova York (EUA), mostraram maior queda nas vibrações usualmente registradas, mas também em áreas escassamente povoadas, como a cidade de Rundu, na Namíbia, ou a alemã Floresta Negra.
Enquanto os sismógrafos de instituições de pesquisa captaram os ruídos em grandes áreas, os aparelhos de particulares foram responsáveis pelos dados locais, desde a Cornualha, no Reino Unido, a Boston, nos EUA. Distritos escolares mostraram queda 20% maior do que a registrada durante as férias de inverno no hemisfério norte — destinos turísticos, como Barbados, revelaram diminuição de 50% do ruído sísmico.
Essa queda do barulho antropogênico (causado pelo ser humano) possibilitou não apenas medir o quanto nossa espécie gera de poluição sonora como também ouvir os sinais de terremotos anteriormente ocultos em alertas que a Terra dá sobre desastres naturais.
"Com o aumento da população e da urbanização, mais pessoas viverão em áreas geologicamente perigosas; é preciso saber isolar o ruído antropogênico ao monitorarmos os movimentos do solo", explicou o sismologista Thomas Lecocq, do Observatório Real da Bélgica, principal autor do trabalho.
Trabalhando de casa
O estudo em si foi um produto da pandemia: enquanto escrevia um código para separar o ruído sísmico do antropogênico, Lecocq começou a trocar mensagens no Twitter com alguns colegas que rapidamente se organizaram, primeiro em grupos no WhatsApp e depois no Slack, e passaram a compartilhar informações e consolidar os dados coletados em tempo recorde.
"Não é todo dia que você publica resultados depois de menos de 4 meses de trabalho. Agora, podemos estudar as relações entre a atividade humana e a sismologia e entender o que gera ruído em determinado momento: se a Terra ou os seres humanos", disse o sismógrafo da Universidade Nacional Autônoma do México Raphael De Plaen, coautor do artigo.