A ucraniana que ganhou 'Nobel da Matemática' por resolver problema sem solução desde o século 17.
Até então, apenas uma mulher, a iraniana Maryam Mirzakhani, havia recebido essa medalha, que começou a ser concedida em 1936 para os maiores feitos matemáticos do mundo.
"Viazovska é uma matemática brilhante", disse Christian Blohmann à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC. "Eu a admiro porque sua solução para o problema de empacotamento de esferas é muito bonita e extremamente inesperada."
O pesquisador do Instituto Max Planck de Matemática, na Alemanha, refere-se ao fato de que em 2016 Viazovska resolveu dois casos do famoso problema geométrico que o grande cientista alemão Johannes Kepler propôs no século 17.
Por esse feito, ela recebeu vários prêmios, mas sua contribuição não parou por aí.
A matemática ucraniana recebeu a medalha no Congresso Internacional de Matemáticos, numa cerimônia na Finlândia. Os outros três ganhadores do prêmio, que é entregue a cada quatro anos a matemáticos com menos de 40 anos, foram: o francês Hugo Duminil-Copin, o americano June Huh e o britânico James Maynard.
Filha de Euclides
Albert Einstein (1879-1955) disse: "Se Euclides falhou em inflamar seu entusiasmo juvenil, você não nasceu para ser um pensador científico".
O matemático grego é justamente um dos heróis de Viazovska, que diz admirar as figuras extraordinárias que foram capazes de "mudar a Matemática ou a forma de pensar sobre ela".
Viazovska nasceu em Kiev, capital da Ucrânia, e é fascinada por matemática desde criança. Quando chegou a hora de decidir que curso fazer na universidade, ela não teve dúvidas.
A ucraniana diz que gosta do fato de que, na Matemática, é possível determinar onde está "a verdade", distinguir o que está errado do que está certo. Depois de se formar na Universidade Nacional Taras Shevchenko, ela foi para a Alemanha para estudos de pós-graduação.
Viazovska se concentrou nisso por cerca de dois anos, até que chegou o momento "mágico" de encontrar a solução. "Acabou sendo mais fácil do que eu pensava."
O problema que ela resolveu pode ser simplificado nesta pergunta: quantas bolas é possível colocar numa caixa muito grande? Mas a matemática usada para chegar à resposta é de imensa complexidade.
Pensando em Laranjas
Para Hidalgo, esse problema "tem uma certa importância para o mundo real no sentido de que pessoas sem estudos matemáticos podem entender do que se trata" e podem até ter tido que enfrentar essa questão em algum momento.
"Com certeza, os verdureiros já haviam percebido que a melhor forma de organizar as laranjas era em forma de pirâmide", diz o pesquisador espanhol.
"Mas há uma diferença substancial entre: 'parece que esta forma ocupa bem o espaço' e ter a certeza de que 'realmente esta forma é imbatível em ocupar o espaço da melhor maneira'".
"Não é que os matemáticos tenham se complicado inventando uma maneira estranha de empacotar esferas, é o mesmo problema, mas em uma dimensão que, como humanos, não podemos visualizar", diz Hidalgo.
E embora esse empacotamento de esferas de dimensão superior seja difícil de visualizar, "eles são objetos eminentemente práticos", escreveu a matemática Erica Klarreich em um artigo da revista Quanta de 2016.
25 Páginas
De acordo com Hidalgo, a solução matemática que Hales encontrou "foi muito longa e muito complicada". Seu resultado foi apresentado em cerca de 250 páginas e exigiu muitos cálculos com computadores.
"Levou quase 20 anos para verificar se esses cálculos com computadores estavam corretos. Já Viazovska fez, para o problema da dimensão oito, um artigo de 25 páginas", ressalta Hidalgo.
Ele destaca que o trabalho da ucraniana foi "tão meticuloso, tão exato, que é uma demonstração mais fácil de entender que a anterior, que ocupou dezenas de páginas". "Isso não quer dizer que suas páginas de matemática sejam simples, elas são complexas", observa ele. Mas, para especialistas, são 10 páginas de pura matemática.
A primeira demonstração de Viazovska é considerada uma obra-prima, que permitiu a seus companheiros "entender bem o problema e generalizá-lo para resolver uma equação similar, mas ainda mais difícil", disse Hidalgo.
Ele esclarece que o problema dos empacotamentos ideais em muitas dimensões segue em aberto, pois só encontraram as configurações para as dimensões 8 e 24..
Colaboração
Quando recebeu o prêmio New Horizons, Viazovska agradeceu a seus professores, colegas e coautores, "já que sem eles nenhuma de minhas investigações seria possível".,
"A ciência é um esforço colaborativo, e o progresso rápido é possível quando as pessoas compartilham abertamente seus conhecimentos e ideias", disse ela.
Atualmente, a ucraniana é professora da prestigiosa Escola Politécnica Federal de Lausanne (EPFL), Suíça. Blohmann a conheceu quando era estudante de doutorado na Alemanha.
"Maryna é uma pessoa extremamente gentil e modesta. Os reconhecimentos e posições que conquistou não a mudaram em nada", diz ela.
Em 16 de março, o departamento de Matemática da ETH Zürich, onde Einstein estudou, ofereceu a primeira das Alice Roth Lectures, criadas em homenagem ao grande matemático suíço.
O objetivo com essas sessões é homenagear as mulheres que alcançaram conquistas notáveis em matemática.
Viazovska foi a convidada e sua apresentação foi intitulada: "Pares de interpolação de Fourier e suas aplicações". Antes de mergulhar na matemática de sua apresentação, ela lembrou de uma colega e compatriota.
Reconstruiremos a Paz
Antes de iniciar a apresentação em conferência, Viazovska homenageou uma matemática ucraniana que morreu atingida por um míssil após a invasão da Ucrânia.
Quero dedicar minha conferência a Yulia Zdanovska, uma matemática e cientista da informática de 21 anos cuja vida terminou tragicamente no dia 8 de março na cidade de Járkif."
Zdanovska ficou para defender a cidade diante da invasão russa, mas "infelizmente morreu em um ataque com míssil."
Ela também agradeceu o apoio recebido nesses "momentos obscuros".
"Reconstruiremos nosso mundo e, com certeza, a ciência e o pensamento criativo terão um papel importante nisso."