Peculiar. Assim pode ser descrita a história da professora Valdira das Neves, 45, e do filho Marcelo das Neves Junior, 24, que moram na cidade de Serrana, próxima a Ribeirão Preto (SP). Isso porque após engravidar aos 40 anos de uma menina, a professora passou por uma pré-eclâmpsia e precisou fazer uma cesárea de emergência. A pequena Helena viveu por sete dias, mas não resistiu. O luto foi um baque muito grande. Na época, o filho sugeriu que ela não desistisse de ter uma nova gestação e procurou uma clínica onde ela pudesse ter mais um bebê. "Chegando ao local, fomos informados que, devido a alguns problemas de saúde e até à idade da minha mãe, as chances do tratamento de reprodução assistida ter sucesso usando os próprios óvulos seriam de apenas 3%", conta Marcelo Neves Junior, em entrevista à CRESCER.
Mãe e filho, que sempre foram muito unidos, voltaram para casa tristes, porém Marcelo teve uma ideia. "Como ela queria ter uma criança em casa e precisaria do óvulo de uma doadora para prosseguir com o tratamento, sugeri que ela fosse barriga solidária do meu filho. Ela sempre soube do desejo que tenho de ser pai, então, foi uma conversa que aconteceu com naturalidade", diz Marcelo. A mãe conversou com o marido, que também se chama Marcelo, e, no dia seguinte, ambos deram a notícia ao filho. Ela aceitaria gerar o próprio neto! A família retornou à clínica e iniciou o procedimento. Valdira recebeu óvulo de uma doadora anônima, que foi fertilizado com os espermatozoides de Marcelo. Nunca imaginei que sairíamos da clínica realizando o meu sonho também. Hoje temos dois sonhos se tornando realidade", diz Junior.
Marcelo Junior conta que se assumiu homossexual aos 18 anos. Ele sempre morou com os pais e teve apoio deles. Marcelo não pretende sair de lá tão cedo e nem eles desejam que isso aconteça. "Aqui em casa é um cuidando do outro. Como eu sou o filho único, quero estar perto e cuidar, assim como cuidaram de mim."
Longo e árduo processo e a expectativa pela chegada dos bebês
Após a decisão, tanto Valdira quanto Marcelo passaram por avaliações psicológicas ao longo de três meses, para ajudar a absorver o grande passo que eles dariam a seguir. Esta, aliás, é uma das exigências do Conselho Federal de Medicina (CFM) para a realização da produção independente com barriga solidária. Só depois disso, a família iniciou o tratamento, há pouco mais de 2 anos. Valdira e Marcelo Junior já choraram muito nos ombros um do outro ao longo das quatro tentativas de engravidar. O primeiro negativo veio no início de 2018, seguido por um positivo, já em junho passo, que os deixou muito animados. "Contei para todo mundo, já começamos a fazer vários planos", lembra. Mas, o ultrassom deixou claro que havia apenas um saco gestacional sem embrião. Foi difícil. Mas eles prosseguiram. A terceira tentativa foi um ouro negativo, em dezembro do ano passado. Foi quando Valdira decidiu que a próxima tentativa seria a última. Para a alegria de ambos, a gravidez vingou. E não de apenas um bebê, mas um casal de gêmeos, como eles sempre sonharam. “Quando fomos fazer o ultrassom, o Junior já viu de cara que eram dois e estragou a surpresa que o médico queria fazer”, conta ela, emocionada.
Valdira está na 25ª semana de gestação e celebra a oportunidade de gerar os netos. Ela está ciente de que está gerando os bebês, mas é avó deles. Na certidão de nascimento haverá apenas uma filiação: a de Marcelo. O filho se emociona ao falar da mãe: "Ela é muito forte. Passou por uma depressão, por tentativas frustadas de engravidar ao longo desse preocesso, mas continuou firme. Brincamos que emocionalmente ela sempre será a mãe-avó dos bebês", diz.
Desde a descoberta da gravidez, Valdira é atendida por uma equipe multidisciplinar de médicos e segue à risca as orientações que recebe. Isso mantem sua saúde estável. Porém, devido ao seu histórico, Valdira passará por uma cesárea, prevista para setembro.
Como Junior mora com os pais, a casa deles já tem um quarto separado para receber os gêmeos. “Estou muito feliz”, afirma o estudante de enfermagem, que promete ser o melhor enfermeiro para os bebês e também para a mãe.
Os nomes dos bebês já foram escolhidos: a família decidiu que os batizará como Maria Flor e Noah. “Minha mãe escolheu um nome e eu escolhi outro”, diz Junior. Tanto ele quanto a mãe vão desfrutar da licença-paternidade e maternidade, respectivamente, de quatro meses, além de mais um mês de férias. Eles garantem: "Carinho e cuidado não vão faltar aos bebês." Marcelo seguirá contando essa história com os bebês num perfil do Instagram, que criou justamente para compartilhar as experiências como pai por produção independente.
Produção independente masculina
O caso de Junior é ainda um dos poucos de produção independente masculina no Brasil. “Nesses casos, além da barriga solidária, que pode ser da mãe ou da irmã, tia e prima, filha ou sobrinha, é necessário recorrer a um banco de óvulos de doadoras anônimas”, explica o médico Anderson Melo, especialista em reprodução humana assistida do CEFERP - Centro de Fertilidade de Ribeirão Preto.
De acordo com o médico, todos os envolvidos precisam de avaliação psicológica e o pai biológico tem que garantir o seguimento médico durante a gravidez, o parto e após os primeiros meses do nascimento. “Essa técnica também é a mesma utilizada para casais homoafetivos masculinos terem seus bebês”, comenta.