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Médicos, orgasmos e histeria: a origem polêmica do vibrador

Qualquer demonstração de desejo sexual, como excitação, fantasias eróticas ou lubrificação vaginal, era interpretada como manifestação dessa “doença”.

O vibrador nasceu como cura para o desejo feminino | Foto: Pexels
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Durante séculos, a sexualidade feminina foi cercada de tabus, repressão e desinformação. Em um passado não tão distante, o desejo sexual das mulheres chegou a ser classificado como uma doença. Foi nesse contexto que surgiu o vibrador — não como símbolo de prazer, mas como instrumento médico para tratar o que se chamava, à época, de “histeria”.

No século 19, mulheres que apresentavam sintomas como irritabilidade, insônia, ansiedade, dores de cabeça, falta de apetite e crises de choro eram frequentemente diagnosticadas com histeria — uma condição considerada exclusivamente feminina e atribuída a perturbações no útero. Acreditava-se que a origem do problema estava no deslocamento do útero, ideia que já vinha da medicina hipocrática. Qualquer demonstração de desejo sexual, como excitação, fantasias eróticas ou lubrificação vaginal, era interpretada como manifestação dessa “doença”.

O tratamento recomendado pelos médicos era, acredite, a massagem genital. Em consultórios, os profissionais estimulavam o clitóris de suas pacientes manualmente até que atingissem o “paroxismo histérico” — o que hoje chamamos de orgasmo. Após a sessão, relatava-se uma melhora temporária dos sintomas.

Mas esse tipo de tratamento não era novo. Já em 1653, o médico holandês Pieter Van Foreest havia sugerido o mesmo método em seu compêndio médico. Ele recomendava que parteiras realizassem a massagem com dedo intravaginal e óleo de lírios como lubrificante.

Segundo a pesquisadora Rachel P. Maines, autora do livro The Technology of Orgasm, os sintomas da histeria nada mais eram do que expressões naturais da sexualidade feminina, reprimidas por uma sociedade que não reconhecia o prazer sexual da mulher como legítimo. A repressão era tamanha que a sexualidade feminina era reduzida à função reprodutiva. “A mulher não era vista como um ser capaz de desejar e sentir prazer”, explica a psicóloga Rose Vilella, especialista em sexualidade humana.

Tentativa com pacientes 

Diante da alta demanda de pacientes e da fadiga dos médicos, que passavam horas realizando massagens manuais, alternativas começaram a ser testadas. A primeira tentativa foi o uso de jatos de água diretamente no clitóris, sem muito sucesso. Foi aí que surgiu a inovação: o vibrador.

O primeiro modelo foi desenvolvido em 1869 pelo médico americano George Taylor. Chamado de “The Manipulator”, o aparelho funcionava a vapor e acelerava as sessões, poupando o esforço manual dos médicos. Em 1880, o médico inglês Joseph Mortimer Granville criou uma versão movida à manivela, e, em 1902, surgiu o primeiro vibrador elétrico, lançado pela empresa americana Hamilton Beach.

Com o tempo, o uso do vibrador deixou de ser restrito aos consultórios médicos. Mulheres passaram a utilizá-lo em casa, ainda sob a justificativa de tratar a histeria. Apenas em 1952 a Associação Americana de Psiquiatria retirou oficialmente o diagnóstico de histeria feminina da lista de doenças mentais, pondo fim a um capítulo marcado pelo machismo travestido de ciência.

Hoje, o vibrador é reconhecido como um símbolo de autonomia e bem-estar sexual — uma guinada histórica em relação à sua origem.

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