Nascida em 31 de dezembro de 1919, em Paraíba do Sul, a dona de casa Zélia Leite da Silva, atinge o seu centenário nessa virada de ano com um conselho aos mais novos: “aproveitem, pois (o tempo) passa rápido. Vejam o meu caso: pisquei o olho e já se foram cem anos”. A festa foi adiada por razões óbvias.
Segundo a aniversariante, nessa época não adianta convidar, porque ninguém vai. Por conta disso decidiu passar a data em casa, na Tijuca, onde vive atualmente na companhia da sobrinha Zelandia Ramos Silva, a Landa, de 69 anos, que há 5 cuida da tia. A comemoração ficou para o dia 25 de janeiro, numa casa de festas do bairro, quando pretende reunir parentes e amigos.
— Não deixem para amanhã o que vocês podem fazer hoje. O tempo voa. Não senti passar esse tempo todo. Por isso, aproveitem bem cada momento — aconselha a centenária.
A idosa que ainda costura os próprios vestidos — ela reclama que os comprados prontos nas lojas não caem bem no seu corpo — e não abandona as agulhas de crochê é saudável, alegre e gosta muito da vida. Sua única queixa é das dores nos joelhos, que limitam o seu passeio a uma pracinha perto de casa, ainda assim acompanhada.
Dona Zélia também reclama que os familiares não deixam mais ela tomar a dose de vinho suave que tanto aprecia, por preocupações com sua saúde. O que ela diz ter presenciado de melhor nesse século, boa parte dele vivido no Rio, foi a evolução da cidade, que saiu dos bondes para o VLT. E o de pior foi o crescimento da violência.
— Dá até medo de sair de casa.
Apesar de achar que o tempo voa, nesse século de vida, a aniversariante presenciou muitas transformações no Brasil e no mundo. Quando ela nasceu, o Brasil ainda vivia sob a chamada República Velha ou Primeira República, período que vai da proclamação, em 15 de novembro de 1889, até a Revolução de 1930, que depôs Washington Luiz. Por pouco não sobreviveu a duas guerras mundiais, já que a primeira havia terminado pouco mais de um ano antes do seu nascimento.
A mulher que chegou à era da tecnologia avançada é de uma época que não havia nem o rádio, que junto com a televisão, que também não existia, se tornou seu companheiro nos momentos de lazer. A idosa não tem muita paciência para companhar novela na TV, mas não abre mão de assistir os noticiários. Embora esteja atenta aos rumos do país, desistiu de comparecer nas urnas, nos últimos 30 anos, quando o voto passou a ser facultativo para ela.
— Meu último voto foi no (Fernando) Collor (em 1989). Mas me decepcioneei com ele e achei que não valeria mais a pena. E de lá para cá não apareceu mais ninguém que compensasse o sacrifício — justifica.
Mas ela não é de perder tempo com recordações ruins. Prefere se lembrar só das coisas boas. Como do tempo em que pertencia a um grupo de excursões da Tijuca, com o qual percorreu boa parte do país. O marido, que não gostava de viajar, a liberava para ir com as amigas. Quando o território nacional começou a ficar pequeno para ela, chegou a vez de alçar voos mais altos em direção às Américas do Sul e do Norte. Boa de conversa, dona de um sorriso largo e de uma vitalidade invejável, a idosa conta que o segredo para viver tanto tempo e bem é muito simples:
— É só não se aborrecer. O aborrecimento é que acaba trazendo doenças. Tiro de letra os problemas. Quando eles aparecem eu chuto para a frente — ensina a flamenguista.
Temporã de uma família de dez irmãos — quanto ela nasceu o mais novo tinha dez anos — foi a única que restou. Veio para o Rio ainda na infância. Primeiro morou em Anchieta, depois em Marechal Hermes, onde conheceu o marido Décio, um funcionário do Banco do Brasil, com quem ficou casada por 53 anos, até a morte dele aos 83.
Os dois passaram também pelo Cachambi e foram para o apartamento da Tijuca em 1974, de onde dona Zélia nunca mais saiu. O casal teve um único filho, Jonas, hoje com 70, e um neto, Franklin, de 40. Mas isso não significa que a família seja pequena. Os sobrinhos são mais de 30.
Embora muitos familiares tenham morrido na faixa dos 50 anos, como João, o pai dela, a longevidade não é algo raro na família de dona Zélia. Pelo menos duas sobrinhas já venceram a barreira dos 90. A mãe dela, dona Júlia, faleceu aos 82. Já uma tia materna — dona Perciliana — viveu até os 105. É no exemplo dessa última parenta que a idosa mira. Sua meta agora é bater o recorde dela. Vitalidade e vontade de viver não faltam.
— Ela é uma pessoa calma e tem uma estrutura corporal muito boa. Acho que vai longe. Eu é que não chego lá — afirma a sobrinha Landa, que cuida dela.
O Brasil e o Mundo no século de dona Zélia
Governantes - Desde 1919, ano em que a idosa nasceu, até os dias atuais 23 governantes já passaram pela presidência da República. O primeiro foi Epitácio Pessoa, o 11º presidente do Brasil.
Moedas - A centenária da Tijuca sobreviveu a 11 mudanças na moeda nacional, desde o Mil Réis, que estava em vigência quando ela nasceu.
População - Quando dona Zélia nasceu, o Brasil tinha pouco mais de 30 milhões habitantes. Hoje ela engrossa um universo de mais de 202 milhões de brasileiros, segundo dados do IBGE.
Papas - Dona Zélia já sobreviveu a nove pontífices. E olha que o cargo é vitalício. Nesse século apenas um — Bento XVI —, renunciou. Quando ela nasceu, o trono de São Pedro era ocupado por Bento XV.
Tecnologia - Difícil imaginar que uma pessoa que chegou aos dias atuais, onde já há no país mais smartphones do que habitantes, tenha nascido numa época em que não havia nem rádio. A primeira transmissão no Brasil aconteceu em 7 de temebro de 1922, ou seja, quase três anos depois do seu nascimento. A televisão chegou bem mais tarde, em 1950.
Futebol - Em 1919, a Seleção Brasileira ainda engatinhava. Havia entrado em campo, pela primeira vez, cinco anos antes. A primeira Copa do Mundo foi ser conquistada quase 40 anos depois de dona Zélia nascer, em 1958. De lá para cá, ela presenciou todos as conquista da seleção canarinho.
Viagem à lua - Nem nos nos seus maiores devaneios o homem pensava conquistar o espaço, quando dona Zélia Nasceu. E só chegou na lua em 1969. Quando ela já estava na metade de sua vida