Hippies ou artesãos? Partindo do princípio de que a filosofia dos hippies sugere que estes prefiram realizar trocas de objetos a usar dinheiro, evitem tomar banho e empregos ditos ‘’normais’’ e, ainda, que realizem o artesanato para sobreviver; e de que artesãos são aqueles profissionais que produzem determinados produtos através de um processo manual ou com auxílio de ferramentas, ambas as nomenclaturas são dadas por teresinenses à população que comercializa bijuterias artesanais em barraquinhas montadas na Praça João Luís Ferreira, localizada no centro da capital. Mas, afinal, quem são os vendedores da Praça João Luís Ferreira?
Jeferson Alves, 20, que é um dos vendedores da Praça João Luís Ferreira, considera-se vendedor de artigos de moda, apesar de não ter preconceito com quem afirma ser hippie, acredita não se encaixar nesta filosofia de vida.
“Nada contra os hippies. Eu digo que sou apenas vendedor. Porque hippie tem várias outras filosofias que não sigo.
Como a de não banhar, vive viajando e deixa os cabelos crescer, talvez a gente não se encaixe nisso”, pontua o vendedor, que é natural de Timon/MA.
Jeferson Alves, que herdou a profissão dos pais, gosta de trabalhar como vendedor na praça, porque além de ter liberdade em produzir as peças que comercializa, ainda consegue adquirir sua única fonte de renda.
“Eu gosto muito de trabalhar aqui. Tenho liberdade de produzir minhas próprias peças, que é a maioria de minha produção, ainda tem o lado financeiro. Trabalho aqui de segunda a sábado e no domingo em Timon. Desde criança, quando tinha cinco anos, vinha com o meu pai e a minha mãe. Cresci nisso e não vejo outra coisa para mim”, confessa Jeferson Alves, que, devido ao trabalho, abandonou os estudos.
De acordo com Valdir Andrade, 30, que há três anos comercializa produtos artesanais na Praça João Luís Ferreira, apesar de se considerar artesão, revela ser hippie no sentido de produzir produtos que comercializa, a fim de tirar uma renda.
“Sou artesão e muito do que vendo sou eu quem faço, como a pulseirinha do reggae, colar dois em um e vários outros. Mas a gente é conhecido como os ‘hippies da Praça João Luis’. Às vezes, nos chamamos de ‘hippelô’, que é a mistura de hippie com camelô. Não me incomodo, apesar de não me considerar totalmente hippie, mas considerando que o hippie produza suas próprias coisas, não tem nenhuma ligação com o Governo e o que quer mesmo é ganhar dinheiro daquilo que produz. Então me considero, porque isso é que é o espírito hippie”, esclarece.
Valdir Andrade, que é teresinense, afirma que também trabalha como vigilante, mas gosta de ser artesão, por ter amor e satisfação em produzir e vender suas próprias peças.
“Eu trabalho de vigilante e aqui faço o que gosto. Dá para tirar uma renda extra no final do mês. Pessoas que trabalham produzindo o próprio produto têm que ter um amor e prazer para vender. Além disso, o bom atendimento e saber chamar os clientes quando há promoções”, revela Valdir Andrade.
Historiador explica origem dos hippies
Fábio Brito, professor de História da UFPI e estudioso da História Social, acredita que a designação hippie, que surgiu da polarização do mundo entre capitalismo e o socialismo, não se trata de denominação que esses dão a si mesmos, mas sim, são classificados como tal por pregar estilos de vida alternativos.
“Em vista de duas ideologias rivais, o capitalismo e o socialismo, nasceu nesse momento, um conjunto de jovens norte-americanos, os hippies, com vivências alternativas, contrárias a acontecimentos tais como a guerra, a superficialidade e o consumo. Isso levava esses sujeitos a pregarem uma vivência plena de liberdade, no tocante aos usos e costumes, roupas, cabelos, estilos e desejos. Partindo dessa ideia, hoje, muitos que trabalham ou habitam praças e outros espaços das grandes cidades são chamados de hippies. Essa designação não necessariamente corresponde às denominações que esses próprios sujeitos dão a si mesmos. Tal maneira de se referir é relativa ao fato de se tratarem de andarilhos que pregam estilos de vida alternativos”, diz.
Preconceito é menor para o público jovem
Trabalho digno, com uma rotina de atividades bem convencional de muitos teresinenses, os vendedores da Praça João Luís Ferreira estão de segunda a sábado, com muito carinho pela profissão, expondo seus produtos, vendidos a partir de R$ 5. Apesar de depender da movimentação do centro, vem conquistando um público fiel, a maioria composto por jovens e muitos turistas, que visitam a capital.
No entanto, mesmo com esforço, honestidade e amor pelo que fazem, essa população ainda sofre preconceito de alguns passantes pela praça, que segundo alguns dos entrevistados, os veem como pobres coitados.
“Com certeza notamos um olhar diferente de alguns. Tem sempre aquele que olha torto para a gente. Aqui, temos contato com todo tipo de gente. Tem aquele que acha interessante, outro diz que é legal. Inclusive pessoas de outros estados sempre compram aqui. Mas também tem pessoas que dizem que não gostam dessas coisas, não querem nem se aproximar de nós, achando que somos pobres coitados. Pelo contrário, estamos trabalhando dignamente”, destaca Valdir Andrade.
Os artesãos da Praça João Luís Ferreira acreditam que o sucesso com o público jovem, está por estes seguirem a moda e sempre inovar. E tem na internet, a principal fonte de pesquisa para criar novas peças.
Sociedade hippie chegou a Teresina na década de 70
De acordo com as pesquisas do professor Fábio Brito, não se sabe o momento exato da chegada dessa população que prega vida alternativa em Teresina, no entanto, é na década de 70, que a imprensa teresinense tem registros dos chamados hippies.
“Há registros, especialmente, na imprensa teresinense da década de 1970, da passagem de sujeitos que receberam essa designação. Você pode encontrar matérias que nomeiam sujeitos, em larga medida jovens, com essas denominações em jornais que circulavam nessa época, com conteúdos, desesperadamente, combativo contra os ditos hippies que perambulavam pela cidade. Há um texto de uma matéria que chega a ser engraçado, se lido nos dias de hoje, pois parece conclamar a população a combater esses sujeitos. Aponta o dedo para eles, adjetivando-os como ‘gente maluca, preguiçosa e viciada’, que nada poderia deixar na juventude teresinense a não ser o desejo pela errância e pela sedução de ‘jovens indefesas’ da cidade. É importante destacar que nem toda a imprensa teresinense era conservadora com relação a esse grupo de pessoas”, esclarece o professor de História.
Fábio Brito explica também que a imagem deles é ainda atrelada ao uso de drogas, desemprego e demais fatos negativos, tal como era ligada na década de 70.
“O uso de drogas, especialmente o da maconha, foi demonizado nessa época, e associado aos hippies, como se as duas coisas se confundissem e fossem, igualmente, negativas. Assim como o desemprego também aparece, nesse momento histórico, como um ícone da captura social que a classe média teresinense pregava. Ser bem aceito socialmente era ter um bom emprego. Os ditos hippies, ao contrário, representavam a não necessidade de ser tudo isso, e sim aquilo que se bem quisesse. Logicamente, uma ampla parcela da sociedade os marginalizou por ser o oposto do que a lógica social dominante valorizava”, pontua Fábio Brito.