Uma malformação conhecida como "sindactilia" faz com que 20 integrantes de uma mesma família do Distrito Federal tenham uma característica em comum: dedos dos pés e das mãos colados. A mutação foi observada na família pela primeira vez em 1943, pelo o contador Jackson de Góis Gonçalves, de 73 anos. A separação dos membros só é possível por meio de cirurgia.
A sindactilia é causada por um gene dominante. Há 50% de probabilidade de a mutação passar de pai para filho. A geneticista do Hospital Universário de Brasília Rosenelle Oliveira explica que a anomalia é desenvolvida ainda na formação do bebê, no útero.
"Quando somos formados, ainda dentro do útero, todos nós temos os dedos das mãos e dos pés colados por uma membrana. A falha de mecanismos de destruição dessa estrutura ocasiona a sindactilia e é definida pelos nossos genes. Os dedos a mais são formados nesse mesmo momento. Existe uma 'falsa sindactilia' que também acontece dentro do útero, mas não tem relação com os genes e normalmente afeta só uma pessoa da família", explica.
Alguns integrantes da família também desenvolveram a polidactilia, a presença de um dedo a mais na mão ou no pé. Segundo a mesma geneticista, é comum a associação da sindactilia com outras alterações das mãos, como encurtamento dos dedos ou a polidactilia.
Com três dedos em uma mão e dois na outra, o contador Jackson de Góis Gonçalves conta que já passou por diversas situações de preconceito. A opção por não fazer cirurgia, segundo ele, foi decidida após conseguir superar todas as dificuldades e mostrar para os filhos que isso é uma característica da família.
"A incidência no meu ramo familiar é de 50% e acredito que esse percentual segue adiante. Devido ao preconceito, passei instintivamente a andar com as mãos nos bolsos. Mesmo assim, fui adiante. Fui empregado como datilógrafo bilingue, em 1967, no antigo Geipot [Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes, estatal extinta 2008] em Fortaleza. Trabalhei na embaixada americana e era uns dos mais rápidos nas calculadoras na época. Essa "anomalia" nunca me atrapalhou, essa é a nossa identidade."
O caso de Gonçalves é considerado o mais “grave” da família. Segundo ele, diversos médicos se ofereceram para realizar o procedimento cirúrgico. "Aprendi a fazer tudo que uma pessoa normal faz. Agora, com mais de 70 anos, não irei fazer com a operação."
A analista Cynthia Campos Gonçalves, de 37 anos, filha de Gonçalves, optou pela cirurgia. O procedimento fez com os dedos fossem "descolados". Mesmo assim, segundo ela, a característica "única" da família é tratada com naturalidade e até alegria.
"Eu nasci com dois dedos de cada mão emendados e seis dedos em cada pé. Nós temos uma identidade única, sabe? Brincamos e levamos na esportiva. Um primo meu já disse para a empregada doméstica que ele era um ET. Ela fugiu e nunca mais quis voltar para a casa, acredita?"
Apesar das brincadeiras, Cynthia relata momentos de preconceito vividos tanto na adolescência quanto na vida adulta. Os mais novos integrantes da família são Izaque e Anna Clara, de 2 anos e 9 anos, respectivamente.
"Minha sobrinha, a Anna Clara, é a que mais sofre. Os amiguinhos falam que não querem brincar porque ela tem os dedos feios. Ela acaba se isolando. Porém, sempre converso com ela. Mostro que somos normais sim e somos lindas. Aos olhos de Deus, somos perfeitas."
Mesmo após a cirurgia, Cynthia diz que diversas pessoas ainda sentem curiosidade em relação à anomalia. Algumas ficam espantadas. "Teve um rapaz que estava conhecendo e fomos sair. Ele viu minhas mãos e nem disfarçou. Ele perguntou, eu expliquei. Imediatamente ele pediu a conta, me levou pra casa e sumiu. Disse por mensagem que não queria uma mulher com defeitos, mas não ligo quem perdeu foi ele.", conta.