A pequena população de Pozuzo fica em plena floresta do Peru, mas a mensagem de boas vindas na entrada da cidade está escrita em alemão.
"Willkommen", diz o aviso no arco comumente fotografado pelos turistas que chegam ali.
Ali se comem linguiças e saladas de batata; se dança a polca ou outras danças típicas europeias.
É que, como afirma o aviso na entrada, Pozuzo se gaba de ser "a única colônia austro-alemã do mundo", um raro foco dessa cultura na América do Sul, que se expandiu para a cidade próxima de Oxapampa e que virou um dos mais peculiares e desconhecidos destinos turísticos do Peru.
Além disso, depois da pandemia de covid-19, a região virou um ímã para forasteiros em busca de tranquilidade e atraído pela exuberância das paisagens.
Um lugar parado no tempo
Para chegar ali é preciso fazer uma viagem de ao menos 12 horas a partir de Lima pela perigosa Rodovia Central, uma via com uma faixa em cada sentido, compartilhada por filheiras de caminhões carregados que rumam lentamente para a cordilheira dos Andes.
Entre os obstáculos a superar está o Ticlio, uma passagem a 4.818 metros acima do nível do mar, onde fica o cruzamento ferroviário mais alto do mundo.
"Até hoje não temos uma boa estrada, o que fez com que este lugar permanecesse meio que congelado no tempo por mais de cem anos", diz à BBC Mundo (serviço em espanhol da BBC) Berenice Alas Richle, promotora de turismo da cidade de Pozuzo.
Foi Ramón Castilla (1797-1867), presidente do Peru em diferentes momentos do século 19, que quis atrair imigrantes europeus ao país. Castilla valorizava o conhecimento europeu sobre técnicas agrícolas especializadas e queria incentivar a produção em áreas florestais peruanas.
Segundo relata Karen Abregú em seu livro Oxapampa, o governo de Castilla firmou com o barão alemão Kuno Damian Schütz von Holzhausen um contrato para criar uma colônia europeia na floresta peruana.
O aristocrata alemão conseguiu atrair ao projeto camponeses e artesãos das regiões do Tirol, Vorarlberg, Renânia, Nassau e Hesse, tanto austríacos quanto alemães que haviam sofrido com o estrago de uma grave crise econômica da época, acompanhada de conflitos sociais e colheitas ruins. Eles se convenceram de que no distante Peru poderiam ganhar a vida honradamente e em paz.
Em 1857, depois de vários adiamentos, um grupo de 304 imigrantes chegou ao porto de El Callao, vindos de uma penosa travessia com várias mortes.
Já no Peru, se depararam com promessas não cumpridas de ajuda oficial e tiveram que abrir caminho por conta própria pelos Andes e pela selva.
Armando Schlaefli, descendente dos colonos e fundador de uma casa-museu dedicada à imigração europeia em Oxapampa, disse à BBC que "aqui eles ganharam a vida à base de trabalho e coragem, dedicando-se à criação de gado e à exploração da madeira".
A cultura resultante é uma exótica mescla entre as tradições europeias importadas pelos colonos e a realidade imposta pela região que acabariam chamando de lar.
Por exemplo, o strudel, típico doce de maçã alemão, ali é comido com plátano (uma fruta irmã da banana), abundante na região.
"O caminho até Oxapampa também foi uma odisseia pela floresta, e eles tiveram que recorrer a alianças com os moradores nativos yanesha para poderem se estabelecer ali", conta Schlaefli.
Em Pozuzo, o reconhecimento ao legado dos primeiros colonos se faz presente nas ruas e praças.
Uma das principais tem uma réplica do cargueiro Norton, embarcação que trouxe à América do Sul os primeiros imigrantes de Pozuzo.
As recordações também sobrevivem entre os habitantes.
"Somos peruanos, mas também temos raízes europeias e contamos nossa história com orgulho porque sabemos tudo o que passaram os que se instalaram aqui primeiro", diz Berenice Alas Richle.
Ela, como muitos outros jovens, pertence a um dos grupos que mantêm vivas as danças trazidas pelos antepassados e que hoje alegram encontros em restaurantes e festivais como o Oktoberfest, a festa alemã da cerveja que também tem uma edição ali.
Tanto ali quanto em Oxapampa, essas tradições também ajudam a alimentar o turismo.
Especialmente ativa é a Associação de Descendentes de Colonos Austro-Alemães e Outros de Origem Europeia, cujos membros se reúnem semanalmente para compartilhar comidas típicas e lembranças de família e discutir iniciativas para manter viva a chama e o nexo da comunidade em Oxapampa — que, maior e menos isolada que Pozuzo, perdeu parte de suas características originais.
Sobre o que mais tem orgulho, ela diz: "Nos ensinaram o valor de cada palavra dita. Meu avô cedia terrenos sem assinar contrato porque, para ele, nenhum [papel] valia mais que a sua palavra". E os esforços para atrair visitantes parecem ter sucesso.
"Depois da pandemia, o turismo cresceu exponencialmente", conta Juan Carlos La Torre, prefeito de Oxapampa. "Muitos se apaixonam pelo lugar e acabam procurando terrenos para comprar e se instalar aqui. São estrangeiros mas também pessoas que vêm de outros lugares do Peru."
O último Censo, de 2017, não abarca o período pós-pandemia nem detecta nenhum aumento expressivo da população, mas todos em Oxapampa falam da chegada de novos vizinhos. O prefeito diz que a frota municipal de caminhões de coleta de lixo já não está dando conta da demanda.
O agente imobiliário Max Heidinger confirma que "faz dois anos que Oxapampa está na moda", e há um interesse crescente em morar ali.
Manfred Einsiedler é um dos que recentemente se instalaram em Oxapampa. Sem parentesco com nenhum dos colonos originais, ele é, aos 72 anos, um novo tipo de imigrante alemão.
Para chegar à casa de madeira que construiu, com uma ladeira verde e frondosa, com vista para os Andes, é preciso andar bastante por uma via não asfaltada, que só os veículos 4x4 sobem com facilidade.
"Nem sei quantos metros quadrados tem a minha casa. A vejo mais como um ponto de observação, e o importante para mim é o que a rodeia: uma natureza linda e o maravilhoso clima da região."
Para ele também a pandemia trouxe uma espécie de oportunidade catártica. O distanciamento social provocado pela covid-19 fez ruir sua empresa de organização de eventos, e ele decidiu reinventar a vida longe de tudo.
Agora, se dedica a aproveitar seu entorno, a cultivar café e abacate, entre outras coisas, apenas com a companhia de um grupo de cachorros que encontrou ali. A mais fiel e barulhenta ele batizou de Kusi — que quer dizer alegria em quéchua, idioma indígena peruano.