O cantor e compositor Raul Seixas (1945-1989) teria completado 80 anos no último sábado (28/6). Dono de clássicos como Ouro de Tolo, Metamorfose Ambulante e Mosca na Sopa, o baiano de Salvador viveu intensamente e nos deixou cedo, aos 44 anos, em decorrência do alcoolismo.
A seguir, confira oito fatos curiosos — e por vezes insólitos — sobre esse ícone do rock brasileiro. A lista inclui histórias com Belchior, uma fantasia envolvendo John Lennon, composições inusitadas no mundo da música brega, um projeto utópico e até um velório fora do comum.
1. Paranoia, cocaína e um segurança faixa preta
Durante o final dos anos 1970, Raul começou a ter surtos paranoicos com frequência, intensificados pelo uso pesado de cocaína.
Caetano Veloso foi pessoalmente visitar o músico em seu apartamento em Copacabana e foi surpreendido por Raul, armado com dois revólveres calibre 38, vivendo sua própria versão de Cowboy Fora da Lei.
Esse episódio foi relatado pelo próprio Caetano em entrevistas e no livro Verdade Tropical. Na época, o apartamento era dividido com dois argentinos: Oscar Rasmussen, que virou parceiro musical no controverso álbum Por quem os sinos dobram, e Hugo Amorrortu, faixa preta em caratê, que acabou se tornando o segurança pessoal de Raul.
2. Uma amizade inventada com John Lennon
Em entrevista ao programa Jô Soares Onze e Meia, em 1989, Raul afirmou ter sido hóspede de John Lennon por quatro dias em Nova York. A história, no entanto, não passava de invenção.
Segundo o próprio Raul, ele teria trocado cartas com Lennon sobre a Sociedade Alternativa e, por isso, recebido o convite para visitá-lo. Na prática, ele e Paulo Coelho chegaram a ir ao edifício Dakota em 1974, mas só conseguiram algumas palavras com Yoko Ono na portaria.
O que parecia uma amizade internacional era apenas mais um devaneio do roqueiro — reforçado por sua capacidade criativa, até na hora de mentir.
3. A rivalidade velada com Belchior
Raul soltou farpas musicais em Eu Também Vou Reclamar, faixa de 1976, criticando os compositores que, segundo ele, viviam de “reclamar” para vender discos.
Embora não mencione nomes, os versos apontam diretamente para Belchior, que cantava as dores do Nordeste em sucessos como Apenas um Rapaz Latino-Americano. Raul ironizou esses temas em versos como Não há galinha em meu quintal.
Belchior, por sua vez, respondeu à altura em Alucinação, onde critica “romances astrais” e exalta “a experiência com coisas reais” — uma clara cutucada nas viagens filosóficas de Raul.
4. Sobreviver compondo músicas românticas
Antes da fama como roqueiro, Raul enfrentou dificuldades no Rio de Janeiro, vivendo em Ipanema, mas sem dinheiro nem para o pão de cada dia. O rock havia perdido espaço para a música de protesto, e Raul estava desempregado.
A solução foi mergulhar no mundo da música brega. Ele compôs para nomes como Jerry Adriani (Doce, Doce Amor), Diana (Ainda Queima a Esperança) e Márcio Greyck (Foi Você) — esta última seria gravada por Roberto Carlos, que desistiu na última hora.
Graças a essas composições, Raul conseguiu sobreviver durante esse período crítico.
5. Entre tapas e beijos com Caetano Veloso
Apesar das diferenças musicais e ideológicas, Raul e Caetano mantinham uma relação curiosa, repleta de ironias e admiração mútua.
Raul zombou do tropicalismo na música Rock n Roll, chamando o Teatro Vila Velha de “velho conceito de moral”. Caetano respondeu anos depois com Rock’n’Raul, elogiando a ironia do colega, mas também criticando sua fixação por símbolos americanos.
Apesar das trocas afiadas, Caetano visitou Raul em momentos difíceis e sempre reconheceu o talento do amigo, citando Ouro de Tolo como uma das melhores canções brasileiras.
6. Esposas e parceiras de composições
Raul foi casado cinco vezes e, com exceção de sua primeira esposa, compôs músicas com todas as demais — mesmo que elas nunca tivessem escrito antes de se relacionar com ele.
Com Glória Vaquer, por exemplo, nasceram faixas como Love is Magick. Tania Barreto foi parceira em Mata Virgem e Pagando Brabo. Já com Kika Seixas, seu relacionamento mais duradouro, vieram músicas como Geração da Luz e Angela, uma das mais tocantes declarações de amor que Raul escreveu.
7. Um sonho chamado Cidade das Estrelas
A Sociedade Alternativa, idealizada por Raul e Paulo Coelho, previa a criação da chamada Cidade das Estrelas, um lugar sem regras onde cada um faria o que quisesse — uma utopia libertária.
Raul chegou a assinar um manifesto anunciando a compra de um terreno em Paraíba do Sul, onde a cidade seria construída. Mas a verdade é que nada havia sido comprado. Não existia casa, nem estrada, nem nada.
O projeto virou lenda, reforçada pela repressão da ditadura, que perseguiu Raul e torturou Paulo Coelho por associarem-se a esse ideal “perigoso”.
8. O enterro mais maluco do Brasil
Quando Raul morreu, em 21 de agosto de 1989, Salvador parou. A missa foi invadida por fãs em transe, gritando “Viva a Sociedade Alternativa!” e tentando, literalmente, tirar Raul do caixão.
A ideia era levá-lo para uma última festa, regada a bebida, cigarro e rock’n’roll. O amigo Marcelo Nova teve que conter a multidão e impedir que a cena mais surreal da música brasileira se concretizasse.
O vidro do caixão foi quebrado, mas o corpo não foi arrastado até o bar, como pretendiam. Mesmo morto, Raul ainda era o protagonista de histórias inacreditáveis.