Em pleno Oceano Índico, a aproximadamente 1.200 km do território continental da Índia, existe uma das sociedades mais enigmáticas do planeta. Os moradores da Ilha Sentinela do Norte vivem isolados há milênios, e praticamente nada se sabe sobre seu modo de vida, costumes ou mesmo o idioma que falam. Estimativas apontam que a população local varia entre 50 e 200 pessoas, mas o número exato permanece um mistério.
TENTATIVAS DE CONTATO
A curiosidade de estrangeiros tem provocado situações perigosas e preocupantes para os povos originários da ilha. Um dos episódios mais recentes ocorreu em 31 de março, quando o norte-americano Mykhailo Viktorovych Polyakov, de 24 anos, desembarcou ilegalmente na ilha. Durante sua breve incursão, ele registrou imagens da jornada e deixou itens como um coco e uma lata de refrigerante na praia. Por conta da legislação indiana que proíbe o acesso à ilha desde 1956, ele foi detido pelas autoridades locais.
"Os influenciadores são vistos como uma ameaça crescente a esse povo indígena isolada", declarou à BBC Mundo a jornalista Janhavee Moole, da BBC Marathi, em Mumbai.
REAÇÕES INTERNACIONAIS
Organizações de defesa dos direitos indígenas, como a Survival International, alertam para os riscos associados a essas invasões. A entidade classificou o ato do turista como “profundamente perturbador”, ressaltando o perigo tanto para ele quanto para os habitantes da ilha. Segundo a ONG, visitantes podem introduzir doenças fatais em uma população sem imunidade a vírus comuns.
A mesma preocupação foi reforçada pelas autoridades americanas, que se pronunciaram afirmando que estão cientes do episódio e que pretendem “monitorar de perto a situação”.
HOSTILIDADE COMO AUTODEFESA
A ilha tem um histórico de rechaçar veementemente qualquer tentativa de aproximação. Em 1974, um cineasta da National Geographic foi ferido por uma flecha em chamas. Em 2018, o missionário John Allen Chau foi morto ao tentar evangelizar os Sentinelenses. Relatos apontam que ele teria subornado pescadores para alcançar a ilha. “Os Sentinelenses são conhecidos por sua hostilidade contra qualquer estrangeiro. Eles tendem a evitar qualquer tentativa de contato e, em algumas ocasiões, responderam com força letal”, reforça Janhavee Moole.
PRESERVAÇÃO OU AMEAÇA?
A Ilha Sentinela do Norte pertence ao arquipélago de Andaman e Nicobar, região que abriga outros povos indígenas vulneráveis, como os Jarawa. Desde 1991, quando antropólogos tentaram entregar presentes e interagir por linguagem de sinais — sem sucesso —, o governo indiano suspendeu qualquer nova tentativa de aproximação.
Após o tsunami de 2004, helicópteros foram enviados para verificar a sobrevivência dos habitantes. Em resposta, os indígenas dispararam flechas contra as aeronaves.
A localização das ilhas também chama atenção do ponto de vista geoestratégico. Situadas na Baía de Bengala, próximas a rotas comerciais internacionais, elas integram os planos da Índia para a construção de um porto de transbordo de contêineres. Especialistas alertam que iniciativas como essa podem comprometer definitivamente o modo de vida dos Sentinelenses.
UM RISCO INVISÍVEL
O maior perigo, no entanto, talvez não esteja nos projetos de infraestrutura, mas nas doenças trazidas por visitantes. Como vivem isolados há dezenas de milhares de anos, é provável que os Sentinelenses não tenham defesas contra vírus como o da gripe ou do sarampo. Daí a proibição legal de aproximação e o monitoramento constante realizado pela guarda costeira indiana.
"Aproximar-se deles pode ser fatal, já que eles geralmente não recebem pessoas de fora e já demonstraram hostilidade contra qualquer um que se aproxime no passado", reforça Moole.
As vozes de especialistas, ativistas e até governos convergem para um ponto em comum: é preciso respeitar o isolamento desse povo. E, mais do que isso, compreender que, para eles, o maior gesto de humanidade pode ser o silêncio da distância.