Com queda de credibilidade,Facebook tem crescente desgaste interno

O CEO é dono de 60% da empresa e preside Conselho de Administração

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O Facebook caminha para encerrar o ano de 2018 mergulhado nos mais diversos escândalos e em uma crise de credibilidade sem precedentes. Mas o principal inimigo da rede social, neste momento, talvez esteja dentro de casa, onde há deterioração nas relações dos principais executivos diante da pressão externa. Um desgaste que ocorre em um cenário no qual Mark Zuckerberg mantém amplo domínio. O CEO é dono de 60% da empresa e preside o Conselho de Administração. 

É verdade que os resultados do terceiro trimestre (receita US$ 13,73, alta de 33% em relação ao mesmo período do ano passado) indicam que a companhia liderada pelo bilionário Zuckerberg deve ingressar em 2019 com crescimento financeiro (em 2017, a receita total foi de US$ 40 bilhões) e, ao lado do Google, dominando amplamente o mercado de publicidade digital. Os números, porém, inclusive de audiência, representam desaceleração nos negócios da rede social.

A curva decrescente junta-se às queixas de investidores, ao avanço da concorrência, às críticas dos anunciantes, à ação de governos por mais regulação e à cobrança das sociedades por soluções de problemas que persistem, enquanto as promessas não cumpridas se acumulam. As complicações alimentam e aumentam a crise de gerenciamento dentro da companhia, que aos poucos mais ficando em mais evidência.

Primeiros desentendimentos

Na semana passada, após o estrago feito pela descoberta, publicada pelo The New York Times, de que o Facebook havia contratado a Definers Public Affairs para atacar e desqualificar críticos e concorrentes da rede social, o ex-chefe de comunicação, Elliot Schrage, assumiu a culpa pela contratação e atuação da empresa de marketing político. A afirmação, mesmo que verdadeira, foi vista por analistas como uma tentativa de aliviar a pressão em relação à chefe de operações da empresa, Sheryl Sandberg, que está no centro dos escândalos ao lado Zuckerberg, e de má administração da empresa. A área de comunicação é subordinada à executiva.

Em resposta, o CEO do Facebook voltou a negar a possibilidade de deixar a presidência do conselho da empresa e defendeu a permanência de Sheryl no cargo. Essa convicção, ou estratégia, vem se repetindo desde o começo da crise interna, iniciada em 2016 e agravada em 2017, e, depois, neste ano, exposta ao público em geral a partir do caso do vazamento de dados de usuários via Cambridge Analytica. Nesse período, muitas das relações no Facebook começaram a derreter.

A chefe de operações da empresa, conforme relatou o The New York Times, se desentendeu com o agora ex-chefe de segurança da rede social, Alex Stamos. A briga começou quando um funcionário do Facebook especializado em ciberguerra russa identificou atividades suspeitas e comunicou a Stamos, que iniciou uma investigação e informou superiores, mas o Facebook não fez qualquer alerta sobre a ação russa durante a campanha.

O The New York Times afirma que Stamos, alarmado diante do que parecia ser um desconhecimento do chefe a respeito das descobertas de sua equipe, procurou Zuckerberg e a executiva operacional da empresa. Na ocasião, Sheryl disse a Stamos que, ao investigar a atividade russa sem aprovação, ele havia deixado a empresa "exposta legalmente". 

Em determinado momento, quando Stamos informou aos membros do conselho de direção da companhia que o Facebook ainda não havia contido a infestação russa, Sheryl afirmou que ele havia levado ela e Zuckerberg a um “humilhante” interrogatório pelo conselho de direção. A executiva teria gritado: “Você nos atirou aos leões!”.

“Maculada”

Agora, a liderança de Sheryl está ainda mais fragilizada, enquanto sua autoridade dentro da empresa é minada. Alguns funcionários, relatou a Bloomberg, que antes idolatravam a executiva, agora a culpam pelos problemas do Facebook. Atuais e ex-colaboradores a acusam de ter se isolado – cercada apenas por pessoas de confiança que filtram as más notícias – e de não ter abordado os problemas com a rapidez suficiente, evitando tratá-los como questões importantes e oportunidades de mudança real.

A partir de agora, "ela sempre vai ficar maculada", disse um funcionário do Facebook após a publicação da reportagem do The New York Times na semana passada. O desgaste para as relações externas da empresa é inquestionável. "Muitos dos problemas mais urgentes são da responsabilidade de Sheryl", disse Brian Wieser, analista do Pivotal Research Group. "Colocar a culpa nela seria um caminho conveniente para eles [governos que pressionam o Facebook por conta dos seus problemas, considerado uma ameaça às democracias]."

Ao mesmo tempo, com a decisão de Zuckerberg de proteger Sheryl, a executiva parece ter ganho tempo para mudar a maneira como trabalha – considerada agressiva demais – e tentar desfazer os danos à empresa, disse a Bloomberg. Ela já estaria em ação, alterando sua abordagem, mudando os conselheiros e criando uma equipe de "resposta estratégica" para acelerar e antecipar sua reação a problemas que podem se transformar na próxima crise da empresa.

Marketing

Mas o Facebook continua com enormes dificuldades para resolver os estragos passados, bem como os que se apresentam quase todos os dias. As soluções encontradas parecem mais focadas em blindar a imagem da empresa. É o caso de uma medida, comandada por Sheryl, para combater notícias falsas nos processos eleitorais de diferentes países: a sala de guerra. A iniciativa, que ganhou marketing especial por parte da rede social, revelou ser, no entendimento de muitos especialistas, apenas mais uma ação de relações públicas, sem foco real na solução do problema da desinformação propagada na rede.

Quando a sala foi lançada, o Facebook disse que ela poderia ser usada para futuras eleições. Mas foi desfeita e a equipe dissolvida, segundo a Bloomberg. A mudança, garante a empresa, é apenas temporária. "O nosso esforço na sala de guerra é especificamente focado em questões relacionadas com eleições; ela foi concebida para responder rapidamente a ameaças como esforços de supressão de eleitores e desinformação cívica", disse um porta-voz do Facebook ao site Fast Company.

A empresa também comemorou o que considerou ser um resultado bem-sucedido nas eleições deste ano nos Estados Unidos e no Brasil, quando os dois pleitos foram marcados por uma enxurrada de desinformação e ódio. No caso brasileiro, também via WhatsApp, aplicativo de mensagens do Facebook.

Êxodo e tensão

As relações e a forma como alguns dos principais executivos saíram do Facebook insinuam que a gestão do grupo está mesmo prejudicada. Em setembro, os cofundadores do Instagram, o norte-americano Kevin Systrom e o brasileiro Mike Krieger, decidiram deixar a empresa, comprada pelo Facebook há seis anos, após as crescentes tensões com Zuckerberg sob que direção deve ser seguida para o futuro do aplicativo de compartilhamento de fotos, informou o The New York Times. Antes deles, no ano passado, Palmer Luckey, fundador da Oculus VR, também deixou a companhia.

Brian Acton e Jan Koum, cofundadores do WhatsApp, por sua vez, se retiraram do Facebook alguns meses atrás. A rede social adquiriu deles o aplicativo de mensagens por US$ 22 bilhões, em 2014. Recentemente, em entrevista à revista Forbes, Acton disse ter entrado em choque com Zuckerberg e Sheryl Sandberg sobre questões que variavam da proteção de dados e privacidade de usuários à introdução de publicidade direcionada no app. "Eles são profissionais de negócios, e são bons profissionais de negócios", disse Acton. "Mas representam um conjunto de práticas de negócios, princípios e ética com o qual não necessariamente concordo", continuou. "Vendi a privacidade de meus usuários por um benefício maior. Fiz uma escolha e aceitei um compromisso. E vivo com isso todos os dias".

As declarações provocaram um rompante incomum em um dos mais próximos subordinados de Mark Zuckerberg, David Marcus, antigo comandante do Facebook Messenger e agora encarregado da equipe de pesquisa de blockchain, segundo o Financial Times. Marcus postou na rede social que a versão dos acontecimentos relatada por Acton "difere muito da realidade que testemunhei em primeira mão", e acusou o cofundador do WhatsApp de "agressão passiva" e de "falta de classe".

Ele negou que Zuckerberg tenha buscado comprometer a privacidade dos usuários do WhatsApp ao postar publicidade no site ou recolher dados sobre eles. "Mark protegeu o WhatsApp por um período muito longo", disse Marcus. "Pode me chamar de antiquado. Mas acho falta de classe atacar as pessoas e a empresa que o tornaram bilionário, e que fizeram mais do que qualquer um faria para protegê-lo e acomodá-lo, por anos. Na verdade, ele estabeleceu um novo patamar para a falta de classe".

Acton não rebateu o ataque de Marcus, mas em sua entrevista à revista Forbes já parecia estar respondendo a esse tipo de crítica, relatou o Financial Times em reportagem publicada no Brasil pela Folha de S.Paulo. "Em última análise, eu vendi minha companhia", disse. "Sou um vendido. Tenho de admitir".

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