Quem nunca usou metade da cebola para fazer uma receita e guardou a outra metade cortada na geladeira, para usar depois? Pois uma mensagem que voltou a circular com frequência na internet condena essa prática comum, com argumentos assustadores. Uma leitora do MonitoR7 recebeu a mensagem e pediu que as informações fossem checadas.
A mensagem que recebemos tem um vídeo de aproximadamente cinco minutos, ilustrado com a foto de uma cebola inteira e uma metade cortada. Uma voz feminina começa dizendo que já sabia que "cebola cortada que se coloca na geladeira é veneno", mas não sabia porque. Depois, ela diz que recebeu um artigo, que permitiu que ela descobrisse o motivo. E, por isso, ela achou importante compartilhar.
A mulher aparenta ler o artigo, que conta a história de um médico que teria conhecido uma família de fazendeiros em 1919, no auge de uma pandemia do vírus Influenza. Ela se refere à chamada "gripe espanhola" que se estima ter infectado mais de 500 milhões de pessoas e provocado a morte de pelo menos 40 milhões, como se diz no vídeo e está descrito em livros.
A família citada na história não teria sido infectada e estava muito bem, diferentemente do que ocorria nas outras fazendas da região. Isso fez o médico perguntar como eles se protegiam. A proteção seria explicada pelas cebolas cortadas, com casca, espalhadas pelos cômodos da casa.
O médico teria analisado uma das cebolas em um microscópio e identificado o "vírus da gripe". Segundo a voz que narra a história, o médico teria concluído que "as cebolas, obviamente, absorveram todas as bactérias".
A mulher ainda diz que teria enviado o artigo para um amigo, que havia repetido a experiência após ser acometido por pneumonia. O indivíduo diz ter colocado uma cebola cortada ao seu lado enquanto dormia e que de manhã teria acordado melhor, enquanto a cebola estava preta.
O vídeo reforça então que "não devemos comer uma cebola cortada que fica descansando por um tempo", pois os restos seriam "venenosos". A mulher afirma ainda que quando alguém é atendido com intoxicação alimentar, "a primeira coisa que as autoridades procuram é se a vítima comeu cebola".
A mensagem parece ter a boa intenção de prestar um serviço. Mas, já de início, tem uma série de problemas. Ela não traz nenhuma informação sobre os personagens da história(nomes, localização, características da região) e tem alguns erros básicos.
Por exemplo, teria sido impossível para o médico identificar o vírus da gripe na cebola examinada, usando um microscópio comum. E se imagina que um médico em uma fazenda, em 1919, não disporia de um microscópio eletrônico de varredura, essencial para se ver um organismo tão pequeno quanto um vírus.
Além disso, a mensagem afirma que a descoberta do vírus da gripe na cebola teria feito o médico concluir que o vegetal "absorve todas as bactérias". O médico precisaria ter uma grande deficiência de formação científica para concluir isso, porque vírus e bactérias são organismos completamente diferentes.
Mesmo com estes problemas, consultamos especialistas para avaliar as duas principais afirmações contidas na mensagem. Que a cebola cortada se torna um veneno e não deve ser consumida e que, por "absorver as bactérias", as cebolas cortadas poderiam ser usadas na prevenção de doenças, ao serem espalhadas pelos cômodos de uma casa.
Segundo Adriane Antunes, que comanda o curso de Nutrição da Faculdade de Ciências Aplicadas da UNICAMP, as cebolas, assim como qualquer hortaliça ou tempero, não têm qualquer propriedade particular de atrair bactérias. "Como seria feita essa atração? Com efeito de imã? Puxando ou sugando a bactéria? Não faz sentido", afirma Antunes
O que pode acontecer, de acordo com a professora, é o depósito de micróbios sobre a cebola, "seja porque alguém espirrou sobre, seja porque os microrganismos estão flutuando no ar, seja porque eles foram manipulados ou lavados com água contaminada".
As cebolas, portanto, não atraem bactérias(ou mesmo vírus), evitando que os humanos presentes no mesmo ambiente se contaminem. Uma conclusão que é reforçada por José Tadeu Colares Monteiro, pneumologista e coordenador da Comissão Científica de Infecções da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT). Ele afirma que "não existem evidências científicas que mostrem que a absorção de vírus ou bactérias do ambiente faça parte do tratamento" - como é dito no áudio.
Além disso, Monteiro afirma que há um risco em colocar cebolas cortadas ao lado da cama. Ele explica que "qualquer composto orgânico em decomposição pode desencadear reações alérgicas irritantes à via aérea pelos odores fortes que são liberados".
Também ouvimos a doutora Adriana Antunes sobre a questão da toxicidade da cebola depois de cortada. Segundo a cientista, especializada em Nutrição, as cebolas não se tornam venenosas, mas elas se degradam com o tempo. Como qualquer produto orgânico e, portanto, qualquer alimento natural.
A degradação leva ao apodrecimento, quando os produtos orgânicos liberam substâncias tóxicas. Justamente o fenômeno citado pelo pneumologista que ouvimos e que faz com que não seja indicado espalhar cebolas cortadas pelos ambientes da sua casa.
O apodrecimento de alimentos, especialmente frutas, verduras e legumes é algo que qualquer pessoa que lide com alimentos no dia-a-dia conhece e normalmente sabe identificar. No caso da cebola, Adriana Antunes aconselha que, depois de cortada, ela seja consumida em até dois dias.
Também não é verdade que sempre que uma pessoa é atendida com intoxicação alimentar a primeira verificação é se a pessoa comeu cebola. Na verdade, os médico perguntam o que, quando e onde a pessoa comeu, para descobrir a fonte da contaminação. A cebola não tem nenhuma atenção especial nessa situação.
Mas há pelo menos um alerta importante na mensagem que circula na internet e que deve ser levado em consideração. Cachorros realmente não devem consumir cebola e nem alho, em grandes quantidades. Estes alimentos possuem uma substância chamada alicina, que pode provocar um tipo de anemia nestes animais.
Essa mensagem está circulando atualmente nos grupos, mas já foi distribuída e também publicada em redes sociais em outros anos. É uma mensagem recorrente, com a maior parte das informações falsas, que podem induzir as pessoas a procedimentos incorretos e até perigosos.