Alunos têm de ingerir fezes e vômito em trotes da Faculdade de Medicina

Os calouros também não podem usar o elevador e não podem entrar no único restaurante do campus, que fica dentro do prédio onde funciona a atlética.

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Os alunos da faculdade de medicina da PUC-SP – unidade Sorocaba, no interior de São Paulo – são obrigados a ingerir fezes aquosas, vômito e urina misturados com pimenta, produtos de limpeza e ovos durante os trotes cometidos por veteranos. As práticas foram relatadas em um documento entregue na tarde desta quarta (14) pelo estudante Rodolfo Furlan Damiano, de 22 anos, ao deputado Adriano Diogo (PT), presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga as violações de direitos humanos nas universidades.

Calouro em 2012, Damiano disse que os trotes da Faculdade de Medicina na PUC se dividem em dois grupos: o primeiro acontece dentro do campus e é mais ameno, com duração de três meses. Nessa modalidade, os calouros homens são obrigados a manter o cabelo raspado, as meninas não podem usar assessórios (como brincos, anéis, pulseiras e colares) e ambos têm de usar camisetas iguais no tamanho GG vendidas na atlética por R$ 200 - chamado de kit bixo. Os calouros também não podem usar o elevador e não podem entrar no único restaurante do campus, que fica dentro do prédio onde funciona a atlética.

“Esse é o trote mínimo, do qual 99% dos alunos participam. Para não ser agredido verbal e fisicamente, o aluno acaba se submetendo a isso. Essas práticas duram três meses, do começo do ano letivo até o dia 13 de maio [data em que se comemora a abolição da escravidão], quando os 'bixos' são libertos”, diz.

A segunda modalidade de trote, a pior, acontece dentro das repúblicas (moradias de alunos). Nesses casos, relatou Damiano, os estudantes são obrigados a ingerir fezes líquidas, vômito, urina e álcool, além de serem agredidos, ameaçados e obrigados a pedir dinheiro nas ruas. Os veteranos ainda jogam os novatos em piscinas, mesmo no inverno, e os forçam a correr pelados no campus, nas festas e até na rua.

“Eles urinam na cabeça das pessoas. Pegam o vômito diretamente da privada e dão para o outro beber. Dizem que isso serve para construir uma amizade, para que um confie no outro. As drogas também são muito presentes. A mais usada é a anfetamina, que é diluída na bebida de todo mundo. Mas tem cocaína também”, disse ele.

Grupo de Apoio ao Primeiroanista (GAP)

Essas e outras práticas foram compiladas em rum relatório de cem páginas produzido por Damiano com base em relatos dos estudantes que também fazem parte do GAP (Grupo de Apoio ao Primeiroanista), fundado por ele em 2013 para acolher os novatos e inibir as ações de trote. Em seu primeiro ano, 48 alunos dos 100 alunos que ingressaram no curso participaram das reuniões semanais do grupo. Do total, 25 ficaram até o fim do ano. A iniciativa foi apoiada pela PUC, que cedeu o espaço e proveu apoio de uma psicóloga para acompanhar o grupo.

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“75% dos alunos procuraram o GAP por causo do trote, o que acabou gerando briga com a Atlética. Daí, como os membros do grupo se sentiram ameaçados, tivemos de fazer essas reuniões fora do campus”.

O documento produzido pelos alunos foi entregue ainda em 2013 à reitoria, à vice-reitoria e à direção da faculdade, mas Damiano disse que ainda não recebeu resposta.

Hierarquia de poder

Em seu relato, Damiano também chamou atenção para o esforço coletivo em proteger os agressores. “O trote é um movimento capaz de esconder, subverter e vangloriar o agressor em detrimento da vítima. O agressor é escondido pelos amigos. Essa é a principal e mais cruel característica do trote, porque é capaz de mudar a realidade e transformá-la em esquizofrenia”.

Morando nos Estados Unidos por causa de um intercâmbio, Damiano prestou depoimento pela internet e comparou a realidade daquele país com a do Brasil. “Aqui no EUA, a vítima tem muito mais razão do que o agressor”.

Presente na reunião desta quarta (14), o sociólogo Antônio Ribeiro de Almeida Jr, professor da Esalq-USP (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz) e autor de três livros sobre o tema, disse esperar que, a partir da repercussão da CPI, as universidades aceitem que os trotes são bárbaros e inaceitáveis.

“Não se pode aceitar nenhum tipo de trote porque é uma violência, mesmo quando é o dito solidário, porque isso também é uma forma de violência. O calouro é quem vai doar sangue ou fazer um trabalho de assistência”.

CPI do trote

A CPI foi instaurada em dezembro do ano passado e, na audiência desta quarta (14), ouviu cinco estudantes. Ao todo, a CPI já ouviu 27 alunos. Na tarde desta quinta (15), os deputados tomarão o depoimento de José Otavio Costa Auler Junior, diretor da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e Edmund Chada Baracat, presidente da Comissão de Graduação da Faculdade de Medicina da USP.  Denúncias feitas por estudantes da FMUSP motivaram a abertura da CPI.

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A comissão tem até o dia 15 de março – quando termina a atual legislatura e os congressistas eleitos tomam posse – para encerrar as investigações. Adriano Diogo diz que o tempo é insuficiente e pede para que os eleitos não deixem de continuar as investigações. Diogo não foi reeleito para a próxima legislatura.

“As conclusões que estamos tendo são tristes e dolorosas. Eles estão falando com coragem e discernimento. Mas eu tenho a filosofia de que estou fazendo a minha parte para trazer a público o que acontece. Mas a mudança é em longo prazo e não dá para terminar as investigações até o dia 15 de março. Isso é só o índice”, disse o deputado.

Outro lado

Em nota, a PUC informou que repudia a violência no trote e que as práticas não podem ser consideradas brincadeiras. "São antes agressões de aspecto físico e moral, condutas inaceitáveis por membros de nossa comunidade".

A universidade informou também que em 2013 e 2014 não recebeu denúncias de trote e que o documento citado por Damiano tinha informações referentes ao passado.

"Todas as acusações anteriores foram apuradas e as devidas providências foram tomadas – inclusive com a expulsão de alunos que comprovadamente agiram de forma irresponsável".

A instituição reitera que adotou medidas preventivas que estão dando resultado. Entre as ações, a universidade destaca: "reunião prévia com todas as entidades representativas de alunos para tratar da acolhida dos novos estudantes; revisão do manual dos calouros; programa na semana de recepção dos calouros com a presença dos representantes discentes; reunião com pais de graduandos; divulgação dos canais de atendimento e denúncia à disposição da comunidade".

Informou ainda que proibiu a venda do Kit Bixo e que vai "reportar eventuais abusos e as ações programadas pela PUC-SP para a chegada dos novos alunos em 2015", pedido do deputado Adriano Diogo.

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