Advogada cearense dribla morte e ressuscita após 45 minutos

Ela conta sobre a sua experiência de vida e além-morte

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“Antes do meu nascimento, minha família já enorme e era bem movimentada. Eu já tinha quatro irmãos do primeiro casamento do meu pai e um do primeiro casamento da minha mãe. Sou a sexta filha e não parou por aí. Minha mãe já tem mais duas meninas do seu terceiro marido. Venho de uma família grande, aninada e muito amorosa. Vivemos em Fortaleza, no Ceará.

Já nasci tendo que superar dificuldades. Faltando 48 horas para o meu nascimento, tudo estava bem. Até que a minha mãe pediu a seu médico que refizesse os exames, pois pressentia que algo de errado acontecia. E, faltando menos de dois dias, o médico comprovou que ela estava certa: havia algo de diferente, mas eles ainda não sabiam ao certo o que era. No dia 15 de maio de 1991, nasci e uma apreensão fora do normal tomou conta da minha família. ‘Será que ela vem com alguma síndrome? Será que tem alguma má formação?’, todos se perguntavam. E, para a surpresa geral, nasci normal e ninguém entendeu nada.

Os meses foram se passando e os meus pais começaram a notar que eu não tinha equilíbrio para me sentar sozinha. Depois, notaram que eu não conseguia engatinhar como a maioria dos bebês, muito menos andar. E foi aí que começamos a nossa primeira batalha, que era buscar um diagnóstico. Íamos a todos os médicos possíveis e ninguém tinha uma resposta. Alguns chegaram a dizer que eu não duraria nem dias ou semanas, para total desespero da minha família. 

Outros sugeriam tratamentos, medicações e nada adiantava. Passamos os três primeiros anos da minha vida assim, cada dia aproveitando o máximo, porque ninguém sabia como seria o futuro. Isso era uma tortura para toda a família que, sempre que me via, se despedia, pois achavam que seria a última vez.

Até que estava com três anos de idade, quando minha mãe foi ao dentista e percebeu, pela foto no porta-retrato, que o filho da doutora era um pouco diferente das outras crianças, assim como eu. A mãe do menino nos contou que ele era tratado na USP, em São Paulo. Então, pegamos o contato dos médicos enviamos meu exames para o diretor de ortopedia da USP, que pediu para irmos ao seu encontro imediatamente. Minha mãe me conta que, quando chegamos lá, tinha uma equipe médica enorme, de várias especialidades, à minha espera porque já suspeitavam o que era.

Depois de alguns dias, veio o resultado genético: sou portadora de uma síndrome raríssima, chamada ‘Displasia Espondilo Metafisária com Frouxidão Ligamentar’, que é uma doença de descendestes alemães da África do Sul. Só Deus sabe de onde veio esse gene! Não tenho ascendentes nesses países, pelo menos não que eu saiba. Só sabíamos mesmo que era uma síndrome rara, com poucos históricos e casos no mundo. Mesmo para os próprios médicos era tudo muito novo. E, se eles pareciam assustados, imagina nós... Eu era só uma criança, mas já sentia o clima tenso pairando no ar.

Imediatamente, tive que me submeter a três cirurgias na coluna, para que eu pudesse, ao menos, me sentar sozinha. Voltei para Fortaleza, minha cidade, toda engessada, mas já sentando. Hoje, vendo as fotos, brinco dizendo que eu mais parecia uma minimúmia, com o corpo todo enfaixado. Os médicos pediram aos meus pais que comprassem uma cadeira de rodas para eu me locomover, já que que andar seria totalmente impossível para mim.

Mas, na verdade, essa palavra nunca existiu no nosso vocabulário, somos uma família de muita fé e determinação! Depois de alguns meses, retirei o gesso, fui ao médico e ele não acreditou no que viu: saí do seu consultório dando os meus primeiros passinhos, toda faceira. Minha família chorou de emoção e eu era só sorrisos. Comecei, então, a andar, para surpresa de todos. E como eu tinha total capacidade para estudar, quando eu tinha cinco, seis anos, começamos uma outra grande batalha, que era me incluir em uma escola, pois fui rejeitada em todas as públicas e particulares que procuramos. Eles alegavam, na época, que não sabiam como lidar com alguém tão ‘diferente dos padrões’ e não queriam se responsabilizar, caso algo acontecesse comigo. Minha aparência era frágil demais e eu era bem menor que as outras crianças.

Então, entrou um anjo na minha vida chamada Sandra Régia, que lecionava onde os meus irmãos estudavam e já acompanhava a nossa luta e todas as rejeições que eu vinha sofrendo. Ela conversou com as diretoras e falou que podiam me aceitar, pois ela se responsabilizaria por mim. A escola, então, pediu para a minha família contratar uma pessoa que ficasse o tempo todo perto de mim, para caso eu precisasse de algo. Por conta dessa linda atitude da professora Sandra, nós vencemos mais uma batalha de inclusão e eu sou eternamente grata a ela. Só assim pude começar a estudar e ter uma vida normal, como as outras crianças da minha idade. A escola aprendeu junto comigo a ter alguém ‘diferente’ ali entre eles e vou dizer que fácil não foi, mas impossível também não era.

Ali, fiz tudo que tinha vontade de fazer, pois sempre fui muito desinibida e comunicativa. Meus pais me criaram assim, para o mundo, para ser independente. Então, eu me metia em tudo. Fiz teatro, balé, jazz, coral, apresentava os trabalhos da turma e era a líder da minha sala. O que pintava eu fazia, mas sempre respeitando os meus limites, é claro.

Quando estava com 10 anos, meus pais se divorciaram e eu fui morar com meu pai. Aos 14, no auge da adolescência, fiquei meio rebelde e comecei a esquecer dos estudos. Pensava mais nos amigos, nas paqueras, nas saídas, como qualquer pessoa da minha idade. Acabei repetindo de ano e achei melhor mudar de escola, mesmo sabendo que seria outro grande desafio. Nessa época, já tinha o tamanho que tenho hoje: 1 metro e cinco centímetros. Não cresci mais que isso. Depois de algumas semanas na nova escola, eu já estava totalmente inserida, superenturmada e já era líder da turma de novo. Sempre tive muita facilidade em fazer novas amizades. E adoro isso!

Quando chegou a época de prestar o vestibular, escolhi cursar Direito, em uma das maiores universidades daqui de Fortaleza. Mais uma vez, muitos não acreditavam que eu entraria. Não só passei, como fiquei numa ótima colocação. Já no primeiro período da faculdade, de tanto ver o meu pai me buscar tarde, decidi tirar minha carteira de motorista. Na hora, ele se espantou, mas sua resposta foi a mais fofa possível: ‘Vamos para mais uma batalha, e estou com você’! O restante da minha família achava que dirigir não era pra mim por eu ser pequena demais, mas todos sabem que eu não desisto fácil de nada e, para o espanto de todos, fiz todas as provas e passei de primeira.

Com o meu carro adaptado, a minha independência só aumentou. Desde então, vou a todos os lugares que quero: viajo, namoro, vou fazer meu crossfit, meu stand up paddle... Vida normal! Todos os dias tenho que passar por vários obstáculos por conta da sociedade, que além de não ser inclusiva, não está ainda acessível a todos. Por superar tudo isso com leveza, minha vida começou a ser seguida e acompanhada nas redes sociais, como exemplo de superação. Então, há quase cinco anos, decidi dar palestras motivacionais contando a minha história.

Tudo corria bem na minha vida, até surgir mais uma batalha -- talvez a maior da minha vida! Já sabia há alguns anos que tinha um problema em uma das válvulas do meu coração, que me fazia cansar muito rápido em qualquer atividade e, nos últimos tempos, sentia que as medicações não estavam mais adiantando. Até que um dia, senti uma dor e fui para o hospital. Era um princípio de ataque cardíaco. Fiquei em choque! Depois de alguns exames, disseram que a única solução era fazer a cirurgia para botar uma válvula artificial no meu coração. Dia cinco de outubro de 2016, dia da minha cirurgia, foi a data em que se iniciou minha grande batalha pela vida.

Entrei na sala de cirurgia muito confiante. Os médicos diziam que, no máximo em quinze dias, eu já estaria em casa. Mas não foi bem assim. Passei 129 dias internada, mais de quatro messes de muitas provações. Logo após a operação, fui para a UTI me recuperar e quando tentaram me desentubar, os médicos descobriram que eu não tinha mais capacidade respiratória para sair do ventilador mecânico. Me recordo que, em apenas um dia, cheguei a ter 17 paradas cardiorrespiratórias. Fui entubada várias vezes, fui traqueostomizada acordada sem anestesia, um horror! Ainda tive uma grande hemorragia e perdi todo o meu sangue.

Vi a morte de perto diversas vezes. Lembro que minha barriga doía muito e eu segurava a mão da minha irmã mais velha, enquanto vomitava sangue. Foi quando ela me olhou e falou: ‘Você acredita em Deus?’. Prontamente, respondi que sim. E ela continuou: ‘Pois suplica, minha irmã, porque só Ele pode te salvar!’. Naquele momento, eu supliquei alto, pedi socorro, não queria morrer. Então, depois de alguns segundos, milagrosamente, o sangue da hemorragia estancou.

Mas, minha saga hospitalar não parou por aí não. Dias depois, peguei uma bactéria rara e tão resistente, que tive mais uma parada cardiorrespiratória. Aliás, foi nesse fatídico dia que fui a óbito. Hoje, brinco dizendo que até a morte eu consegui driblar, pois cheguei a ser considerada morta pelos médicos, já que o meu coração ficou 45 minutos sem bater. Pediram até para chamar o padre da paróquia vizinha ao hospital para fazer a minha extrema unção. Fui totalmente desenganada pela equipe médica que me acompanhava. Foi uma gritaria total e desespero naquele hospital.

Mas, depois de 45 minutos, eu retornei à vida. Um dos médicos, aqueles anjos em forma de gente, não desistiu de mim e lutou bravamente pela minha vida. Os outros se retiraram do local, mas ele continuou tentando me ressuscitar e não parou de fazer a massagem cardíaca. Ninguém acreditava! Minha família, que já estava avisando a todos que eu havia falecido, quase enfartou com a notícia. Sou mesmo um milagre vivo!

Depois de mais alguns dias na UTI, acordei. Ainda estava na sala de isolamento e, aos poucos, fui lembrando da minha experiência além morte. Me recordo que eu vi um corredor enorme e lá no fundo havia uma luz branca e muito intensa com uma sombra, mas eu não conseguia chegar até aquela luz. Estava no meio do caminho. Mas antes de chegar ao outro lado não, meu coração voltou a bater. Me sinto como uma fênix!

O período de recuperação não foi nada fácil. Nunca pensei que ficaria tão debilitada. Descobri na pele o que é depressão. Parecia que nada mais fazia sentido. Estava exausta, já não queria mais lutar, sorrir, apenas chorava. Ao mesmo tempo, estava viva e era grata por isso! Então, voltei a me animar. Muitos amigos e toda a minha família iam me visitar. Me sentia muito amada, o que foi crucial para minha recuperação. Todos faziam de tudo para estar comigo, para me animar. E, aos poucos, fui saindo da depressão.

Até que, depois de completar um mês naquela UTI, finalmente, fui para um quarto. E comecei a me recuperar novamente, mas agora com muito mais força para lutar. As visitas só aumentavam, minha resistência respiratória só melhorava. Me lembro que recebia tantas visitas, que chegava a tumultuar o hospital. Era fila de gente querendo me ver, me escrevendo, me ligando. Nunca imaginei ser tão amada assim. Eram amigos das escolas em que eu tinha estudado, da faculdade, das baladas... Algumas pessoas conhecidas em Fortaleza, como cantores de forró, apresentadores, jornalistas conhecidos meus... Gente fundamental para a minha total recuperação.

Depois de toda essa saga, voltei para casa ainda sem andar, toda atrofiada e, aos poucos, fui retomando as minhas atividades. Intensifiquei ainda mais o projeto das minhas palestras e hoje falo em todos os lugares. Vou a casas de reabilitação, hospitais, presídios, igrejas, faculdades, escolas, empresas, até em quartéis de polícia já fui. No fim do ano passado, ganhei um prêmio de responsabilidade social, que me deixou muito orgulhosa.

Meu maior sonho, além de transformar as vidas das pessoas contando a minha história, é levantar o meu próprio instituto de causas sociais, ajudando as pessoas menos favorecidas. Estou escrevendo meu livro também, contando tudo o que passei e como dar a volta por cima sem perder a fé a esperança na vida! Tenho uma mania de sempre perguntar a mim e a todos ao meu redor: ‘O que é realmente difícil para você?’ Esse aliás vai o título do meu livro. Pois, para mim, nada nessa vida é tão difícil que eu não possa superar.”

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