"Se nós queremos voltar a uma vida normal, então todas as pessoas têm que se conscientizar e se vacinar. É isso que temos que fazer” - Mônica Calazans, 54 anos, enfermeira e primeira brasileira a receber a vacina contra a Covid-19.
“Além de uma sensação de alívio pessoal, acho que todo mundo tem o dever, a obrigação de tomar a vacina, porque não estará apenas exercendo uma proteção a si, mas, também, a seus familiares e ao seu meio social” - Joaquim Vaz, 76 anos, médico e primeiro piauiense a receber CoronaVac.
Os depoimentos dados semana passada, pelos dois principais personagens do combate à pandemia do novo coronavírus no país, convergem para um mesmo caminho: a vacinação em massa da população. E é fato que a chegada do imunizante no Brasil e sua liberação em caráter emergencial pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), trouxe esperança a todos para que, enfim, se chegue ao controle da doença. Mas será que só a vacina mesmo basta? A imunização ocorre de forma imediata? Já podemos relaxar quanto às medidas sanitárias de distanciamento social?
De acordo com especialistas, a resposta para todas essas perguntas é não! A vacinação é a medida mais eficaz para se controlar, de vez, uma doença infectocontagiosa de transmissão pessoa a pessoa como a Covid-19, por exemplo. No entanto, para que isso ocorra, é preciso tempo, tanto para que a vacina faça efeito quanto para que ela alcance o maior número de pessoas possível. A comunidade científica mundial calcula entre 50% a 70% o percentual de uma população vacinada, para que o vírus diminua sua transmissibilidade e assim deixe de circular.
“A vacina é sempre uma vitória da ciência, ainda mais essas contra a Covid-19 que foram feitas em tão pouco tempo. Porém, devemos lembrar que são vacinas novas, que estão sendo experimentadas em caráter emergencial, em todo o mundo, e que os efeitos delas só serão conhecidos, de fato, por todos ao longo do tempo. Nós já temos uma noção que são vacinas de boa eficácia, de baixíssimas incidências de efeitos colaterais, mas tudo isso precisa ser avaliado a longo prazo para que tenhamos melhores respostas”, pontuou a infectologista Geórgia Agostinho.
Não bastasse isso, os efeitos dessas vacinas no corpo humano têm um prazo para que o indivíduo crie anticorpos, de até dois meses após a imunização. Ainda mais, porque todas as vacinas que estão à disposição no mundo, são necessárias duas doses para que a pessoa seja considerada imune e o tempo de intervalo entre uma dose e outra é de até 20 dias. “Isso significa que o processo de imunização ainda vai demorar um pouco mais e possivelmente se estenda por todo este ano”, enfatizou a especialista.
Desde o dia oito de dezembro do ano passado, quando a britânica Margaret Keenan, de 90 anos, foi a primeira pessoa no mundo a receber o imunizante, cerca de 53,8 milhões de outras pessoas também já foram vacinadas em mais de 50 países. O Brasil, finalmente, começou a sua vacinação no dia 16 de janeiro, exatos 312 dias após o início da pandemia da Covid-19. No Piauí, a imunização teve início no dia seguinte. Porém, apesar do clima de felicidade que se estabeleceu entre todos, não tem vacina suficiente para toda a população.
Não há doses para toda a população
O Piauí, segundo dados da Secretaria Estadual de Saúde, recebeu menos de 62 mil doses da vacina CoronaVac. Por isso, poucos grupos prioritários vão ser imunizados neste primeiro momento. Como são duas injeções para imunizar cada pessoa, menos de 31 mil pessoas estão sendo vacinadas neste primeiro momento no Estado. Um número baixo e que não representa nem 1% do total da população, que é de 3,2 milhões de pessoas conforme o IBGE. Toda a vacina que chegou ao Piauí já foi distribuída entre todas as 224 cidades, que, também, já iniciaram a vacinação. Teresina foi a cidade que mais recebeu doses (11.105) e Ribeira do Piauí foi o município que recebeu menos doses, somente sete.
A princípio, estão sendo vacinados os grupos prioritários estabelecidos pelo Comitê de Operações Emergenciais (COE), do Governo do Estado, sendo eles: profissionais de saúde, com prioridade para os que estão na linha de frente de combate ao coronavírus; pessoas com mais de 70 anos; pessoas em abrigos com mais de 60 anos; pessoas com deficiência em abrigos com mais de 18 anos; e indígenas vivendo em terras demarcadas. ”Esses grupos terão prioridade por serem considerados de maior risco. Mas logo que forem chegando mais vacinas, vamos ampliar”, disse Elna Amaral, infectologista do Instituto Natan Portela, em Teresina, e integrante do COE.
Segundo a infectologista, o Governo tem a garantia de que o Piauí terá vacina para toda a população. Entretanto, não existe ainda um prazo certo de quando será atingido 100% dos piauienses. “E isso acontece não porque o Estado quer mas pela questão da produção da vacina. Estamos em um momento crítico em que o mundo inteiro quer vacina e a produção ainda não vem sendo a ideal para atender a todos”, enfatizou Elna, acrescentando, porém, que o mais importante começou, que foi o início da vacinação em todo o Brasil.
Impacto da vacinação só será percebido em 2022
Há exatamente uma semana, o país já tem vacinas contra a Covid-19. Agora, a forma de vacinação é o problema a ser enfrentado. Nesse momento, por exemplo, não existem datas marcadas para as fases do plano de imunização e muito menos doses suficientes dos imunizantes para atender toda a população, conforme informa comunicado do Ministério da Saúde. Dessa forma, a expectativa é que toda a população brasileira esteja vacinada apenas no ano que vem. Na melhor das hipóteses, a expectativa é que isso ocorra no segundo trimestre de 2022.
E mesmo tendo começado antes, o impacto da vacinação contra a Covid-19 só deverá ser sentido no restante do planeta, também, no fim de 2021, mesmo que as primeiras pessoas já estejam imunizadas por completo, ou seja, tomado as duas doses. Primeiro é preciso haver vacinas suficientes para inocular cerca de metade da população e conseguir o efeito da imunidade de grupo, observa Joaquim Ferreira, diretor do laboratório de Farmacologia Clínica do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes, de Lisboa, em Portugal.
“No melhor cenário, eu diria que tendo os grupos de risco vacinados ao longo dos primeiros três meses do ano e depois todos a seguir até julho/agosto, as coisas só começarão a mudar radicalmente a partir do verão. Em outubro será quando as coisas, idealmente, voltarão a uma maior normalidade”, prevê o especialista português, em entrevista ao portal da tvi24.
Medidas sanitárias devem permanecer
Diante deste quadro global, no entanto, os especialistas são unânimes em uma coisa: o não relaxamento, ainda, das medidas de proteção individual e distanciamento social, conforme preconiza a Organização Mundial de Saúde (OMS). “Temos que pensar no coletivo e não apenas no indivíduo, e como a vacinação global ainda deve demorar, então é ainda importante que as pessoas continuem mantendo os cuidados de higienização das mãos, o uso de máscaras, manter o distanciamento social, mesmo aquelas pessoas que já foram vacinadas”, enfatizou Elna Amaral.
A infectologista Geórgia comunga da mesma posição da colega de profissão e reforça que nesse momento ainda não é possível aglomerar, realizar eventos, festas ou próximos a várias pessoas, principalmente em ambientes fechados. “Temos visto muito isso ainda. E pior, essas pessoas estão nesses ambientes sem tomar os cuidados necessários, como uso de máscara, higienização de mãos com álcool em gel. Por isso, apesar da vacina, é importante que todos sigam as medidas para que se consiga controlar a disseminação da doença”, especificou.
Disseminação essa que já contaminou quase 9 milhões de brasileiros, desses pouco mais de 154 mil só no Piauí. E que agora, também, com o surgimento de uma nova variante do vírus, na região Amazônica, que tem se mostrado mais grave e letal, principalmente entre os jovens com algum tipo de comorbidade. Lá em Manaus, a doença está inclusive formando infecções mais graves e em menos tempo do que a doença vista na primeira onda. Segundo registros de óbitos nos últimos 30 dias, quatro em cada dez mortos tinham menos de 60 anos no estado.
“Algo de muito diferente está ocorrendo em Manaus. Não sei informar se é uma cepa nova ou se é algo diferente. Mas quem está na linha de frente está vendo um aumento da gravidade dos casos. Nós, médicos, sabemos de casos de reinfecção aqui no Amazonas, mas não se tem feito um controle laboratorial desse tipo de ocorrência”, conta a intensivista Tânia Buzaglo, que atua na linha de frente contra a doença em pelo menos quatro centros de saúde e de referência na capital do Amazonas.