Proteção social é determinante para conter a pandemia

A boa cadência dessas medidas foi ainda mais determinante do que fatores relacionados à capacidade do sistema de saúde

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Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP – Todos os países que obtiveram êxito em conter a pandemia o fizeram de forma parecida, os que fracassaram cometeram erros, cada um à sua maneira. Essa é a conclusão de “Coronavirus Politics: The Comparative Politics and Policy of COVID-19”, livro publicado  pela University of Michigan Press e que compara os efeitos de políticas públicas e decisões governamentais para enfrentamento da COVID-19 em 77 países.

Ao parafrasear a frase de abertura da obra literária Anna Karênina, de Liev Tolstói – “Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira” –, os integrantes do estudo liderado por  Elize Massard da Fonseca  (Fundação Getúlio Vargas), Scott Greer e Elizabeth King (Escola de Saúde Pública da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos) indicam que iniciativas de proteção social – como o auxílio emergencial, linhas de crédito para empresas e redução de impostos e tarifas para vulneráveis –, quando implementadas de forma coordenada com medidas de saúde, são determinantes para conter a disseminação do vírus, evitar mortes e instabilidades econômicas.

A boa cadência dessas medidas foi ainda mais determinante do que fatores relacionados à capacidade do sistema de saúde ou até mesmo ao nível de renda per capita de cada país.

Iniciativas de proteção social são determinantes para conter a Covid-19 ( foto Agência Brasil) 

“O grande achado do nosso estudo foi que os países que conseguiram atrelar, lá no começo da pandemia, medidas de saúde não farmacológicas – como distanciamento social, rastreamento de contato e o uso de máscaras – a políticas sociais que permitiram que as pessoas de fato ficassem em casa conseguiram obter uma boa resposta no enfrentamento da pandemia. E isso foi observado em países de alta, média e baixa renda”, afirma Fonseca à Agência FAPESP.

O livro,  que recebeu apoio da FAPESP, analisa os dez primeiros meses da disseminação do SARS-CoV-2 pelo mundo (até setembro de 2020), quando ainda não havia vacinas disponíveis. A análise contou com a participação de 66 pesquisadores que escreveram sobre 77 países espalhados pelos cinco continentes. Há capítulos que abordam e comparam mais de um país ou uma região.

Além do livro, o trio de pesquisadores também publicou no dia 20 de abril um artigo na revista Global Public Health sobre as lições aprendidas no combate à COVID-19 no Brasil, Alemanha, Índia e Estados Unidos.

Logo que a pandemia foi anunciada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em março de 2020, as medidas necessárias para minimizar ou impedir a disseminação do vírus já eram bem conhecidas. “Aprendemos todos muito rapidamente sobre os riscos, os meios de disseminação da COVID-19, como evitar mortes e o colapso dos sistemas de saúde. Sobretudo, se a compararmos com a epidemia de Aids, por exemplo, que demorou anos para se fazer o sequenciamento genético do vírus e, inclusive, entender que se tratava de uma DST”, relata a pesquisadora.

Fonseca ressalta que, com a COVID-19, universidades, centros de pesquisa e a própria OMS rapidamente estipularam diretrizes para o enfrentamento da pandemia. “Tudo bem que só depois descobriu-se a importância de usar duas máscaras, por exemplo, mas sabia-se que era uma doença provocada por um vírus respiratório e os países tinham informações suficientes para dar respostas e implementar medidas para o problema”, afirma a pesquisadora.

Mesmo assim, houve uma variação muito grande na resposta entre os países. Enquanto Estados Unidos, Brasil, Índia e Espanha viveram resultados trágicos com recordes de mortes e hospitalizações, países tão diversos como Vietnã, Mongólia, Alemanha, Nova Zelândia, Coreia do Sul, Taiwan e Noruega foram casos bem-sucedidos. Como uma longa maratona, o ano de 2020 terminou com China e Vietnã em maior constância e bons resultados do que Canadá e Alemanha – ambos prejudicados pela reincidência de lockdowns e medidas restritivas.

Dessa forma, a falta de coordenação entre medidas sociais de saúde foi determinante para o mau resultado não só no Brasil, como também em diversos países. “Por aqui, os ministérios da Saúde e da Economia não conversavam, o que fez com que essas medidas de enfrentamento fossem desenhadas de forma não coordenada. Embora o auxílio emergencial tenha tirado muitas pessoas da pobreza, infelizmente ele não fez com que a população ficasse em casa efetivamente. Isso é um problema quando há necessidade de quarentena e da implementação de medidas restritivas. Havia também a necessidade de campanhas de comunicação para que de fato o maior número de pessoas ficasse em casa”, diz.

De acordo com Fonseca, o uso de políticas sociais generosas, desarticuladas com intervenções de saúde pública, também foi desastroso para os Estados Unidos, a maior potência econômica do mundo.

Outra resposta malsucedida levou a Índia ao colapso. No país asiático, enquanto duras medidas de saúde pública foram aplicadas, não foi instituído nenhum apoio de política social. Já a Alemanha, que implementou iniciativas de proteção social generosas em compasso com distanciamento social, fechamento do comércio e uma boa comunicação com a sociedade, obteve sucesso na primeira etapa de enfrentamento da pandemia.

Colher os louros e distribuir culpas

No Brasil, pode-se notar também outro tipo de problema de coordenação. “Tivemos políticas sociais muito fortes, mas as medidas de saúde estavam completamente descoordenadas dentro do governo federal e entre os Estados. Em um país grande como o nosso, precisamos de ações coordenadas, não só entre os países vizinhos, mas principalmente entre as unidades subnacionais, para lidar com uma doença infectocontagiosa que não respeita fronteiras”, diz.

Para a pesquisadora, o efeito dessa desarticulação entre saúde e proteção social criou um efeito apenas paliativo no Brasil e, como ocorreu em quase todos os países, permitiu que presidentes e primeiros-ministros colhessem os louros para si e distribuíssem a culpa sobre o que não estava dando certo.

O livro destaca que o presidente brasileiro reivindicou os créditos das políticas sociais (auxílio emergencial) propostas pelo Congresso e transferiu a culpa de medidas impopulares de distanciamento social para Estados e municípios. Nos Estados Unidos, Donald Trump fez o mesmo. Os autores destacam ainda que, em todo o mundo, líderes populistas culparam a China pelo problema e buscaram crédito por responder à pandemia com retórica e política xenófobas.

“No Brasil, cada Estado trouxe a sua medida de distanciamento social, às vezes até o lockdown, mas tudo de forma muito descoordenada. No início de 2021, com a alta dos casos e mortes, parece que começou a cair a ficha e iniciou-se uma discussão de os Estados tentarem fazer ações mais articuladas. No Brasil, o Ministério da Saúde é o responsável por essa coordenação, mas, por uma série de motivos, não chamou para si essa responsabilidade”, avalia.

A política importa

Outro achado do estudo está em indicar as variáveis políticas que ajudaram e atrapalharam o combate à pandemia, resultando em respostas tão heterogêneas entre os países. De acordo com os pesquisadores, essas variáveis políticas fizeram com que a estrutura institucional de saúde pública, como profissionais de saúde e hospitais, tivesse efeito limitado no combate à pandemia.

“A questão do presidencialismo importa. Os presidentes têm poderes constitucionais para agir ou não. No Brasil, [Jair] Bolsonaro usou de poderes constitucionais para nomear ministros que são mais próximos às suas ideias de combate à pandemia e para disseminar essa agenda altamente controversa e até excêntrica. Houve uma interferência no Ministério da Saúde nunca vista no período democrático, na apresentação de dados, em protocolos clínicos e até na definição da lista de atividades essenciais por meio de decretos”, comenta.

Outros líderes também apresentaram comportamentos controversos a partir do uso de poderes constitucionais, embora alguns menos excêntricos. Isso foi observado no Chile com Sebastián Piñera, nos Estados Unidos com Donald Trump, no México com López Obrador e no Reino Unido com Boris Johnson – nesse último caso, até que a estratégia fosse completamente alterada no primeiro semestre de 2020. “Não importa o quanto de recurso pode ser colocado para construir hospitais de campanha, abrir UTIs. Presidentes usaram poderes constitucionais à disposição para implementar uma agenda própria, não necessariamente de combate à pandemia”, diz.

Nos Estados Unidos, Donald Trump minimizou os riscos e efeitos do vírus e foi um árduo crítico de Anthony Faucci, líder da força-tarefa da Casa Branca contra o coronavírus. “Ele também colocou de lado as suas capacidades estatais em detrimento de uma agenda política controversa”, afirma.

Vacinação e uma nova onda de análise

O livro analisou a resposta dos países em um período da pandemia em que as vacinas ainda não estavam autorizadas e existiam apenas medidas não farmacológicas para a contenção do vírus. “Nesse primeiro livro, tratamos de uma dinâmica de resposta à pandemia em que se precisava de medidas não farmacológicas. Quando começaram a sair as vacinas, a dinâmica política da pandemia mudou muito. Entraram novas variáveis de economia política. Até outubro não havia nenhuma vacina aprovada, isso só aconteceu em dezembro de 2020”, diz.

O grupo de pesquisadores pretende agora iniciar uma nova rodada de análises e existe a previsão do lançamento de um segundo livro no final de 2021, com o foco a partir da aprovação das vacinas e sua implementação por meio de campanhas de vacinação.

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