Ministério da Saúde ignorou parecer sobre a compra de seringas

Pasta demorou três meses para responder à Opas sobre a importação de seringas.

Ministério da Saúde ignorou parecer sobre a compra de seringas | Reprodução
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O Ministério da Saúde contrariou parecer da própria pasta que recomendava a compra de seringas com entrega por frete aéreo para garantir que o país tivesse insumos suficientes a tempo para efetuar a vacinação contra Covid-19. As informações são do jornal O Globo.

Durante a negociação com a Organização Panamericana da Saúde (Opas) para a aquisição dos produtos, o Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis do órgão defendeu a manutenção da compra com entrega por avião, ainda que com preço maior, sob o argumento de que o mercado nacional poderia não conseguir suprir a demanda do Programa Nacional de Imunização (PNI) no tempo previsto.

Apesar do alerta, o departamento foi ignorado pela secretaria executiva da pasta, comandada pelo oficial do Exército Élcio Franco, "mesmo cientes das diferenças quanto ao tempo de entrega".

Ministério da Saúde ignorou parecer sobre a compra de seringas - Foto: Reprodução

Documentos do Ministério da Saúde, obtidos pelo GLOBO via Lei de Acesso à Informação, mostram que a previsão para a chegada da primeira remessa de entregas no país por via marítima é 25 de janeiro, quando seriam remetidas apenas 1,9 milhão de unidades, depois disso a próxima entrega só chegaria em março. Enquanto que, pelo transporte aéreo, 20 milhões de seringas já teriam chegado ao Brasil em dezembro do ano passado. 

Na terça-feira, o GLOBO revelou que o Ministério da Saúde demorou três meses para responder à Opas sobre a importação de seringas e, quando o fez, optou pelo modelo de entrega mais demorado alegando economia de recursos. 

"[...] Os fornecedores cotados poderão iniciar as entregas de 20 milhões de unidades em dezembro de 2020, 17.256 milhões de unidades em janeiro de 2021 e 2.744 milhões de unidades em fevereiro de 2021 no valor total de US$ 4.679.406,76 (quatro milhões, seiscentos e setenta e nove mil, quatrocentos e seis dólares e setenta e seis centavos), já inclusos preços de produto, frete, seguro e taxa administrativa da Organização. Isto posto, este Departamento se posiciona favorável à continuidade desta aquisição, considerando o risco de não entrega das seringas pelo mercado nacional até dezembro 2020", dizia o despacho interno argumentando pela continuidade da aquisição por frete aéreo.

Em 23 de outubro, mais de um mês após o parecer do departamento de imunizações, a secretaria executiva emitiu um despacho questionando os preços da aquisição por avião e determinando nova cotação.

Fachada do edifício-sede do Ministério da Saúde, em Brasília Foto: Aílton de Freitas / Agência O Globo 

No texto, assinado pelo secretário executivo adjunto, Jorge Luiz Korman, que também é militar, a secretaria cita o parecer do departamento de imunização, mas argumenta que o preço oferecido pela Opas é muito superior ao previsto pelo governo.

"Nesse sentido a Secretaria de Vigilância em Saúde — SVS, por meio do despacho (0016729153) e do relatório (0017150938), em síntese ponderou pela continuidade da aquisição, considerando uma possível incapacidade do mercado nacional para fornecer, até dezembro de 2020 quantitativo necessária para o início das ações de imunização contra a Covid-19 em todo o território nacional. Outrossim apontou que diante do cenário de incerteza de atendimento pelo mercado nacional, a aquisição de seringas junto à OPAS seria o caminho mais célere para a aquisição", diz o despacho.

Levando em consideração a cotação do dólar no dia de hoje, de R$ 5,62 (cinco reais e sessenta e dois centavos), o preço da possível contratação via OPAS apresenta uma diferença de mais de 250% em comparação ao maior preço da pesquisa preliminar do SRP e de cerca de 500% superior ao menor preço da mesma pesquisa, em cada unidade de seringa/agulha."

Governo tinha recursos para compra

O "SRP", Sistema de Registro de Preço, no qual a secretaria apostava suas fichas, foi justamente o pregão para a aquisição de 331,2 milhões de seringas que acabou fracassando em dezembro, quando a pasta conseguiu garantir inicialmente apenas 7,9 milhões de unidades. O SRP é um mecanismo usado pelo governo para cotar preços de produtos e serviços. Os valores servem de base para as contratações feitas por órgãos públicos.

Dias depois, diante do impasse do governo, a Opas enviou uma carta ao governo brasileiro cobrando a definição da pasta sobre a compra do insumo e afirmando que o país possuía em seu fundo junto à organização recursos para efetuar a compra:

"[...] Gostaríamos de solicitar a confirmação desse Ministério sobre a efetuação da compra. Adicionalmente, informamos que o Brasil tem aproximadamente US$ 3,1 milhões na conta do Fundo Rotatório, além da linha de crédito que poderá ser disponibilizada para o país. Aguardamos a manifestação desse Ministério, através de ofício com a indicação da fonte de financiamento, para que possamos seguir com a compra", diz a mensagem da Opas.

Ministério apostou em chegada da vacina só em 2021

Cerca de um mês após a carta da Opas questionando se fecharia a compra, o ministério enviou um ofício à organização com argumento de que "o cenário para aquisição da vacina para combate ao COVID-19 mudou", além de ter apostado no atraso na disponibilização do imunizante como justificativa para adquirir seringas por via marítima.

"Houve informação do PNI que a referida vacina chegará ao Brasil somente no primeiro trimestre de 2021", diz ofício do Ministério da Saúde enviado à representante da Opas no Brasil, complementando:

"A opção de modal marítimo se mostra, de forma geral, como uma opção mais econômica para o envio de cargas no comércio internacional. Assim, espera-se que, com esta nova estimativa de preços, o investimento total nesta aquisição diminua, possibilitando à Secretaria Executiva analisar este aspecto de uma perspectiva mais favorável do ponto de vista financeiro, anuindo a aquisição dos insumos por meio da OPAS/OMS, mesmo cientes das diferenças quanto ao tempo de entrega."

O valor marítimo foi fechado em US$ 1.368.976,76 (R$ 7.534.296), aproximadamente US$ 0,03 por unidade. O trecho mostra que o governo tinha consciência de que as seringas poderiam chegar mais tarde.

O GLOBO entrou em contato com o Ministério da Saúde para questionar o que levou a pasta a contrariar parecer interno sobre o tema e adquirir os insumos por via mais demorada, sob risco de prejudicar o plano de imunização, mas a pasta não respondeu.

O órgão também não se posicionou sobre o fato de ter fechado a compra das seringas com data prevista, inicialmente, para chegada do primeiro lote em março. A pasta também não respondeu por que demorou a responder a Opas, mesmo diante de cobranças da organização.

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