O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), proibiu nesta segunda-feira (14) o governo federal de usar o Disque 100 "fora de suas finalidades institucionais".
Lewandowski atendeu a um pedido do partido Rede Sustentabilidade, que acionou a Corte questionando a utilização do canal de denúncias para receber queixas de pessoas contrárias à vacina da Covid-19.
O ministro também determinou que o governo altere duas notas técnicas — uma do Ministério da Saúde e outra do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.
Em janeiro, as pastas publicaram publicaram documentos oficiais para desestimular a vacinação infantil. As notas ressaltam a não obrigatoriedade da vacina.
De acordo com a decisão de Lewandowski, deverá constar nas notas o entendimento fixado pela Corte de que é possível que autoridades implementem medidas para estimular a vacinação contra a doença — entre elas, a restrição de acesso a locais por não-vacinados, a base jurídica para os passaportes sanitários dos estados e municípios.
Na decisão individual, Lewandowski destacou que crianças e adolescentes têm direitos e que cabe ao STF preservá-los.
"Crianças e adolescentes são, portanto, sujeitos de direitos, pessoas em condição peculiar de desenvolvimento e destinatários do postulado constitucional da 'prioridade absoluta'. A esta Corte, evidentemente, cabe preservar essa diretriz, garantindo a proteção integral dos menores segundo o seu melhor interesse, em especial de sua vida e saúde, de forma a evitar que contraiam ou que transmitam a outras crianças [...] a temível Covid-19 ", escreveu.
O ministro também salientou a previsão do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no sentido de que a vacinação desta faixa da população é obrigatória.
"Especificamente no que tange ao tema da vacinação infantil, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/1990) é textual ao prever a obrigatoriedade da 'vacinação de crianças nos casos recomendados pelas autoridades', estabelecendo penas pecuniárias àqueles que, dolosa ou culposamente, descumprirem 'os deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda” dos menores'", escreveu o ministro.
Lewandowski frisou ainda que, havendo base técnica e científica, o governo federal é obrigado a disponibilizar vacinas, incentivar a imunização em massa e evitar agir para desestimular a vacinação contra a doença.
"Havendo respaldo técnico e científico – como se viu acima - , e tendo em conta que a vacinação da população é hoje o principal instrumento de controle da pandemia, levando, comprovadamente, a uma significativa redução das infecções e óbitos, penso que cabe ao Governo Federal, além de disponibilizar os imunizantes e incentivar a vacinação em massa, evitar a adoção de atos, sem embasamento técnico-científico ou destoantes do ordenamento jurídico nacional, que tenham o condão de desestimular a vacinação de adultos e crianças contra a Covid-19, sobretudo porque o Brasil ainda apresenta uma situação epidemiológica distante do que poderia ser considerada confortável, inclusive em razão do surgimento de novas variantes do vírus", escreveu o ministro.
O ministro também fez críticas às notas técnicas dos ministérios. Lewandowski disse que os documentos transmitem "mensagem equívoca" quanto à obrigatoriedade da vacinação "em meio a uma das maiores crises sanitárias da história do País" e "acaba por desinformar a população, desestimulando-a de submeter-se à vacinação contra a Covid-19".
"As referidas Notas Técnicas, ao disseminarem informações matizadas pela dubiedade e ambivalência, no concernente à compulsoriedade da imunização, prestam um desserviço ao esforço de imunização empreendido pela autoridades sanitárias dos distintos níveis político-administrativos da Federação, contribuindo para a manutenção do ainda baixo índice de comparecimento de crianças e adolescentes aos locais de vacinação, cujo reflexo é o incremento do número de internações de menores em unidades de terapia intensiva – UTIs em 61% em São Paulo", escreveu o ministro.
Documentos do governo
A nota técnica do Ministério da Saúde, um dos alvos da ação da Rede, foi assinada pela secretária extraordinária de Enfrentamento à Covid, Rosana Melo, e pelo diretor Danilo de Souza Vasconcelos.
O documento buscava reforçar que a imunização de crianças de 5 a 11 anos não é obrigatória porque não está no Plano Nacional de Imunizações, e sim no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19.
Segundo especialistas, o argumento é meramente retórico já que o Plano Nacional de Operacionalização (PNO) foi criado durante a pandemia para dar suporte técnico ao Programa Nacional de Imunizações (PNI). E, portando, o PNO faz parte do PNI.
O outro documento contestado no tribunal é o do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. A nota foi divulgada pelo jornal "Folha de S. Paulo" e a TV Globo também teve acesso.
Quatro secretários assinaram o documento que procura "apresentar fundamentos técnicos e jurídicos sobre a violação de direitos humanos decorrentes da obrigatoriedade de apresentação do Certificado Nacional de Vacinação e sobre a não obrigatoriedade de vacinação infantil contra Covid-19, enquanto medidas indispensáveis para o usufruto de direitos humanos e fundamentais".
A nota afirmou que, como a vacina contra Covid não está na lista de vacinação básica da Caderneta da Criança, não é obrigatória, e os pais ou responsáveis, por conseguinte, têm autonomia sobre a decisão de aplicá-la ou não em seus filhos ou tutelados.
O ministério ofereceu ainda o principal canal do governo para denúncias de violações dos direitos humanos, o Disque 100, para quem não quiser se vacinar e sofra, segundo o governo, discriminação.