O governo federal anunciou nesta terça-feira (7) que pedirá quarentena de cinco dias para viajantes não vacinados que saiam de outros países e desembarquem no Brasil. Segundo o governo, a ideia é promover uma "reabertura das fronteiras" em razão dos índices atuais de vacinação da população brasileira.
O pronunciamento dos ministros Ciro Nogueira (Casa Civil) e Marcelo Queiroga (Saúde) foi marcado por fortes críticas às recomendações de um "passaporte da vacina" e de maior rigidez na exigência da vacinação.
Mas, na prática, segundo técnicos da Anvisa, o novo protocolo anunciado pelo governo parece atender às recomendações que vêm sendo feitas, há mais de um mês, pela agência reguladora e por especialistas.
-No pronunciamento, Queiroga e Nogueira não fizeram qualquer menção à exigência de um "passaporte da vacina". Foram anunciadas duas medidas:
-exigir teste negativo do tipo RT-PCR, realizado até 72 horas antes, para os passageiros que venham do exterior e desembarquem no Brasil;
-exigir quarentena de cinco dias para os indivíduos não vacinados que cheguem ao país, seguida de um teste RT-PCR. Se o resultado for negativo, o passageiro é liberado para transitar em solo brasileiro.
O anúncio mantém as regras que já estavam em vigor para os passageiros vacinados (exigência de teste negativo e declaração de saúde) e adiciona essa quarentena de cinco dias para os passageiros sem vacina. A atualização do protocolo ainda não foi publicada no "Diário Oficial da União".
Em nota após o pronunciamento, a Anvisa afirmou que "aguarda a publicação da nova portaria sobre atualização das medidas excepcionais e temporárias para entrada no País como forma de enfrentamento da Covid-19" – ou seja, que não conhece o conteúdo da nova portaria.
"É necessário defender as liberdades individuais, respeitar os direitos dos brasileiros acessarem livremente as políticas públicas de saúde. E é assim, como falou o ministro Ciro Nogueira [Casa Civil], que já conseguimos imunizar com as duas doses cerca de 80% da população brasileira acima de 14 anos, a nossa população vacinável, mais de 175 milhões de habitantes", declarou o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.
Sinais trocados
Apesar de ter anunciado medidas que, em tese, se assemelham ao "passaporte da vacina" defendido por especialistas, o ministro Marcelo Queiroga dedicou a maior parte do pronunciamento a criticar a exigência de vacinação para brasileiros e estrangeiros.
"Então, esse enfrentamento da pandemia, ele não diz respeito apenas a um chamado 'passaporte' que mais discórdia do que consenso cria. É necessário defender as liberdades individuais, respeitar os direitos dos brasileiros acessarem livremente as políticas públicas de saúde", disse Queiroga.
O ministro disse que não se poderia "discriminar as pessoas" não vacinadas porque a imunização não impede totalmente a transmissão.
"Então, não se pode discriminar as pessoas entre vacinadas e não vacinadas para, a partir daí, impor restrições. Até a ciência já sabe que as vacinas não impedem totalmente a transmissão do vírus. O ideal é que impedisse, já estaríamos com o problema resolvido no Brasil. Infelizmente não impede. As pessoas podem, mesmo vacinadas, adquirir a doença e podem transmitir", disse.
"O presidente [Jair Bolsonaro] ainda há pouco falou: às vezes, é melhor perder a vida do que perder a liberdade. Não estamos aqui querendo fazer nenhum tipo de 'polemização', mas são direitos fundamentais e que eles tem a mesma importância e o nosso compromisso é com isso, é com a vida, com a liberdade, é com a concretização das politicas publicas de saúde", completou.
A Anvisa e os especialistas de todo o mundo reconhecem, desde o início da vacinação mundial contra a Covid, que as doses não têm eficácia de 100%. A Organização Mundial de Saúde (OMS), no entanto, vem reafirmando que não há razão para duvidar das vacinas, inclusive contra a variante ômicron, e que elas são um instrumento fundamental para o fim da pandemia.
OMS defende conjunto de medidas
No pronunciamento, Queiroga afirmou que a própria OMS havia se posicionado contra o fechamento das fronteiras para barrar a disseminação do coronavírus e da variante ômicron.
"Nós nos reunimos diversas vezes para buscar uma tomada adequada de decisão. A própria Organização Mundial de Saúde (OMS), a respeito da variante ômicron [...] já se pronunciou a esse respeito, dizendo da responsabilidade que se deveria ter ao impor restrição a cidadãos que eventualmente não tomaram as suas doses de vacina", afirmou Queiroga.
"Não se pode discriminar as pessoas entre vacinadas e não vacinadas para a partir daí impor restrições. Até pq já se sabe que infelizmente a vacina não impede transmissão", prosseguiu o ministro.
O ministro não apresentou, no entanto, a íntegra do argumento defendido pela OMS. A organização também pediu aos países que aumentem a capacidade de seus serviços de saúde e vacinem sua população para combater o aumento de casos provocados pela variante ômicron.
A organização disse também que as restrições às viagens podem ganhar tempo, mas que por si só não são a resposta.
"A [variante] delta é responsável por 99% das infecções em todo o mundo", disse a cientista-chefe da OMS, Soumya Swaminathan. "Ela teria que ser mais transmissível para competir e se tornar dominante em todo o mundo. É possível, mas difícil de prever."
Exigência é 'coleira', diz Bolsonaro
Pouco antes do pronunciamento dos ministros, o presidente Jair Bolsonaro afirmou em cerimônia no Palácio do Planalto que o passaporte da vacina, adotado em outros países, seria uma "coleira" para a população.
"Nós vemos uma briga enorme aqui agora sobre passaporte vacinal. Quem é favorável, não se esqueça: amanhã alguém pode impor algo para você que você não seja favorável. E a gente pergunta: quem toma vacina pode contrair o vírus? Pode e contrai. Pode transmitir? Sim e transmite. Pode morrer? Sim, pode, como tem morrido muita gente, infelizmente. A gente pergunta: por que o passaporte vacinal? Por que essa coleira que querem colocar no povo brasileiro? ", indagou.
Mais cedo, pela manhã, o presidente distorceu a proposta da Anvisa do passaporte da vacina, dizendo que a agência estava sugerindo "fechar o espaço aéreo" do Brasil. Procurada, a agência negou ter feito essa proposta.
No último dia 1º, a Anvisa reforçou a recomendação enviada à Casa Civil para que o Brasil adote medidas mais rigorosas no acesso de viajantes ao país a fim de evitar o aumento dos casos de Covid-19 após a descoberta da variante ômicron.