Governo de SP retira quilombolas de grupo prioritário para vacinação

A secretaria da Saúde disse que a Anvisa não teria autorizado o uso emergencial da CoronaVac nesta população

Governo de SP retira quilombolas de grupo prioritário | Divulgação
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As mais de 50 comunidades reconhecidas como remanescentes de quilombos no estado de São Paulo não têm mais data para o início da vacinação contra Covid-19.

A população quilombola, que pertencia ao grupo prioritário máximo, ao lado de profissionais de saúde e indígenas, segundo o plano publicado no início de dezembro pelo governo estadual, não consta mais na primeira etapa de prioridade de vacinação de São Paulo.

A secretaria da Saúde disse, por telefone, que o grupo foi excluído da primeira etapa de vacinação porque a Anvisa não teria autorizado o uso emergencial da CoronaVac nesta população.

A Anvisa, no entanto, nega a informação, e diz que não há nenhuma restrição deste tipo na autorização para uso emergencial da CoronaVac concedida no último domingo (17).

No final de 2020, quando foi divulgado oficialmente pelo Ministério da Saúde, o Plano Nacional de Imunização também incluía quilombolas, comunidades tradicionais ribeirinhas, pessoas privadas de liberdade e trabalhadores do transporte coletivo nos grupos prioritários a serem vacinados.

Nesta segunda (18), após o ministro da Saúde antecipar da vacinação em todo o país, o STF intimou o governo federal a atualizar plano de vacinação contra a Covid-19.

 Paulo Liebert/Agência Estado 

Articulação

Líderes quilombolas de São Paulo dizem que foram pegos de surpresa quando ficaram sabendo da mudança no plano, nesta segunda (18), e que estão se organizando para recorrer ao Ministério Público (MP).

Organizações como a Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras (Eaacone), que reúne quilombos do Vale do Ribeira, querem que o governo reveja a decisão, para que a população quilombola seja incluída no grupo prioritário já na primeira fase da campanha, como estava previsto inicialmente.

O site VacinaJá, lançado pelo governo estadual para o pré-cadastro de indivíduos que fazem parte dos grupos prioritários, já não lista quilombolas na primeira fase da campanha.

Regina Aparecida Pereira, moradora do quilombo Cafundó, em Salto do Pirapora, no interior do estado, chegou a ser convidada para participar do evento que inaugurou a vacinação no estado de São Paulo, comandado pelo governador João Doria (PSDB) no último domingo (17).

“Falaram que era para eu ficar aguardando o contato, que eles iam mandar um carro para me buscar aqui e me levar para capital. Mas de repente disseram que não ia dar mais tempo”, conta.

Um dia depois, nesta segunda (18), ela ficou sabendo que os quilombolas não faziam mais parte do grupo prioritário.

“Eu liguei pra secretaria e descobri que já não éramos mais prioridade. A explicação que ela deu foi que o Ministério da Saúde que tirou. Mas ainda hoje nós recebemos informações, panfletos de Sorocaba, que falam que quilombolas são do grupo prioritário. Aí a secretaria me falou que essa informação era antiga, que a gente continua sendo prioridade, mas não tem mais data pra começar a vacinar”, afirma Regina Pereira.

Prioridade para quilombolas

O estado de São Paulo tem 51 comunidades reconhecidas como remanescentes de quilombos, de acordo com dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e do Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), em regiões como o Vale do Ribeira e o Litoral Norte do estado.

Os quilombolas, assim como os indígenas, são historicamente alvo prioritário de campanhas de vacinação no Brasil. Isto ocorre porque diversos indicadores de saúde são piores nessas populações.

Além disso, o acesso ao sistema de saúde é dificultado, o que aumenta ainda mais a vulnerabilidade destes grupos no enfrentamento da pandemia, segundo o professor Hilton Silva, coordenador do Laboratório de Estudos Bioantropológicos em Saúde e Meio Ambiente (LEBios) da Universidade do Pará (UFPA).

No estado de São Paulo, não há, nas notificações oficiais de Covid-19, um campo para preencher a informação de que um paciente é quilombola.

No campo Raça/Cor, é possível destacar apenas se o indivíduo é negro ou indígena. Por conta isso, não existem dados oficiais de casos e mortes por Covid-19 entre quilombolas no estado.

Apesar da falta de dados oficiais, especialistas em saúde coletiva afirmam que, nacionalmente, a taxa de mortalidade da doença é maior nesses grupos, principalmente por conta do acesso precário aos serviços de saúde.

Líder comunitária do quilombo Barra do Turvo, na região do Vale do Ribeira, Nilce Pontes é também coordenadora estadual da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) em São Paulo.

Segundo Pontes, as lideranças da sua região ainda não foram procuradas pelo governo do estado para o planejamento da campanha de vacinação contra Covid-19.

“A expectativa pela vacinação é muita grande. Todos nós estamos ansiosos, todas as comunidades de São Paulo. Mas, até agora, não fomos procurados por nenhum órgão, então não tem um planejamento. A gente está acompanhando o início da vacinação pela imprensa”, conta a líder quilombola.

Vacina dentro dos quilombos

Especialista em saúde quilombola, o professor Hilton Silva explica que é importante que a campanha de vacinação ocorra dentro dos quilombos, e não apenas em postos de saúde localizados no centro dos municípios. Isto porque o acesso aos postos de saúde é muitas vezes dificultado.

“Essas comunidades, muitas delas são de difícil acesso, então a logística para fazer o planejamento da vacinação precisa ser feita de maneira especializada. Precisa de pessoas e equipamentos para fazer essa vacina chegar. Por outro lado, isto não é novidade, já existe um conhecimento prévio de como é feita essa vacinação, porque o Programa Nacional de Imunização (PNI) já alcança essas populações no caso das outras vacinas, como coqueluche, sarampo, tuberculose”, explica.

Nilce Pontes, do quilombo Barra do Turvo, concorda que é preciso que a vacina seja distribuída dentro da comunidade. Ela explica que o acesso à Unidade Básica de Saúde (UBS), que já era difícil, ficou mais complicado durante a pandemia, porque foram criadas barreiras sanitárias no acesso ao quilombo e o transporte público entre a comunidade e os postos de saúde ficou ainda mais restrito.

"O maior desafio pra gente tem sido o acesso ao serviço de saúde mesmo, a gente não tem conseguido fazer acompanhamento médico. Na sua maioria, as comunidades estão totalmente isoladas do espaço urbano", explica Pontes.

"Agora, com a limitação do transporte que nós criamos pra evitar que a Covid-19 chegue, tem sido ainda mais complicado paras comunidades irem pra cidade. Linha de ônibus diminuíram, o transporte foi limitado para evitar que as pessoas fossam contaminadas. Então tá ainda mais difícil chegar no posto de saúde", explica.

Líder comunitária no quilombo Cafundó, no Vale do Ribeira, Regina Pereira também defende que a campanha de vacinação seja feita dentro dos quilombos.

"Pessoas da prefeitura perguntaram se nos teríamos como ir pro posto de saúde mais próximo para receber a vacina e eu falei que não. Não tem como a gente sair daqui pra se colocar em risco. Na cidade os casos aumentaram muito. As pessoas ficam inseguras. A gente tem idosos, cadeirantes, não temos transporte público. Eles mesmos falaram que era mais fácil mandar uma equipe pra dentro da comunidade", afirma Pereira.

No entanto, o professor Hilton Silva destaca que é preciso cuidado para que a entrada das equipes de saúde nas comunidades quilombolas não traga o vírus para dentro dos quilombos.

"Essa tem sido uma das minhas principais preocupações. Como que a gente vai planejar uma campanha de vacinação que não seja vetor da doença?", questiona.

Para o especialista, a resposta passa por planejamento e infraestrutura.

"O nosso grande desafio é ter um planejamento do processo de vacinação. Então a vacinação tem que ser feita por pessoas que já foram previamente vacinadas, que foram treinadas, que precisam seguir protocolos rígidos de distanciamento, precisam distribuir kits de higiene e máscara. É preciso garantir minimamente a infraestrutura", afirma.


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