Há exatos 132 dias nossa vida passou por uma mudança significativa e que se estende até hoje, em um ‘novo normal’ repleto de restrições e hábitos que não estavam arraigados na sociedade local. No dia 19 de março, o Piauí confirmava os primeiros casos do novo coronavírus, um inimigo que ganhou força exponencialmente, disseminando o seu raio de penetração de forma abrupta por todas as regiões.
Desde então, 220 dos 224 municípios piauienses já registraram casos do Sars-Cov-2, o que representa cerca de 98% dos entes estaduais; um índice que comprova o potencial de propagação do vírus. Um agente invisível que provocou a dor da perda em mais de 1,2 mil famílias em âmbito local e segue sendo objeto de desafios imensuráveis para as autoridades, e população em geral.
De acordo com o último boletim da Secretaria de Saúde do Piauí, registrado no dia 27 de julho, apenas os municípios de Canavieira, João Costa, Arraial e Jardim do Mulato não possuíam casos registrados da Covid-19. Para entender a estratégia destes ‘pontos livres’ de infecção no nosso mapa, conversamos com as autoridades locais e percebemos uma estratégia uníssona focada nas barreiras sanitárias, e controle de entrada e saída.
Em Canavieira, localizada a 242 km de Teresina, a secretária de saúde Raika Michelle, explica que o município mantém a sanitização de veículos que chegam de outras localidades e vem focando na conscientização da população quanto aos cuidados com a higiene.
“Umas das nossas ações é a realização de notificações para as pessoas que chegam de outros estados, muitas pessoas estão chegando, sendo que nem todos respeitam. Uso de máscara é obrigatório. Estamos realizando barreiras Sanitárias em duas entradas principais, com aferição da temperatura, anotando os nomes e a procedência como também a sanitização dos veículos”, explica.
A baixa abstração do comércio local também é um dos motivos elencados para a ausência de ocorrências do novo coronavírus, por ser um município pequeno, a secretária vê como um facilitador para o controle. Raika Michelle não deixa, porém, de atribuir a ajuda divina o fato do município até o momento estar livre da covid-19.
“Eu acredito que um dos motivos do município não ter casos é a proteção de Deus, a população ser pequena, não possuímos um centro comercial atrativo e movimentado”, afirmou.
O secretário estadual de saúde, Florentino Neto, reforça a importância das barreiras sanitárias, trabalha que vem sendo realizado desde março e se mantém firme para evitar uma propagação mais célere da doença. Na última pesquisa epidemiológica, a taxa de transmissibilidade do Piauí ficou em 0,74, dentro do que é recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
“As barreiras sanitárias tiveram uma importância fundamental e estão presentes em todos os nossos limites entre o Estado do Piauí e os Estados vizinhos, ali nas barreiras sanitárias são identificados os casos sintomáticos, é realizado o teste e consequentemente sendo positivo inicia-se o tratamento o mais célere possível”, afirmou.
Florentino Neto destaca que mesmo quando há o resultado negativo, existe a atenção do Estado em manter o isolamento; a ação preventiva é outro vértice imprescindível no combate à pandemia. “A barreira sanitária também permite o acompanhamento do paciente para que ele fique em isolamento, e se ele é sintomático e o teste não foi positivo, mesmo assim é feito o isolamento”, destacou.
O município de João Costa, que fica a 382 km da capital piauiense, é outro território livre da covid-19 (ao menos oficialmente) até o momento. O prefeito Gilson Castro explica que desde o começo da pandemia houve a interdição de vias vicinais e barreiras sanitárias para evitar que a doença chegue ao município. “No começo da pandemia já criamos uma barreira sanitária, interditamos as vias vicinais, aconselhamos a população quanto a suspensão dos atendimentos eletivos, e criamos também um comitê de gestão de crise na qual discutimos todas as medidas a serem postas em prática”, afirmou.
Também é realizado o controle de quem entra e sai do município para evitar, assim como a testagem para assegurar que não há riscos da propagação do Sars-Cov-2.
“Temos o controle de quem entra e sai da cidade, se forem pessoas oriundas de outros Estados, a Vigilância Sanitária notifica na chegada eles permanecem em monitoramento por 14 dias, todos os dias ligamos para saberem como estão, com 7 dias da chegada da cidade realizamos o teste rápido e mesmo dando negativo ela tem que cumprir a quarentena de 14 dias”, disse.
Estado na ‘caça’ à Covid-19
Nas zonas livres ou pouco impactadas pelo novo coronavírus no Piauí, até o momento, há o consenso quanto a importância do programa Busca Ativa, em que as equipes de saúde monitoram os casos suspeitos do Sars-Cov-2 e realizam a testagem para detecção precoce, de modo a ser iniciado o tratamento imediatamente, e nos casos assintomáticos seja bloqueada a possibilidade da transmissão para outras pessoas, com o efetivo isolamento do paciente.
“O Busca Ativa é um programa que executamos em cooperação com os municípios e por meio das equipes visitamos as casas dos sintomáticos e daqueles que tiveram contato com algum caso positivo, ali nós testamos, iniciamos o tratamento com uma equipe multidisciplinar de enfermeiros, técnicos de enfermagem, supervisionados por médicos, é este papel de fortalecer a prevenção que nos permitiu ter um sucesso maior, um incremento maior nas nossas ações de enfrentamento ao novo coronavírus no Estado do Piauí”, indicou o secretário Florentino Neto.
O programa viabilizou, por exemplo, que o Piauí alcançasse um dos maiores índices de testagem do país, já foram 202.008 testados até a segunda-feira, 27 de julho. Ao todo, 213 municípios do Estado já aderiram ao Busca Ativa.
Além disso, são 37 municípios com pontos de isolamento social/barreiras sanitárias, ou seja, quando verifica-se a chegada de pessoas de outros Estados há a eventual testagem e destinação ao isolamento, evitando a migração do vírus entre Estados ou municípios, uma medida importante haja vista a perspectiva de que mais de 100 mil pessoas vindas de outras localidades vieram ao Piauí durante a pandemia.
Letalidade no Piauí está em 2,68%
Dados do Consórcio Nordeste, que mantém um painel ativo sobre a covid-19, mostra que as ações direcionadas ao tratamento precoce dos pacientes diagnosticados no Piauí vem dando resultado. A letalidade no Piauí é de 2,68%, abaixo da média regional que está em 3,46%. Para se ter uma ideia, em Pernambuco, a letalidade chega a 7,2%, ou seja, a cada 1000 pacientes internados, 72 foram à óbito.
“Dentre as ações de enfrentamento à Covid-19 no Piauí tiveram uma importância fundamental as ações preventivas, o diálogo com a sociedade, com os demais Poderes no sentido que todos pudessem estar conscientes do isolamento social, obediência à etiqueta respiratória, uso de máscara, higienização das mãos, evitar aglomeração, tudo isso foi muito importante”, destacou Florentino Neto.
Dentre os municípios piauienses com maior número de casos confirmados da covid-19: Teresina (15.821); Parnaíba (4.952); Picos (1.671); Campo Maior (1.592) e Barras (1.355); as menores taxas de letalidade são verificadas em Picos (1,61%) e Campo Maior (1,69%), de acordo com os dados catalogados até o dia 27 de julho.
Com 100 altas, município aposta em protocolo individualizado
No Hospital Regional Justino Luz, localizado em Picos, o diretor técnico Tércio Luz, ressaltou que a unidade vem adotando um protocolo médico individualizado, ou seja, é observada a necessidade de cada paciente e a partir daí é prescrito o tratamento ideal.
“O protocolo segue uma conduta individualizada para cada paciente, seguindo o que há de mais recente na literatura médica, de forma robusta e seguindo todo o suporte intensivo desses pacientes caso necessitem, como por exemplo, suporte intensivo, via aérea respiratória, ventilação mecânica, dentre outras terapias que forem indicadas para essa doença que acomete principalmente a parte pulmonar”, disse.
Picos, dentre os municípios com mais casos confirmados no Piauí, é o que possui menor letalidade, 1,61%, nisto, o médico destaca que com o passar da pandemia os profissionais de saúde têm aprendido a lidar melhor com a doença causada pelo novo coronavírus.
“Durante o avançar da pandemia que nossa equipe multiprofissional, os médicos, enfermeiros, técnicos, fonos e fisioterapeutas seguem uma curva de aprendizado, ou seja, a melhora na assistência é de forma substancial com o decorrer das semanas, uma vez que como é uma doença nova e como vários estudos estão acontecendo de acordo com o avançar do conhecimento científico sobre ela, cada semana que passa temos notado que nossos profissionais vem melhorando a assistência a esses pacientes, principalmente os mais críticos, mais graves, que necessitam de tratamento intensivo”, afirmou.
Questionado sobre a controvérsia do uso de medicamentos como a cloroquina e hidroxicloroquina, o profissional cita que cada vez mais os tratamentos mencionados vem caindo por terra, voltando a citar porém, que o protocolo é individualizado para cada paciente.
“O que versa sobre os tratamentos mencionados, cada vez mais vem caindo por terra, uma vez que há estudos robustos sobre determinadas medicações que hoje são seguidas via de regra por determinados profissionais de saúde, e nosso protocolo é individualizado para cada um desses pacientes”, sinalizou.
Cabe indicar que no último dia 14 de julho, a Organização Mundial de Saúde (OMS), por meio do Gerente de Incidentes para a COVID-19 da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), Sylvain Aldighieri, reiterou a suspensão do tratamento com a hidroxicloroquina em seus testes, após não ver benefícios no uso do medicamento. "Portanto, a OMS não recomenda o uso da hidroxicloroquina para pacientes da COVID-19", comentou a autoridade da Opas, braço regional da OMS.