O isolamento social decorrente da quarentena em vigor em muitas cidades é tido como essencial na tentativa de "achatar a curva" de infecção pelo novo coronavírus no país, mas tem cobrado um preço à saúde física e mental dos brasileiros. As informações são do UOL.
Muitos deles têm recorrido às atividades ao ar livre para afastar o pensamento das preocupações e das consequências negativas do confinamento.
A prática, entretanto, divide a classe médica. Alguns acreditam que fazer exercícios fora de casa é submeter a si mesmo e aos outros a um risco desnecessário; outros acreditam que a prática pode ser benéfica, respeitando-se as orientações de distanciamento social. A Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte (SBMEE), em sua última manifestação sobre o assunto, no dia 30 de março, diz recomendar a prática "desde que não proibida por lei decretada pelo poder Executivo".
No caso de São Paulo, apesar de não haver uma proibição expressa nesse sentido, a entidade compreende que a prática é desaconselhada pelo poder público, já que a orientação é que as pessoas saiam de casa apenas para a realização de atividades essenciais.
De acordo com o texto do decreto que estipulou a quarentena, prorrogada por mais 15 dias nesta segunda (06/04), "fica recomendado que a circulação de pessoas no âmbito do Estado de São Paulo se limite às necessidades imediatas de alimentação, cuidados de saúde e exercícios de atividades essenciais." Dois dias antes do anúncio, o governo já havia ordenado o fechamento de 102 parques no Estado, sob a justificativa de que esses espaços continuavam concentrando muitas pessoas.
"O próprio governador (João) Doria aconselhou as pessoas a não fazerem exercícios ao ar livre", disse à BBC News Brasil o presidente da entidade, o cardiologista Marcelo Leitão. Assim, para a entidade, no caso de São Paulo prevalece a orientação de "ficar em casa". Benefícios e riscos Nos demais locais, a entidade afirma que a prática é recomendada "por ter efeitos benéficos para a saúde física e mental".
E orienta que ela seja feita de forma isolada, para evitar qualquer tipo de aglomeração ou contato próximo entre pessoas. O Ministério da Saúde tem colocado como uma distância segura um intervalo mínimo entre um ou dois metros.
A SBMEE alerta, contudo, que essas pessoas podem "se expor a situações de imprevisibilidade" e que, por isso, devem ficar atentas à possibilidade de "aproximação inadequada com outras pessoas em elevadores de prédios, áreas comuns de condomínios e em espaços públicos, além do risco potencial de contato com superfícies diversas (botões, corrimão, maçanetas, portas) eventualmente contaminadas". Ao mesmo tempo, "o benefício de uma caminhada neste momento é imenso", diz a infectologista Raquel Stucchi, professora da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e membro da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).
Para ela, a prática de atividades ao ar livre que não levem a aglomerações, respeitando o distanciamento social, não aumentaria as chances de infecção pelo novo coronavírus, já que as evidências epidemiológicas dos últimos três meses em relação à covid-19 apontam que a transmissão se dá por meio de um contato mais próximo. Para Jorge Sampaio, médico consultor da Microbiologia do Fleury Medicina e Saúde, ainda que do ponto de vista médico a distância de dois metros afaste em muito as chances de transmissão por gotículas, o debate deveria levar em consideração também o "direito do próximo".
"Todos nós temos direitos iguais. Se todo mundo usufruir do direito ao mesmo tempo, nós vamos ter muita gente na rua", pondera. Há de se considerar também que pesquisadores em todo o mundo ainda estão estudando os caminhos de transmissão do coronavírus e o grau de proximidade que pode apresentar riscos. Um estudo publicado por pesquisadores da Academia de Ciências Médicas Militares de Pequim no periódico Emerging Infectious Diseases, por exemplo, indicou que o vírus podia ser detectado — mas não necessariamente com capacidade de infectar — a até quatro metros de pacientes com covid-19 em alas do hospital Huoshenshan, em Wuhan, cidade chinesa onde a doença começou.
Outro trabalho, ainda não publicado em um periódico mas já divulgado por seus autores, usou modelos computadorizados para estimar quão longe partículas de saliva — que podem carregar patógenos como coronavírus — podem ir quando uma pessoa caminha, corre ou pedala, por exemplo. Uma vez que, ao se movimentar, podemos deixar "rastros", os autores indicam que as distâncias seguras podem ser maior do que um a dois metros. Por exemplo, pode haver risco de transmissão quando a distância entre duas pessoas caminhando, uma na frente da outra, for menor que cinco metros.
Enquanto a distância de segurança ainda é discutida no meio científico, cidades brasileiras como Rio e São Paulo viram no último fim de semana alguns de seus pontos reunindo muitas pessoas. Apesar das restrições de acesso às praias, o calçadão da orla carioca teve grande movimento no sábado (04/04) e domingo (05/04). Em São Paulo, chamaram atenção imagens da Praça do Pôr do Sol, na zona oeste da cidade, lotada.
Praticamente todos os brasileiros submetidos às medidas de restrição de mobilidade têm experimentado um aumento nos níveis de estresse. Procurar se exercitar em casa, nesse sentido, equivaleria a "se privar pensando no outro", diz o especialista, que é professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP).
Ele ressalta ainda que não se sabe exatamente o papel dos contaminados assintomáticos na transmissão da covid-19 — e evitar sair de casa o máximo possível seria uma maneira de evitar esse contágio. O médico Jamal Suleiman, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, acrescenta ainda o risco de lesões associado ao esporte ao ar livre.
"A questão é se você sofrer um acidente e precisar de assistência médica. Se seu pai precisar de atendimento por causa da covid-19, o profissional de saúde tem que estar disponível para atendê-lo, em vez de estar atendendo você." O especialista faz coro a colegas de outros países. Uma mensagem gravada pelo médico espanhol Carlos Mascías, diretor de um hospital privado em Madri, em que ele pedia que os ciclistas deixassem as bicicletas em casa, viralizou em meados de março. "Qualquer possibilidade de minimizar um consumo nos serviços de saúde que não esteja destinado à infecção por coronavírus é primordial", afirmou.