A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) negou, nesta terça-feira (30), a certificação de boas práticas de fabricação para a Bharat Biotech, empresa de biotecnologia indiana que criou a Covaxin, candidata a vacina contra Covid-19. Uma equipe de inspetores da Anvisa realizou a inspeção na fábrica indiana no início de março.
Entre os problemas detalhados estão questões sanitárias, de controle de qualidade e de segurança na fabricação da vacina. A negativa da Anvisa prejudica o cronograma de doses previstas pelo Ministério da Saúde, que assinou um acordo para adquirir 20 milhões de doses do imunizante em fevereiro.
A certificação é um dos requisitos para o registro de um medicamento ou vacina no Brasil. Farmacêuticas como a Pfizer, a Janssen, do grupo Johnson, a Sinovac, que desenvolveu a CoronaVac, e a AstraZeneca, responsável pela produção da vacina de Oxford, já receberam a certificação da Anvisa.
No último cronograma, do dia 19 de março, o ministério contava com oito milhões de doses da Covaxin ainda em março, mais oito milhões de doses em abril e quatro milhões de doses em maio, mesmo sem a aprovação de uso emergencial da agência reguladora. Nesse novo cenário, a previsão de entrega de doses do Ministério da Saúde vai de 47 milhões para 39 milhões em abril.
A Covaxin também chegou a ser motivo de negociações entre clínicas privadas e a Bharat Biotech. Em janeiro, a Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas (ABCVAC) enviou uma delegação à Índia para negociar a possível compra de doses da Covaxin para serem comercializadas por clínicas privadas.
Como funciona a certificação
O aval é concedido após análise das condições de fabricação das empresas produtoras da vacina. As companhias devem estar de acordo com as normas de segurança e qualidade estabelecidas pela Anvisa. O pedido da certificação para a Bharat foi feito pela Precisa Medicamentos, que busca importar a Covaxin para o Brasil.
A certificação é uma avaliação realizada por inspetores qualificados para garantir que uma fábrica, em qualquer lugar do mundo, cumpra com os requisitos determinados pela legislação brasileira. São avaliadas as estruturas físicas das áreas de produção, armazenamento e laboratórios de controle de qualidade, entre outros pontos.
Quando a empresa cumpre com as boas práticas, isso significa que ela tem capacidade para produzir os medicamentos com a qualidade desejada e sempre com o mesmo padrão definido no registro em todos os lotes fabricados, segundo a Anvisa.
Motivos da negativa
A Anvisa citou 14 artigos jurídicos para negar a certificação de boas práticas, com base em três documentos: uma resolução da diretoria e duas instruções normativas.
Em nota, a agência disse que, durante a inspeção, foram constatados problemas que, juntos, "denotam um risco significativo à fabricação e garantia de qualidade do produto, implicando em risco sanitário aos usuários".
Os principais foram:
- Potência da vacina: a empresa não utilizou um método de controle específico para quantificar o conteúdo antigênico e potência da vacina. Por isso, a Covaxin pode apresentar variações que comprometem a sua eficácia.
"Assim, o paciente pode receber doses não uniformes e não representativas do produto testado no estudo clínico realizado, sendo impossível garantir que o produto controlado desta forma tenha as mesmas características do produto objeto do estudo clínico", disse a Anvisa.
Dados divulgados no início de fevereiro apontaram que a vacina teve 80,6% de eficácia na prevenção de casos sintomáticos da Covid-19. Isso significa que, nos testes, a vacina conseguiu reduzir em 80,6% a proporção de casos sintomáticos que ocorreriam se as pessoas não tivessem sido vacinadas.
- Inativação viral: a empresa não validou o método de análise que comprova a completa inativação do vírus e não demonstrou a cinética de inativação, disse a Anvisa. Além disso, uma das áreas de fabricação da vacina não possui todas as medidas necessárias para garantir o contato completo do agente inativante com o vírus vivo.
"Considerando se tratar de uma vacina inativada, a empresa precisa garantir que o vírus foi completamente inativado durante a fabricação, caso contrário vírus vivos podem estar presentes na vacina e podem ocasionar a contaminação de pacientes com o próprio vírus SARS-CoV-2. Trata-se de um ponto relacionado à segurança do produto", afirmou a agência.
-Esterilização: a empresa não adota todas as precauções necessárias para garantir a esterilidade do produto.
"Considerando que a vacina é um produto injetável, este precisa ser estéril, ou seja, ausente de qualquer microrganismo. Se o produto não estiver estéril pode causar infecção bacteriana no paciente. Outro ponto relacionado à segurança do produto", afirmou a agência.
Pureza: empresa não possui uma estratégia de controle adequada para garantir a pureza do produto.
"A concentração de impurezas no produto pode não ser constante, e pode ser diferente do avaliado durante o estudo clínico, afetando a segurança do produto" considerou a agência.
A agência também citou artigos jurídicos que previam outras regras não cumpridas pela Bharat – como a de que, para cada entrega de matéria-prima, os recipientes fossem verificados quanto à integridade da embalagem, incluindo o selo de evidência de violação quando pertinente.
Outra regra previa que as atividades em áreas limpas devem ser reduzidas ao mínimo e o movimento de pessoas deve ser controlado e metódico, a fim de evitar a propagação excessiva de partículas e organismos devido ao excesso de atividade.
Também foram apontados como embasamento da negativa artigos que ditavam regras de transporte da vacina. Uma das normas da agência previa, por exemplo, que as rotas de transporte deveriam ser claramente definidas, inclusive considerando variações de estação do ano. Outro ponto levantado é que deveriam ser considerados atrasos durante o transporte, falhas nos dispositivos de monitoramento, recarga de nitrogênio líquido e outros fatores.