Não é só o trabalho doméstico, recentemente alvo de uma nova legislação no Brasil, que está em transformação.
Seja por motivos legais, econômicos ou tecnológicos, outras profissões também passam por mudanças significativas, que podem ocasionar desde mais ganhos para o trabalhador até novas exigências de qualificação ou adaptação a novos desafios.
Muitas mudanças são naturais, decorrente da evolução do mercado de trabalho no mundo inteiro e da busca de competitividade nas empresas; outras, são decorrentes das carências e transformações do Brasil.
Com a ajuda de especialistas, a BBC Brasil identificou oito profissões ou áreas de trabalho em acelerado processo de mutação, no Brasil e na América Latina:
Infraestrutura/tecnologia
Com o gargalo da infraestrutura brasileira em um "momento crítico", o Brasil tem um déficit de engenheiros e técnicos, muitos com qualificações bem específicas, diz Priscilla Tavares, pesquisadora da escola de economia da FGV-SP.
Segundo ela, em regiões do interior de São Paulo, onde há forte demanda por esse tipo de mão de obra, torneiros mecânicos podem chegar a ganhar o mesmo que engenheiros.
Especialistas dizem que essa demanda abrange também as áreas de eletrônica, mecatrônica, informática e telecomunicações.
"Todos os profissionais da área de rede (de telecomunicações) estão em transformação", diz João Nunes, diretor da consultoria em RH Michael Page, citando, por exemplo, o avanço da fibra ótica.
"O Brasil, bem como diversos países da América Latina, é deficiente em áreas de alta complexidade, criando uma forte demanda por esses profissionais. "Não há, por exemplo, conhecimento no país para fazer trens de alta velocidade, então a mão de obra e tecnologia têm de ser importadas", diz Nunes.
"Estamos evoluindo para um patamar de alto valor agregado, em que não basta construir uma estrada, mas sim uma estrada apta para o trânsito intenso, como no Porto de Santos."
Tecnologia da Informação
A área de TI, antes mais técnica do que funcional, hoje precisa interagir mais com outros departamentos da empresa, para entender e atender suas necessidades - algo que está mudando a forma como esses profissionais são recrutados, segundo João Nunes.
"Hoje esse profissional não é necessariamente um técnico em informática, mas um administrador que entende de tecnologia."
Nunes afirma que cresce também o investimento das empresas - sobretudo bancos, telecomunicações e setores de pesquisa e desenvolvimento - na área chamada de "Big Data", que consiste na análise de uma grande quantidade de dados para atender com mais rapidez as demandas da empresa e seus clientes.
"Para esses cargos, é necessário mais do que uma formação acadêmica", diz Nunes. "(As empresas buscam) pessoas que evoluíram em suas carreiras e têm conhecimentos técnico e de negócios."
Nunes agrega outra mudança vivenciada por essa área: a trabalhista. Com a incorporação de muitos funcionários de TI que antes trabalhavam de forma independente, como PJ (pessoa jurídica), as empresas estão tendo que investir mais para cobrir seus custos trabalhistas e para integrar esses funcionários aos demais.
Caminhoneiros
A Lei dos Caminhoneiros, em vigor desde março, determina que esses profissionais tenham 30 minutos de parada a cada quatro horas de direção, além de 11 horas seguidas de descanso diário. O objetivo da lei é coibir jornadas excessivas e prevenir acidentes nas estradas.
Isso pode trazer benefícios aos profissionais - como o aumento do adicional noturno - mas a medida pode ter efeitos "colaterais" problemáticos, na avaliação de Tavares, da FGV-SP.
Primeiro, diz a pesquisadora, há o perigo de que se aumente a informalidade em transportadoras menores, o que seria ruim para os trabalhadores. Outro desafio é que, em muitas estradas brasileiras, não há bolsões adequados onde os caminhoneiros possam descansar com segurança a cada quatro horas dirigidas.
Por fim, existe o impacto econômico da medida: em um país em que a maior parte do transporte é realizado pela malha rodoviária, transportadoras e empresas agrícolas se queixam de que a nova lei vai elevar em cerca de 14% os custos de frete, o que acabará sendo repassado ao consumidor ou ao preço de exportação.
Mas as mudanças legais são uma boa notícia para os trabalhadores, opina João Antonio Felício, secretário da CUT (Central Única dos Trabalhadores). "É inaceitável que um motorista dirija por 16 horas consecutivas, é um risco."
Prestação de serviços tradicionais
Algumas profissões de baixa remuneração, como as de pintor, encanador ou costureira, passam por uma mudança estrutural, opina Adriano Gomes, professor de administração da ESPM.
Com a adoção de tecnologias mais avançadas por parte de seus fornecedores (no caso de encanadores, empresas de tubos e conexões), muitos estão tendo que se capacitar e sair da informalidade para manter a clientela e os rendimentos.
"As empresas (fornecedoras de material de construção ou tintas, por exemplo) sabem que na ponta precisam de um profissional capacitado e estão fornecendo cursos para formá-los", diz Gomes.
"E esses profissionais também estão virando pequenos empreendedores, montando empresas ou pequenas franquias de prestação de serviços tradicionais. Hoje é mais fácil chamar um encanador de uma empresa prestadora de serviço do que um indicado pelo vizinho. Quem não se adaptar vai perder espaço."
Professores
Para Regina Madalozzo, professora do Insper, sua profissão está em constante transformação, por conta das mudanças sociais e tecnológicas de cada época. A atual geração, porém, traz desafios extras aos mestres.
"Hoje temos que lidar com alunos (conectados a) celulares, laptop e internet, que desde criança aprendem e pesquisam de outra maneira", diz Madalozzo.
Em uma aula de mestrado recente, recorda, os alunos checavam imediatamente online cada dado que ela citava, algo que aumenta a cobrança sobre o professor.
Ao mesmo tempo, outra mudança está em curso na área de exatas, sobretudo em escolas básicas brasileiras, explica Priscilla Tavares, da FGV-SP.
"Em exatas, há um apagão de professores", afirma. "Mulheres que antes ocupavam esses postos agora têm opções mais bem remuneradas no mercado de trabalho. E os salários de professores ficaram defasados em relação a carreiras que exigem o mesmo nível de educação."
Com isso, resta a muitas escolas optar por profissionais de pior formação ou contratar professores sem a formação adequada para determinada disciplina - por exemplo, um professor de matemática acaba fazendo as vezes de professor de química ou física.
Taxistas
A rotina desses profissionais também está mudando, sobretudo nas cidades-sede da Copa do Mundo e nas capitais em que já existem aplicativos de smartphones.
Os aplicativos colocam os consumidores em contato direto com o taxista que estiver mais próximo dele, substituindo a central telefônica. Sendo assim, muda a relação desse profissional com os dois lados da cadeia.
"Esse mesmo taxista já aceita cartão de crédito e oferece TV para seus passageiros. Não sabemos se essas tecnologias mudarão seu trabalho para melhor, mas certamente são algo novo", diz Adriano Gomes.
Comunicação/jornalismo
Queda em faturamento de jornais, encolhimento das redações, incerteza quanto a como obter receitas com a internet e como lidar com as novas tecnologias. O cenário é de mudanças radicais no setor.
"A informação mudou na forma como é produzida. As pessoas consomem mais informação, mas de pouca qualidade", opina Priscilla Tavares, da FGV-SP.
O mundo digital mudou também a rotina dos profissionais que atuam em comunicação empresarial, diz João Nunes, da Michael Page.
"Os departamentos de comunicação passaram a fazer atualização de Facebook e a cuidar da imagem da empresa nas redes sociais", afirma Nunes. "É uma área que ficou mais jovem. Quem tem menos aptidão acabou deixando o mercado."
Domésticas
Poucas profissões mudaram tanto no Brasil recente quanto a das domésticas, mesmo antes da mudança na legislação que igualou seus direitos aos dos demais profissionais.
"A PEC (proposta de emenda constitucional) acelerou o processo, mas a profissão já passava por mudanças e aumentos de salário acima da inflação", diz Regina Madalozzo, do Insper.
"Embora ainda tenhamos um número muito elevado de domésticas, muitas já não tinham a pretensão de se manter nesse ramo por muito tempo e trabalhavam para que seus filhos pudessem estudar e buscar outro emprego."
Agora, com a nova lei - que, em partes, ainda precisa ser regulamentada -, a tendência é que haja menos domésticas mensalistas, mas mais diaristas, com um ganho superior por hora trabalhada.
Por se tratar de um processo novo, seus desdobramentos positivos e negativos ainda estão por vir.
"Mas há vantagens para as domésticas, como o tratamento igualitário, o direito ao FGTS e a um horário fixo", diz Madalozzo, lembrando, porém, que a regulamentação adequada do governo é importante para estimular - em vez de inibir - a formalização desses profissionais. "Por enquanto, apenas 30% deles são registrados."