O escritório da ONU sobre drogas e crimes, Unodc, incluiu em seu último relatório um capítulo específico sobre a Amazônia, tal é a preocupação que essa imensa região ecologicamente significativa para o Planeta passou a ocupar na mente das autoridades, transformando-se num imenso desafio para a segurança e a lei. De santuário ecológico de alta relevância para o mundo, a Amazônia tornou-se um ecossistema de negócios ilícitos, com domínio do narcotráfico, exploração de ouro e madeira de maneira absolutamente ilegal, comércio clandestino de armas de fogo, pesca proibida, expulsão dos povos nativos de suas áreas, com a morte de centenas deles, e devastação de florestas para servir à agropecuária.
O que vem acontecendo na Amazônia, com o ápice de invasão criminosa a partir de 2019, é um fenômeno apontado como “narcodesmatamento”, conforme está contido no relatório da ONU sobre droga e crime. A droga em si não derruba árvores. Mas é ela quem vem financiando aqueles que promovem e executam a derrubada de nossas florestas, fazendo da região uma teia criminal que ameaça o meio ambiente e infelicita as populações locais, não apenas no Brasil, mas em todos os demais países que integram esse rico ambiente.
CRIME ORGANIZADO INTERNACIONAL
Uma investigação jornalística que a revista brasileira “Carta Capital” trouxe neste fim de semana, com profundidade de dados, é bastante elucidativa sobre o que de fato vem ocorrendo na Amazônia, mostrando que em razão do papel central na produção de cocaína e a abundância de terras e recursos naturais, a Amazônia tem hoje , sem qualquer dúvida, uma das mais densas concentrações de grupos do crime organizado internacional, contando-se ao menos 30 deles com atuação multinacional, com destaque para PCC (SP), Comando Vermelho (Rio) e dissidentes dos guerrilheiros colombianos FARC e Trem de Arágua, da Venezuela.
O relatório do Unodc descreve que a floresta amazônica está na intersecção de múltiplas formas de crime organizado, que aceleram a devastação e degradação do meio ambiente, com muitas implicações em termos de segurança pública, de saúde coletiva, mantendo uma cadeia de impactos negativos sobre as populações e levando drogas pesadas, cada vez de forma mais frequente, aos centros urbanos do país e do exterior. A região, além da vasta cobertura vegetal e de extensas áreas territoriais, historicamente sempre favoreceu o crime em razão de pouca estrutura de segurança e deslocamento e de uma nítida ausência do Estado.
Ainda conforme o relatório Unodc, o tráfico de drogas está trazendo junto uma outra ação criminosa gravíssima, o tráfico de pessoas, que já movimenta bilhões de dólares por ano em todo o mundo. As vítimas são utilizadas na exploração sexual, no trabalho escravo ou inseridas no mercado ilegal de compra e venda de órgãos e tecidos humanos. Essa é uma atividade relativamente nova na sua forma de organização junto ao narcotráfico, mas que já movimenta algo em torno de US$ 32 bilhões opor ano.
Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública dão conta de que 40% de toda a cocaína produzida no mundo já provém dos países amazônicos, com importante passagem pelo Brasil, através do Estado do Pará, daí espalhando-se para o resto do país e para o exterior. Tais constatações, e a necessidade de que essa imensa onda criminosa possa ser contida, tem levado as autoridades brasileiras e tomar a iniciativa de montar um comando conjunto de ações de segurança com os demais países que integram a Amazônia (Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Venezuela e Suriname).
No Fórum da Amazônia, realizado em Belém na primeira dezena de agosto, os dirigentes de todos os países integrantes firmaram o compromisso de ações conjuntas, permanentes e consistentes nas questões ligadas ao desenvolvimento da região, mas com enfoque especial no tema segurança e na preocupação com essa crescente invasão do narcotráfico. É dentro dessa visão conjunta que a Polícia Federal, em cooperação com outros organismos, está instalando o Centro de Cooperação Policial Internacional da Amazônia, onde trabalharão em parceria agentes dos nove Estados brasileiros abrangidos pela floresta e integrantes de organismos de segurança e inteligência de outros países, inclusive da Interpol.
A estrutura que está sendo montada contará com ao menos 45 servidores específicos para essas missões, e uma base para aviões e helicópteros. A ideia foi aprovada durante o Fórum de Belém e já está em processo de montagem. Esse centro de operações terá a missão de operacionalizar trocas de informações e realizar atuações conjuntas no combate ao narcotráfico.
O mais surpreendente e inaceitável diante de um quadro grave como este, é ver o Senado Federal, numa afronta escancarada ao Supremo Tribunal Federal, aprovar o deplorável Marco Temporal das terras indígenas, tirando dos nossos povos originários o direito a ficar no solo em que nasceram. Além de ignorar que o STF tornou essa pretensão inconstitucional, numa votação de 9X2, os senadores que se colocam contrários à decisão da Suprema Corte estão dizendo claramente que se colocam do lado dos que destroem a Amazônia e favorecem o crime organizado nessas terras que os indígenas sempre protegeram.