Os relatos que temos acompanhado na mídia brasileira acerca das atrocidades que vêm sendo acumuladas contra as populações indígenas brasileiras, são estarrecedoras e revoltantes. As denúncias feitas em sequência contra atos criminosos, de profunda desumanidade, têm o poder de alertar o Brasil e o mundo para essa ausência de civilidade que assaltou as terras dos povos originários, mas têm, a meu ver, uma outra capacidade. A de despertar as nossas consciências, pessoais e coletivas, para o tipo de Parlamento que o país possui.
Que espécie de parlamentares, ressalvadas as exceções, nossos eleitores têm tido a coragem de mandar para o congresso. E o que estou dizendo não é falácia, ou argumentação “ideológica”, como alguns podem se apressar em rotular. Falo de situações reais, rigorosamente plausíveis de comprovação, como, por exemplo, a votação ,em plenário, que levou a Câmara dos Deputados, em 30 de Maio de 2023, à aprovação do muitíssimo suspeito Marco Temporal, recebendo 283 votos favoráveis, contra 155 votos que se posicionaram contrários.
Foram 128 votos a mais da manifestação dos contrários, para tornar lei uma medida que retira dos povos originários o direito a suas terras, ao proclamar que só terão direito a esses territórios os indígenas que os ocupassem em 5 de outubro de 1988, data da atual Constituição Federal.
DEPUTADOS FECHARAM OS OLHOS
A maioria dos deputados fechou os olhos para o fato de que muitas populações indígenas estavam, à época, tangidas de seus territórios, expulsas por madeireiros e garimpeiros que sempre praticaram ocupações ilegais sem qualquer punição.
Outro agravante é o fato de que no momento em que a Câmara deu sinal verde para que as populações indígenas fiquem desabrigadas de seus espaços históricos, isso se tornando lei, é que o Brasil vivia ( e ainda vive) um momento traumático, disparado em janeiro deste ano, quando o governo, ao acolher denúncias de organizações brasileiras e mundiais, constatou que as terras dos povos Yanomamis haviam sido tomadas por garimpeiros ilegais, exploradores inescrupulosos de ouro, contrabandistas da pior espécie.
Nessa, que é a maior reserva indígena brasileira, os invasores contaminaram os rios por mercúrio, fizeram desmatamentos monumentais, roubaram ouro e outros minerais e promoveram um verdadeiro genocídio contra os indígenas, levando à morte mais de 500 crianças, idosos e mulheres.
A VIOLÊNCIA NÃO PARA DE CRESCER
E se não bastasse, se isso não servisse como lição, para uma tragédia que denigre o Brasil perante o mundo, as violências não param de crescer.
Esta semana, a Polícia Federal recebeu imagens de duas crianças e um adolescente indígenas amarrados a troncos de árvores, nas terras Yanomamis, prática hedionda executada por garimpeiros e madeireiros ilegais, que tiveram a ousadia, na gravação recolhida pela PF, de acusarem as crianças e o adolescente de terem roubado um celular que lhes pertencia.
Em outra operação a Polícia Federal desmontou uma quadrilha poderosa envolvida com o contrabando de ouro extraído ilegalmente também em território Yanomami, com movimentação financeira na casa de 6 bilhões de reais, e participação de redes de supermercados e distribuidoras de Estados do Norte (AM, RR, PA) e ramificações em outros cinco Estados: GO, DF, TO, SP, MG, RN.
ESPERANÇA
Uma constatação esperançosa é que o garimpo ilegal, que nos primeiros nove meses de 2022 chegou a ocupar uma área de 999 hectares, teve esse espaço reduzido, em 2023, para 214 hectares, graças à firme atuação do governo e ao olhar atento de observadores mundiais. Mas isso é ainda insuficiente, porque precisa ter fim.
Mesmo sabendo que a maioria do Congresso esteja cega para essa dura e vergonhosa realidade, o que devolve a esperança é a possibilidade de que o STF ponha um ponto final nessa indecência que massacra os povos originários do Brasil e humilham nossa nação diante do mundo.