Quentinho, feito na hora, crocante por fora e molinho por dentro! Estamos falando do famoso bolo frito da Solimar, localizado no Mercado do Mafuá, na zona norte de Teresina. Mas hoje não falaremos da famosa iguaria e sim de quem está por trás das mãos que produzem tamanha delícia. Nascida em 15 de junho de 1961, Ancelismar Sousa Barros, ou Solimar, como todos a conhecem, contou ao Meionews.com um pouco sobre a sua trajetória.
Natural de Barras, no Norte do Piauí, ela revela que aos 17 anos se mudou para Teresina após terminar o segundo grau, na década de 80. Na capital, estudou no Instituto de Educação e se formou como professora, mas os contratempos da vida a levaram por um caminho diferente. Sem conseguir um emprego remunerado após o estágio, passou a trabalhar no Mercado do Mafuá, ao lado da tia.
“A minha tia desistiu. Ela não pode continuar, envelheceu. Eu trabalhava com a fruta e minha tia com comida. Então, ela saiu e eu fiquei na fruta. A minha irmã precisou casar e eu abri aqui a lanchonete com comida, só que não deu para mim. O pessoal me enganava para comprar fiado, não pagava. Eu botava um prato que ele ia mais do que aquilo. Não deu o resultado porque eu não tirava o dinheiro de pagar o dono e sobrar para mim”, relatou a empreendedora.
Enfrentando as dificuldades iniciais com a venda de comidas, a cozinheira de mão cheia decidiu apostar em um novo rumo: o bolo frito. São 43 anos trabalhando com o alimento que atrai inúmeros clientes fiéis. Diante do novo empreendimento, sua lanchonete se tornou referência no Mercado, proporcionando sustento para sua família.
Mãe e irmã dedicada:
Ela se tornou um pilar fundamental para sua família, criando seus filhos e sobrinhas, e oferecendo suporte à sua irmã, inclusive durante os momentos mais difíceis com o filho especial, onde ela tinha que sair de Barras duas vezes por semana para realizar o tratamento do filho. “Eu ajudei ela até quando ele ficou vivo. Ele só durou 5 anos”, disse.
“Morei com a minha irmã, até hoje, praticamente, moro com ela. Inventei ter um filho solteira, minha irmã criou. Arrumei um casamento, tive outra filha, que já tem 23 anos. Eu continuo levando a vida. Eu me sinto empresária, uma empresária sucedida, pois toda a minha família, de uma ponta a outra, tem um dedinho da minha ajuda”, acrescentou.
O sonho realizado e as dificuldades
Aos 63 anos, a empreendedora já conquistou os sonhos que almejava quando era criança: casar-se de véu e grinalda, e ver seus filhos se formando. No entanto, com lágrimas nos olhos, ela conta que sofre há anos com problemas dentários que afetam sua saúde e autoestima. A perda de dentes, dor e procedimentos ineficazes no passado a deixaram traumatizada e com receio de buscar ajuda profissional.
“Os dentes eram na gengiva. Eu fiz um ampliamento de dente e caiu todinho e os pedaços ficou dentro, amoleceu tudinho, eu arranquei com a mão. Mas hoje eu não vou ao dentista, não tive coragem, eu tenho medo. A vergonha maior que eu tenho na minha vida é sorrir na frente das pessoas, porque é muito feio. Eu sei, meus clientes aqui mas não me preocupar com isso. Com tratamento dos meus olhos, eu não podia arrancar agora de um ano para cá, mas eu tenho muita vergonha da minha boca”, afirmou chorando.
Jornada no Mercado do Mafuá
Sua jornada diária começa cedo, com a chegada ao trabalho por volta das 2:40 da manhã. Às 12h ela se despede da lanchonete e vai para casa, descanar. No final do dia, ela se dedica aos cuidados com a casa, aproveitando o tempo livre para organizar e cuidar de cada detalhe, e assim acontecem todos os dias, com a mesma rotina. Aos finais de semana, ela conta com a presença de uma pessoa para auxiliar nas vendas, já que a demanda é grande.
“Eu não bebo. Eu não fumo. Eu não danço, por isso eu não tenho muita [diversão]. Minha diversão é aqui mesmo. Aqui é minha vida, quando tem alguma coisa familiar a gente vai. Porque aqui não dá liberdade de eu sair tanto”, explicou.
"Eu sou diabética. Eu sou hipertensa, tenho problema de coração. Eu sou zangada. No momento da brincadeira, da diversão, minha diversão é trabalhar, eu me sinto muito bem. Mas sábado, domingo, por exemplo, aqui é muito lotado, e às vezes eu não tenho tempo nem de tomar café cedo. Aí tenho um desmaio por conta da diabete que não pode estar com fome. Como qualquer coisa e melhoro”, reforçou.
Problema na visão
Diante do cotidiano agitado, Solimar jamais imaginaria que possuia um problema grave nos olhos. Após ir a um mutirão de catarata, foi alertada de que teria que procurar um especialista, pois havia um problema em sua retina. No médio particular, onde acreditou que seria um procedimento rápido, descobriu que seria necessário iniciar um tratamento com injeções no olho para tratar a retina.
“Vai fazer dois anos que tô nisso. No intervalo de uma injeção para outra, eu já fiz duas cataratas, quando foi permitido. Eu praticamente eu tava cega. Hoje, eu não enxergo bem, mas de dois anos para cá, já comprei dois óculos e tô no tratamento. Quando a retina melhorar é que ele vai liberar para eu fazer o transplante de córnea”, detalhou a cozinheira.
O transplante será realizado em Fortaleza. Ela ainda revelou que teve dificuldades financeiras para bancar o tratamento, mas que, felizmente, teve ajuda de alguns clientes. “Eu não tinha dinheiro. Um cliente meu que é muito meu amigo me jogou na rede social para pedir ajuda e através da reportagem dele, muita gente ajudou. Eu já gastei muito, quase uns 50 mil esse tratamento de olho e tudo foi particular, exame. É essa luta. [...] Valeu o que ele fez, ele não tinha dinheiro, mas ele tinha um conhecimento”, pontuou.
DE ONDE SURGIU A IDEIA DO BOLO FRITO?
Em Barras, a cozinheira era cliente de uma senhora que fazia bolo frito. De manhã cedo saia e esperava ansiosamente pelo primeiro que ela colocava no tabuleiro. Após comer, ainda ajudava com algumas coisas e aos poucos foi aprendendo a receita da delícia que encanta quem passa pelo Mercado do Mafuá.“Eu cheguei aqui, tive uma necessidade de ter um emprego. [...] Eu comecei a fazer esse bolo”.
Ela explica que sua clientela é fiel e prefere seus bolos a qualquer outro. “É porque todos os bolos são bons, mas todos são diferentes”.
AMPLIAÇÃO DO CARDÁPIO
Se reinventando, Solimar acrescentou no cardápio outras iguarias, como caldo de carne, bolo de sal, e agora, cachorro-quente. “Todo dia quero a novidade. Eu tô reformando. Quero ver o futuro bonito. [...] Eu não sou dessa de querer gostar de guardar dinheiro. Eu gosto é de comer bem, eu gosto de vestir bem. Dinheiro não é tudo. Tudo é o conforto e a confiança, por exemplo, que meus filhos me dão”.
BONDADE E AMOR NO CORAÇÃO
Para a empreendedora, a verdadeira beleza vem de dentro. Com um coração generoso e um espírito acolhedor, ela faz a diferença na vida de muitas pessoas necessitadas. Sua generosidade se reflete na forma como trata aqueles ao seu redor, especialmente os necessitados.
“ Uma pessoa em situação de rua que chega aqui faz é sentar e comer igual um cliente. Porque gosto de ajudar quem precisa”, finalizou.