Originado em 1758, o conflito territorial entre os estados do Piauí e Ceará se estende até os dias atuais. O litígio engloba uma extensa área na Serra da Ibiapaba, abrangendo 13 municípios cearenses e oito piauienses, totalizando 3 mil quilômetros quadrados e envolvendo cerca de 25 mil pessoas.
Em análise no Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2011, contando com a relatoria da ministra Cármen Lúcia, o processo está avançando e o Exército realiza até o próximo mês uma perícia in loco na região. A ação na Corte foi iniciada pelo Governo do Piauí e o Estado arcou integralmente com os custos da perícia.
Caso a transferência das terras para o Piauí seja efetivada, aproximadamente 25 mil habitantes do Ceará se tornarão piauienses. Essa questão provoca divisões entre os moradores locais, dada a relevância econômica da região, especialmente no setor agropecuário.
Diante do imbróglio secular, o MeioNorte entrevistou o procurador-geral do Piauí (PGE-PI), Pierot Júnior, que detalha as provas colhidas pelo Estado; elas balizam a ação no STF.
"O estado do Piauí entrou com uma Ação Civil Originária tentando que se faça prevalecer os limites territoriais definidos em documentos históricos, entramos com uma ACO no ano de 2011, e com base o nosso direito leva em consideração os documentos históricos que são: o decreto imperial, a convenção interestadual entre as partes; os marcos naturais, que foram definidos como o divisor de águas e a cumeeira, o ponto mais alto da Serra da Ibiapaba; além das cartas cartográficas", frisou.
De acordo com Pierot Júnior, a tese do Piauí é bem fundamentada e há a expectativa que no máximo até maio do próximo ano o Exército finalize o laudo pericial da região.
"O Exército está se debruçando - assim por dizer - como órgão pericial, órgão que vai encontrar uma solução do ponto de vista técnico, com base nesses documentos, o Estado do Ceará tenta colocar uma tese socioeconômica como defesa do território atualmente ocupado por eles, mas é fato que a tese do Piauí se fundamenta em documentos históricos, cartas cartográficas e marcos naturais, esperamos que após a perícia do Exército que está fazendo a vistoria in loco agora até outubro de 2023 e terá um encerramento a partir de maio do próximo ano, exista um laudo que possa concluir sobre essas divergências apontadas por ambos os Estados", cravou.
Provas contundentes
As provas apresentadas pelo Piauí são robustas e contradizem dois mitos relacionados à disputa. Primeiramente, refutam a alegação de que o Piauí nunca teve litoral e a ideia de que o Ceará teria cedido esse território ao estado. Em segundo lugar, desmentem a suposta cessão do trecho da Serra da Ibiapaba ao Ceará nessa troca.
Os municípios cearenses envolvidos na disputa, sujeitos a uma possível perda de parte de seu território, são: Granja, Viçosa do Ceará, Tianguá, Ubajara, Ibiapina, São Benedito, Carnaubal, Guaraciaba do Norte, Croatá, Ipueiras, Poranga, Ipaporanga e Crateús.
No Piauí, alguns municípios podem ter seus territórios ampliados, incluindo Luís Correia, Cocal, Cocal dos Alves, São João da Fronteira, Pedro II, Buriti dos Montes, Piracuruca e São Miguel do Tapuio.
As regras para divisão territorial remontam a 1718, quando foi estabelecida a Capitania do Piauí, que permaneceu sem governador até 1758, quando foi desmembrada do Maranhão. Posteriormente, foi elaborado o primeiro mapa, seguindo critérios do Tratado de Madrid, incluindo o princípio do uti possidetis, ita possideatis: quem possui de fato, deve possuir de direito. Outro aspecto relevante é a norma para divisão territorial baseada nas características geográficas, considerando o divortium aquarum, o divisor de águas, quando a divisão ocorre por meio do relevo da região. Na Serra, o ponto mais elevado serve como divisor natural, delineando o território piauiense de um lado e o cearense do outro.
Pierot Júnior espera que após o laudo pericial, a relatora do caso volte a dialogar com representantes do Piauí e do Ceará, assim o PGE espera que seja encontrada uma solução que contemple os Estados. O discurso do Piauí é conciliatório.
"Eu costumo colocar que não seria exatamente litígio, não seria exatamente uma disputa, mas a gente espera que a partir do laudo do Exército tenhamos diretrizes para definição dessa demanda sobre os limites territoriais entre o Estado do Piauí e o Estado do Ceará, o Exército apresenta a conclusão do laudo dele em meados do próximo ano e após isso vai para a conclusão da relatora do caso, que é a ministra Carmen Lúcia, vai sentar provavelmente com representantes do Estado do Ceará e do Estado do Piauí e acredito que seja encontrada uma solução que contemple os anseios daquilo que o Direito prevalece".
Questionado pelo MeioNorte, se o Ceará continua avançando em terras piauienses, Pierot Júnior reverbera que a ação vai definir tais limites, visando sanar as divergências que envolvem a região.
"O objetivo na verdade da ação é exatamente a definição desses limites, para que não ocorram divergências de quem seria a área que fica fazendo confrontação entre os dois Estados, então assim, a segurança jurídica sobre essas áreas vai ser pacificada a partir do momento que o STF definir essa ação do Estado do Piauí sobre o Estado do Ceará", sinalizou.
Pierot Junior esclarece que a relação entre os Estados é boa, que são Estados irmãos e o diálogo prevalece, assim, todos os interesses envolvidos na disputa serão levados em conta para que o processo tenha a melhor solução possível, a menos traumática aos entes envolvidos.
"Todos nós esperamos a melhor solução, tanto do ponto de vista institucional como para a própria população, o nosso governador do Estado é uma pessoa sensata, o governador do Estado do Ceará também é uma pessoa sensata, então o objetivo a partir dos elementos encontrados dentro do processo judicial será encontrar a melhor solução tanto do ponto de vista institucional quanto do ponto de vista de atender os anseios de todos os envolvidos", cravou.
Piauí montou grupo de trabalho
No último mês, o governador do Piauí, Rafael Fonteles (PT), assinou um decreto para criar um Grupo de Trabalho responsável por monitorar a Ação Civil Originária nº 1.831/PI, em andamento no Supremo Tribunal Federal. O intuito desse decreto é gerenciar a definição dos limites territoriais entre Piauí e Ceará.
O líder do Piauí reconheceu a importância de contar com uma equipe multidisciplinar para supervisionar a Ação Civil Originária nº 1.831/PI, cujo objetivo é definir os limites territoriais entre os estados do Piauí e Ceará. O governador enfatizou a relevância desse tema para a população piauiense, estabeleceu um novo cronograma para o trabalho dos especialistas e salientou a necessidade de acompanhamento.
O Grupo de Trabalho (GT) recém-criado será composto por uma equipe multidisciplinar ligada ao Gabinete do Procurador-Geral do Estado, visando facilitar o acompanhamento da Ação.
Esse GT será formado por colaboradores vinculados a órgãos da Administração Direta e/ou Indireta do Estado, divididos em três subgrupos: Subgrupo 1 para análise jurídica, Subgrupo 2 para estudos socioeconômicos, históricos e demográficos, e Subgrupo 3 para análise técnico-cartográfica da área.
Os representantes do Subgrupo 1 serão indicados pelo Procurador-Geral do Estado e pelas Secretarias relacionadas. A participação no GT será voluntária e não remunerada, sendo considerada uma prestação de serviço público relevante.
As atribuições do GT incluirão fornecer suporte técnico conforme solicitado pelo Procurador-Geral do Estado para defender os interesses do Piauí na Ação Civil Originária nº 1.831/PI.
O Grupo de Trabalho seguirá um cronograma periódico para suas atividades, levando em consideração o progresso do processo e as requisições do Procurador-Geral do Estado. A participação dos membros em reuniões e o atendimento às convocações do GT serão considerados como trabalho efetivo, contribuindo para o cumprimento de suas horas de trabalho.
Além disso, o GT poderá buscar auxílio técnico de outros órgãos da Administração Direta e/ou Indireta e obter informações de entidades com experiência na área, que possam contribuir direta ou indiretamente para a conclusão dos trabalhos. No entanto, é vedada qualquer manifestação pública dos membros do GT que ultrapasse suas funções acadêmicas e/ou profissionais, especialmente entrevistas.
"Mês passado o governador editou um decreto, um decreto que tem a finalidade de juntar vários especialistas nesta área, então tem representantes tanto da Procuradoria do Estado, que é a parte jurídica, mas da Secretaria de Planejamento, da Assembleia Legislativa, da Secretaria de Governo, juntando vários profissionais com especialidade em diversas áreas, então é um grupo de trabalho multidisciplinar que vai ajudar a encontrar a melhor solução a partir da perícia do Exército e posteriormente a decisão do próprio Exército", explicou o PGE ao MeioNorte.
Tese do Piauí prosperou noutros litígios
Por fim, ao ser questionado se realmente acreditava que a luta do Piauí era justa no litígio com o Ceará, o PGE, Pierot Júnior, foi categórico e exemplificou com outros processos aos quais a tese apresentada pelo Estado prosperou na análise da Suprema Corte.
"Sem dúvidas, as provas apresentadas pelo Estado do Piauí são contundentes, senão não teríamos realmente movido essa ação para tentar definir a partir de uma segurança jurídica os limites territoriais de ambos os Estados, as provas do Estado do Piauí, volto a repetir, se fundamentam em documentos históricos, que é o decreto imperial e a convenção interestadual; marcos naturais e cartas cartográficas, o STF para título de exemplo, já decidiu em outra oportunidade de conflito territorial entre limites territoriais que foi Piauí e Tocantins; e Piauí e Bahia, com base nos argumentos apresentados pelo Estado, que são provas contundentes e a partir da perícia do Exército realizada", complementou.