Ao contrário do que se acreditava há mais de 250 anos, a Bacia Amazônica não serve de lar para apenas uma espécie de peixe-elétrico. Essa foi a conclusão à qual uma equipe de cientistas chegou depois de conduzir exames de DNA em mais de 100 desses animais e os resultados apontarem que, na verdade, existem (pelo menos) 3 espécies diferentes deles na Amazônia – sendo que uma é capaz de produzir descargas elétricas de 860 volts, a mais poderosa já registrada no Reino Animal.
Descoberta eletrizante
Desde meados do século 18, os cientistas pensavam que o único peixe-elétrico que habitava na Amazônia era o da espécie Electrophorus electricus – descrita pela primeira vez por Carolus Linnaeus, médico, botânico e zoólogo sueco considerado como o “pai da taxonomia moderna”. Contudo, após desconfiar que podiam existir mais espécies desses animais, os pesquisadores decidiram coletar exemplares e submetê-los a análises para investigar.
Os cientistas capturaram peixes-elétricos aqui no Brasil, assim como no Suriname, Guiana e Guiana Francesa, somando 107 indivíduos no total. Então, os pesquisadores examinaram os corpos e estruturas ósseas dos exemplares, mapearam os locais onde cada um deles foi capturado e analisaram os testes genéticos conduzidos – e esse meticuloso processo revelou a existência de outras 2 espécies até então desconhecidas: a Electrophorus varii e a Electrophorus voltai, sendo esta segunda a que produz a descarga de 860 volts que mencionamos antes.
As análises também apontaram que os peixes da espécie E. electricus habitam mais ao norte da Bacia Amazônica, principalmente na Guiana e no Suriname, enquanto que os animais das espécies E. varii e E. voltai preferem ficar mais ao sul da bacia, na região norte do Brasil, e podem ser encontrados nos rios Xingu e Tapajós. Além disso, apesar de os indivíduos das 3 espécies parecerem idênticos, os cientistas conseguiram identificar ligeiras diferenças no formato do crânio e na estrutura corporal das criaturas.
Habilidades “chocantes”
Com relação às descargas elétricas, os cientistas colocaram os peixes-elétricos em piscinas infláveis para poder medi-las e, depois de levar uns tantos choques no processo, descobriram que os E. voltai são capazes de produzir a maior descarga já registrada entre animais, superando a maior marca até então, que era de 650 volts.
Só para se ter ideia, se você enfiar os dedinhos em uma tomada, vai levar um choque entre 110 e 220 volts, mais ou menos, e os tasers podem gerar cerca de 1,2 mil volts. Isso significa que, apesar de poder produzir uma descarga e tanto, um peixe-elétrico sozinho não seria capaz de matar um humano (adulto e saudável). Contudo, se um cardume nervoso atacasse alguém – e essas criaturas costumam viver em grupos –, aí a situação poderia se complicar.
Mas não se preocupe, pois não existem registros de que incidentes assim já tenham ocorrido, e o normal é que os peixes usem seus “poderes” para capturar presas, afugentar predadores e para ajudá-los a navegar pelos rios e se comunicar. E mais: foram os peixes-elétricos que inspiraram Alessandro Volta a criar a primeira bateria elétrica, no finalzinho do século 18, e, mais recentemente, suas propriedades vêm servindo de ideia para o desenvolvimento de novas tecnologias, entre elas, baterias de hidrogel para uso em implantes médicos e a criação de medicamentos para o tratamento de doenças neurodegenerativas. Além disso, a identificação das novas espécies demonstra que ainda existem muitos organismos na Amazônia esperando para serem descobertos. Só tomara que dê tempo...