Passado mais de um ano do início da pandemia do coronavírus, já se sabe que a doença não afeta apenas o pulmão, mas também outros órgãos do corpo, como coração e rins. As sequelas do vírus são das mais diversas, vão desde fadiga persistente, déficit de memória, arritmia até perda de paladar.
Uma dúvida que pode surgir entre os recuperados da covid-19 é: devo fazer um check-up médico? Quais especialidades devo procurar? E os exames? Pensando nisso, VivaBem conversou com diversos especialistas para entender como deve ser feita essa avaliação médica.
O primeiro ponto é que depende muito do grau da doença que a pessoa teve: leve, moderado ou grave. As duas últimas envolvem, principalmente, a internação do paciente e, nos casos mais severos, a intubação em uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva).
De uma forma geral, é importante que as pessoas façam, sim, um check-up e procurem um médico de confiança (independentemente da especialidade) após a recuperação da doença. É ele quem pode fazer essa avaliação mais global e indicar os especialistas que o paciente deve procurar, se necessário.
Caso a pessoa não tenha um nome em mente, é indicado um clínico geral, médico de família, pneumologista ou infectologista.
Tive um quadro leve: o que fazer?
Para esses pacientes, Ricardo Martins, pneumologista e professor do HUB (Hospital Universitário de Brasília), explica que uma consulta clínica e um exame físico já são suficientes. "Um clínico geral, um médico de família e comunidade resolvem bem. Nem todos têm convênio, então, pelo SUS, seria por meio da atenção primária [postos de saúde]", diz o também membro da SBPT (Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia).
Esse profissional pode indicar um outro especialista a depender dos sintomas que a pessoa apresenta. Por exemplo: arritmia cardíaca, um cardiologista; perda de memória, um neurologista; ansiedade, quadros depressivos, um psiquiatra ou psicólogo; perda de cabelo, um dermatologista.
Quadros moderados e graves merecem atenção
De acordo com o pneumologista, esses são os casos que mais preocupam, principalmente quem necessitou do hospital para tratar a doença.
"De uma forma geral, o paciente vem com um comprometimento respiratório, porque a porta de entrada da covid-19 é o sistema respiratório e o primeiro comprometimento que se dá é a pneumonia viral, aí é indicado procurar um pneumologista, por exemplo".
Mas o médico explica que, quando o paciente tem alta, normalmente ele recebe um relatório apontando quais orientações seguir e qual especialidade médica procurar. Até porque, a covid-19 é uma doença sistêmica que pode impactar a saúde de diversas formas, tanto física como emocionalmente.
"Há pessoas que desenvolvem comprometimento cardíaco ou renal. Têm pacientes que apresentam descompensação de doenças preexistentes, como diabetes e hipertensão. Há quem desenvolva problemas neurológicos, com dificuldades motoras; também tem paciente que apresenta doenças nas articulações e há ainda as doenças psiquiátricas, desde um quadro de ansiedade, natural da situação, até surtos psicóticos", diz Martins.
Por conta dessa gama de situações resultantes da infecção, é importante que o médico que deu a alta do paciente faça essa orientação de quais especialidades procurar. Mas apenas pessoas que tiverem quadros moderados e graves podem sofrer dessas sequelas?
Não, por isso é importante procurar um médico num primeiro momento e se atentar a outros sintomas que podem surgir, como cefaleia, perda total, parcial ou distorção do paladar e olfato, fadiga persistente, perda de memória, arritmia cardíaca, sensação de formigamento/quentura nas pernas e braços, entre outros.
Cuidados com o coração merecem atenção
De acordo com diretrizes da SBC (Sociedade Brasileira de Cardiologia), pessoas que tiveram covid-19, inclusive assintomáticas, devem passar por avaliação médica cardiológica —incluindo exame físico e clínico, além do eletrocardiograma em repouso.
Isso porque o coronavírus pode afetar diretamente o coração, causando uma inflamação no músculo do órgão, que é a miocardite, mesmo em pacientes que não apresentaram um quadro grave e até entre assintomáticos.
Como esse músculo é responsável pela contração do coração, a inflamação acaba prejudicando o bombeamento do sangue pelo corpo. Entre as possíveis consequências estão arritmias e até insuficiência cardíaca.
Rica Buchler, cardiologista e diretora da reabilitação cardíaca do Instituto Dante Pazzanese (SP), comenta que outros sintomas podem aparecer depois, como a arritmia cardíaca (frequência anormal do coração), falta de ar, tontura e uma diminuição da capacidade física.
"Uma queixa comum na reabilitação pós-covid é a pessoa que andava, antes da covid, 1 km até o ponto de ônibus e, agora, ela precisa parar para descansar", diz. "Mas temos como tratar tudo isso após a avaliação de um especialista."
Outro ponto importante é que as pessoas infectadas (leve, moderada ou grave) pelo vírus façam esse check-up cardíaco antes de voltar para as atividades físicas.
"Elas não sabem se houve um acometimento no coração ou não. É preciso a liberação de um médico cardiologista para saber se não tem um problema de arritmia, por exemplo", explica. Ela conta que o paciente pode procurar o serviço após 15 dias do diagnóstico.
"O que notamos, na reabilitação cardiovascular em pacientes de covid, é que a melhora vem com o tempo. Com avaliações e exames, as coisas tendem a melhorar depois de um mês", diz a cardiologista.
Impactos neurológicos
Os impactos neurológicos da covid-19, a longo prazo, seguem sendo estudados. Mas alguns sintomas após a recuperação devem ser levados em conta, como déficit de memória a curto prazo, cefaleia e neuropatia periférica (sensação de formigamento/calor nas pernas e braços).
Caso a pessoa apresente algum desses sintomas, é válido passar pela avaliação de um neurologista. Para todas essas queixas existem formas de tratamento.
Os problemas de memória, por exemplo, podem ser acompanhados por meio de um profissional da psicologia, com a estimulação cognitiva. No caso da neuropatia periférica, o médico consegue resolver os sintomas de sensação de formigamento com medicamentos.
Já a dor de cabeça específica da covid, que não é semelhante a uma enxaqueca nem a dor de cabeça comum, também pode ser investigada e tratada com medicação.
"É uma dor de cabeça com características misturadas, fica em um intermediário das classificações, chamamos de cefaleia incaracterística. Não tem o perfil de nada do que já conhecemos", explica Edson Issamu Yokoo, neurologista da Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo.