O grupo Odebrecht tem se dedicado a mostrar que possui estrutura para atravessar o terremoto instalado no setor de construção civil por conta da Operação Lava-Jato. Claro, salvo novas acusações de forte impacto.
Apresenta, além de dinheiro em caixa, projeção de crescimento até 2017 só com os projetos atuais. O conforto não significa que a administração da empresa esteja 'blasé' diante das turbulências. Ao contrário.Tão logo o presidente da organização, Marcelo Odebrecht, foi preso, os mais altos executivos se apressaram em detalhar sua fotografia a credores e investidores.
Ao mesmo tempo, o grupo mostra que vinha trabalhando na direção de evitar novos projetos - o que significa baixo interesse para o plano de concessões do governo - e de reduzir o ritmo de investimentos, sem paralisar projetos.
O orçamento total para 2015 foi revisado de R$ 11 bilhões para R$ 9 bilhões.A crise chegou justamente no ponto de inflexão do grupo: diversos investimentos - razão do pesado endividamento - começam agora a gerar resultados.A dívida bruta consolidada terminou 2014 em R$ 88 bilhões, para R$ 24 bilhões em caixa.
O lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) no exercício foi de R$ 15 bilhões. Significa que hoje seriam necessários quatro anos e meio de resultado para saldar a dívida líquida (R$ 64 bilhões).
O grupo é considerado um dos mais agressivos na aposta 'Brasil'.
Ao contrário de todo o setor, é justamente nos próximos dois anos - os mais nebulosos - que a Odebrecht aposta sua segurança.Os projetos que entram em operação devem trazer crescimento de, pelo menos, 20% ao Ebitda dos próximos dois anos. A projeção da empresa é que o indicador alcance R$ 26 bilhões ao fim de 2017.Esse adicional deve levar a relação entre dívida e Ebitda de 3,8 para 3,5 vezes em dólares - em reais é difícil a projeção, por conta da oscilações cambiais.
O fôlego para isso vem também do prazo médio dos compromissos: 12 anos.Marcela Drehmer, vice-presidente financeira do grupo, afirmou em entrevista ao Valor, que a situação de liquidez atual é "muito semelhante à do fim do ano". Mas evitou antecipar dados.
Ela disse que neste mês o grupo obteve R$ 4 bilhões com bancos, entre desembolsos e novas contratações - portanto, após a prisão de Marcelo, em 19 de junho.
Depois da detenção preventiva do presidente da holding, Newton de Souza, membro do conselho de administração do grupo, e Marcela foram pró-ativos no diálogo com credores e investidores.
Souza, que é da geração do pai de Marcelo, estava dedicado ao conselho desde o fim do ano. Mas voltou à função executiva para atuar como presidente, temporariamente.Os dois estiveram com a alta cúpula dos três principais bancos financiadores - Itaú, Bradesco e Santander. Em seguida, partiram para Nova York: três dias, duas noites e 15 encontros com bancos internacionais e investidores.
Além do perfil da dívida e das perspectivas, também mostraram que podem obter até US$ 3 bilhões para o caixa, com a venda de ativos ou participações em grandes empreendimentos - se necessário e sem afetar a estratégia do grupo.Segundo Marcela, as reuniões mostraram reconhecimento da solidez atual pelas instituições.Ela chamou atenção que do endividamento total, R$ 30 bilhões são de dívidas corporativas e com prazo médio de 16 anos.
Além disso, estão relacionadas a um Ebitda somado de R$ 11 bilhões.Os mais de R$ 33 bilhões restantes são compromissos de projetos isolados cada um em sua estrutura de financiamento ou "project finances". Nesse modelo, tudo é montado para que o resultado do empreendimento pague sua dívida. É o que os executivos lá costumam chamar de "bankable", algo como "financiável", numa tradução livre. A regra é que qualquer projeto precisa ser "bankable".
Nas dívidas corporativas, não há nenhum vencimento antecipado, nem cláusulas de vencimento cruzado (cross default) ou garantias entre companhias.Nunca antes as regras da organização para contratação de dívidas foram tão relevantes.A explicação está na estrutura de governança reconhecida por quem vê o funcionamento do grupo. Ainda que nada disso evite comportamentos ilícitos, o modelo traz proteções significativas.Nem o fundador, Norberto Odebrecht (avô de Marcelo), poderia prever a importância da cultura que semeou - pilar da forte expansão e diversificação conduzida por seu neto.Em cinco anos, a Odebrecht dobrou de tamanho. A receita bruta total saiu de R$ 54 bilhões, em 2010, para R$ 108 bilhões, ao fim de 2014.
O Ebitda passou de R$ 6,4 bilhões para R$ 15 bilhões.Empresa diz que, nas últimas semanas, obteve R$ 4 bilhões em desembolsos de crédito, já com presidente preso Quando era apenas uma construtora e não havia como acompanhar obras em diversos locais, o fundador Norberto Odebrecht só viu uma saída para crescer: delegar. Apostou tudo nesse modelo e criou a Tecnologia Empresarial Odebrecht (Teo), reverenciada de fato como um Deus no grupo.Assim como Norberto chamava o 'mestre de obra' de cada projeto de "dono da obra", até hoje no grupo cada negócio tem seu dono ou empresário. É só assim que os presidentes por área são chamados.A estrutura de separação é assegurada pela remuneração.
Os donos e suas equipe são pagos exclusivamente pelo desempenho de seu negócio. Além disso, a existência de um sócio investidor minoritário em cada ramo - com poucas exceções, como a construtora - traz a pressão externa por desempenho e transparência.
É nesse conjunto que o grupo aposta para passar pela grave crise de imagem do setor, por conta das suspeitas de corrupção, fraude a licitação e formação de cartel investigadas no âmbito da Lava-Jato.Nos bancos, há uma decisão: não é interessante colocar a Odebrecht sob pressão - e nem há razão para isso, até agora.A companhia é avaliada como "grande demais para quebrar"- um clássico das finanças modernas em que as corporações alcançam proporções que comprometem mais que seu próprio futuro.Além da dívida, outros dados dão ideia da extensão do grupo. Atua em 21 países - 70% da receita da receita da construtora, de R$ 33 bilhões, vem de fora do Brasil - e debaixo de seu guarda-chuva estão 168 mil integrantes.A despeito da atual disposição dos bancos e do reconhecimento da solidez, o futuro de longo prazo ainda é uma incógnita.
O Valor apurou que nem mesmo eles sabem qual será a estratégia de exposição às empresas da Lava-Jato.Como o que está em questão é a credibilidade, a governança ajuda mas não garante a disposição futura das instituições.Tudo dependerá do resultado das investigações.A Odebrecht defende que essa garantia está, acima de tudo, na rentabilidade atrativa de cada projeto e num histórico de relacionamento que já dura 70 anos.